De
6 de janeiro até 23 de junho de 2006, estrearam
trinta longas-metragens nacionais em salas de cinema
do Rio de Janeiro e São Paulo. O número
é acrescido em um se contarmos o lançamento
de Acredite! Um Espírito Baixou em Mim
exclusivamente em Belo Horizonte e cidades vizinhas
(caracterizando o projeto como um fenômeno local).
Quatro filmes em janeiro, apenas um em fereveiro, seis
em março, seis em abril, oito em maio e cinco
em junho. Uma tamanha concentração de
títulos, num mercado acostumado a acomodar apenas
um ou dois por vez, não teve como fazer bem à
performance geral dos filmes, e isso se fez presente
tanto no baixíssimo número de semanas
de ocupação de sala da maior parte dos
filmes, tanto na surpreendente tabela de público
divulgada pela Filme B há algumas semanas (ver
abaixo).
Caso anômalo, naturalmente, por uma série
de fatores que ainda pedem um estudo mais detido, mas
é preocupante notar que, de uma forma geral,
o aumento de títulos em cartaz não é
acompanhado por um maior acesso do público aos
filmes. Num panorama crescente de produção
apesar do montante de renda destinado à
produção de filmes através dos
mecanismo de renúncia fiscal e das leis de incentivo
estar em descendente há algum tempo, a lista
de filmes com primeira exibição pública
sobe ano a ano , isso só faz temer pela
visibilidade dos filmes, uma vez que a dinâmica
do mercado parece não acompanhar uma diversificação
cada vez maior de propostas e modos de produção.
Dos blockbusters de grande orçamento até
as modestas produções em digital, passando
pelos filmes de grande orçamento e irrisória
recepção de público, a janela exibidora
parece não dar conta da quantidade de ofertas,
aumentando a fissura radical entre produção
e distribuição/exibição
no país (que é comentada na entrevista
com Pedro Butcher), e transformando a aparente vitalidade
do panorama de longas-metragens nacionais em seu oposto.
Isso tudo fica mais complicado quando se observa que,
dos 368 filmes que tiveram sua primeira exibição
pública de 2000 até hoje (a partir dos
dados do levantamento computado pelo recém-formado
Grupo de Pesquisa de Cinema Brasileiro), 36% não
entraram em cartaz. Naturalmente, o número tende
a baixar assim que estrearem os filmes que foram exibidos
em festivais em 2005, mas ainda assim a taxa de filmes
sem-tela continuará tendo uma porcentagem impressionante.
Afinal de contas, é assustador saber que quase
1/3 da produção de longas-metragens nacionais
de fato chega a ser lançada em salas de cinema,
e que o resto só encontra recepção
em festivais ao redor do país e exibições
especiais. Se a média do período 2000-2002
é de 40 filmes em primeira exibição
pública por ano, a partir de 2003 vemos uma produção
em forte crescimento: 60 filmes em 2003, 65 em 2004,
87 em 2005 e 29 até agora em 2006 (ainda sem
a enxurrada de títulos que aparecem nos festivais
do Rio e de Brasília, além da Mostra Internacional
de São Paulo). Ou seja, não estamos diante
de uma subida súbita e incomum de produção,
mas a um fenômeno progressivo e determinável.
Ora, isso tudo parece deixar claro que existe uma relativização
do circuito comercial na representatividade do cinema
brasileiro. Não só os filmes brasileiros
são mal vistos quando entram nas salas de exibição,
como uma boa parte nem chega a elas. Some-se a isso
o fato de que mesmo alguns filmes que entram em cartaz
parecem fazê-lo apenas por obrigação
de contrato ou para garantir uma publicidade gratuita
de tijolinho em jornais a fim de capitalizar em outras
searas (DVDs, principalmente). O que isso tudo parece
caracterizar é uma saturação das
formas tradicionais de exibir filmes, e um clamor para
a necessidade de criar circuitos alternativos de exibição,
desde as iniciativas arrojadas de aventureiros que levam
a animação cultural a sério até
o papel da televisão pública, que deveria
ter o direito de exibir (digamos, em três ocasiões,
uma delas horário nobre) sem nenhum custo adicional
qualquer filme em que foram utilizados recursos públicos
através de renúncia fiscal, depois que
se esgotar um prazo (digamos, de três anos a partir
da primeira exibição pública) em
que seriam exercidos os meios naturais de exploração
comercial da obra (lançamento nas salas, DVD,
tv paga, tv aberta). Cabe lembrar que uma simples exibição
em tv aberta que não chega a 1% de Ibope atinge
mais público do que aquele alcançado por
95% dos filmes lançados esse ano nos cinemas.
Talvez essa seja a melhor forma de trabalhar a tão
comentada contrapartida social, disponibilizando de
graça a um público interessado aquilo
que veio do bolso dele.
No estado em que estamos, qualquer novidade parece ser
bem-vinda, e qualquer tentativa de renovação
do panorama merece destaque. Para muitos e, dentre
eles, temos os óbvios suspeitos que conseguem
passar grandes orçamentos e só recebem
fiascos de bilheteria , a questão endêmica
da fissura entre produção e exibição
é vista com uma empáfia cínica,
servindo apenas como desculpa para culpabilizar outras
instâncias que não a incapacidade estética
e/ou comercial dos projetos. Mas para outros, é
um assunto premente, que nos faz problematizar a todo
tempo o sentido de fazer cinema e viver cinema no país.
Afinal, tem gente que ainda se importa com a necessidade
(cultural, social, artística, etc.) dos filmes
serem mais achados do que perdidos.
Ruy Gardnier
Filmes lançados comercialmente no Rio de Janeiro
e em São Paulo no primeiro semestre de 2006:
Didi, Caçador de Tesouro, de Renato Aragão
Se Eu Fosse Você, de Daniel Filho
Soy Cuba – O Mamute Siberiano, de Vicente Ferraz
Crime Delicado, de Beto Brant
Carnaval, Bexiga, Funk e Sombrinha, de Marcus
Vinícius Faustini
Mulheres do Brasil, de Malu de Martino
O Gatão de Meia Idade, de Antonio Carlos da Fontoura
Sal de Prata, de Carlos Gerbase
O Veneno da Madrugada, de Ruy Guerra
Depois Daquele Baile, de Roberto Bomtempo
A Máquina, de João Falcão
Boleiros 2 – Vencedores e Vencidos, de Ugo Giorgetti
Irma Vap – O Retorno, de Carla Camurati
Árido Movie, de Lírio Ferreira
Brasília 18%, de Nélson Pereira dos Santos
Achados e Perdidos, de José Joffily
A Festa de Margarette, de Renato Falcão
O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui, de Caito Ortiz
e João Dornelas
Ginga, de Hank Levine, Tocha Alves e Marcelo
Machado
Meninas, de Sandra Werneck
A Concepção, de José Eduardo Belmonte
A Mochila do Mascate, de Gabriela Greeb
Tapete Vermelho, de Luiz Alberto M. Pereira
Dom Hélder Câmara – O Santo Rebelde, de Erika
Bauer
Araguaya – Conspiração do Silêncio, de Ronaldo
Duque Moro no Brasil, de Mika Kaurismaki
Outra Memória, de Chico Faganello
Dia de Festa, de Toni Venturi e Paulo Georgieff
Moacir Arte Bruta, de Walter Carvalho
No Meio da Rua, de Antonio Carlos da Fontoura
* * *
Ranking dos lançamentos comerciais do primeiro
semestre de 2006**:
1
Se Eu Fosse Você |
3.644.618
|
2
Didi O Caçador de Tesouros |
1.011.719
|
3
Xuxinha e Guto Contra os Monstros... |
501.112
|
4
Irma Vap O Retorno* |
246.765
|
5
Gatão de Meia-Idade* |
81.437
|
6
A Máquina |
55.577
|
7
Mulheres do Brasil |
46.096
|
8
Tapete Vermelho* |
35.712
|
9
Acredite! Um Espírito Baixou em Mim |
30.458
|
10 Depois
Daquele Baile* |
28.030
|
11
Crime Delicado* |
20.545
|
12 Vinho
de Rosas* |
17.636
|
13 Brasília
18% |
15.625
|
14 Soy
Cuba O Mamute Siberiano |
14.857
|
15
Árido Movie* |
14.256
|
16 Achados
e Perdidos* |
13.328
|
17
A Concepção* |
12.419
|
18 Boleiros
2 Vencedores e Vencidos* |
10.304
|
19
A Festa de Margarette |
9.486
|
20
Meninas* |
5.621
|
21 Sou
Feia Mas Tô na Moda |
5.562
|
22 Bens
Confiscados |
3.776
|
23
O Veneno da Madrugada |
3.476
|
24
Araguaya A Conspiração do Silêncio* |
2.632
|
25
Moro no Brasil |
2.600
|
26 Cerro
do Jarau |
2.148
|
27
A Mochila do Mascate |
1.950
|
28 Vocação
do Poder |
1.807
|
29 Dom
Hélder Câmara O Santo Rebelde* |
1.477
|
30
Ginga A Alma do Futebol Brasileiro |
1.266
|
31 Dia
de Festa* |
1.181
|
32
Outra Memória |
822
|
33
O Dia em Que o Brasil Esteve Aqui |
678
|
34
Moacir Arte Bruta* |
452
|
35
Mensageiras da Luz: Parteiras da Amazônia |
135
|
36
No Meio da Rua* |
(n/d)
|
*
filmes ainda em cartaz no momento do ranking
Fonte: Boletim Filme B nº 449, 26/6/2006
** A lista leva em conta os filmes lançados em
dezembro de 2005. A Mochila do Mascate e Carnaval,
Bexiga, Funk e Sombrinha não tiveram seus
números computados pelo ranking. No Meio da
Rua não teve seus dados computados por estar
em primeira semana de exibição; os números
de Moacir Arte Bruta e Dia de Festa,
em primeira e segunda semana de exibição
respectivamente, não representam uma projeção
possível dos números finais dos filmes.
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