O
cinema policial no Brasil apresenta uma trajetória única.
Ele desponta ainda na Bela Época, incorporando fatos
apresentados nos jornais à esfera dos "posados".
Esta assimilação de crimes reais pela ficção já era
um costume dos teatros populares quando Os Estranguladores
(Giuseppe Labanca e Antônio Leal, 1906) vira o primeiro
grande sucesso do cinema brasileiro, aliando elementos
da linguagem jornalística com a dramaticidade. E eles
continuarão presentes, em maior ou menor grau, ao longo
de todo o cinema mudo. O cinema policial, então, está
presente na origem das fitas de enredo, já demonstrando-se
ao mesmo tempo popular e em diálogo com sua época.
O retorno do gênero na década de 50 é marcado por dois
pontos em comum, a aproximação com o cinema Hollywoodiano
(tendência já marcada em Maior que o Ódio (José
Carlos Burle, 1948), aliando traços do realismo americano
com o noir) e uma certa negligência pela historiografia.
Quando os filmes chegam a ser citados, privilegia-se
dados curiosos que cercaram a produção, nos paulistas
destacam as co-produções e a distribuição estrangeira.
Mas pouco se fala da estética dos filmes, de seu diálogo
com o contexto e com o público. Enquanto o cinema de
gangster norte-americano é o reflexo da urbanização
– tanto pela temática ser um fruto deste processo quanto
pela exploração do novo mercado consumidor em tempos
de depressão – aqui a definição do caráter urbano-industrial,
ocorrido nos anos 50 (e que irá paradoxalmente permitir
a instância fílmica do rural), não chegará a ser analisada
a partir dos filmes policiais. Em seu artigo “Apontamentos
para uma história do thriller tropical” (Filme Cultura
nº 40, Rio de Janeiro, 1982), Sergio Augusto afirma
que: “O thriller ou policial aqui vingou pela simples
razão de que nenhum outro gênero cinematográfico soube
expressar com igual impacto e intensidade as aflições
e contradições dos grandes centros urbanos”.
Como então isolar o ressurgimento do filme policial
de seu contexto, do momento em que se define, ou procura
ativamente definir, o país como um emergente centro
urbano-industrial? Mesmo sendo uma definição bastante
restrita, é um pensamento que condiz com os principais
centros cinematográficos, e que é pertinente com os
fluxos migratórios, com a postura oficial do país (mesmo
já sendo desde o surgimento da república), e com os
focos dos projetos desenvolvimentistas. Tratar estes
filmes isoladamente, como uma mera novidade no corrente
mimetismo presente nas produções, é tão danoso e limitado
aqui como fora no olhar quatrocentão sobre a chanchada.
Se a temática policial por fim será incorporada no cinema
moderno, e que podem ser exemplificados por produções
como O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla,
1968) e A Lira do Delírio (Walter Lima Jr., 1978),
os filmes que seguem o modelo de clássico serão cada
vez mais propício à marginalização, a ponto de Os
Raptores (Aurélio Teixeira, 1969) e Viver de
Morrer (Jorge Ileli, 1969) serem filmes praticamente
sem bibliografia.
Seguindo uma estrutura clássico-narrativa, Os Raptores
acompanha o desenrolar de um grupo de seqüestradores
de menores. Abertamente marcado pelo cinema norte-americano,
o filme se anunciou, em diversos jornais, como sendo
o primeiro suspense à Hitchcock feito no Brasil. Assim,
o filme trabalha as convenções narrativas do gênero
ao absurdo, repetindo e explorando ao máximo. Como se
o filme reconhecesse o que é necessário para se fazer
um policial, e se joga nisso a tal ponto, que o resultado
se supera pelo próprio acúmulo. Os tipos estão todos
lá, as caracterizações, as viradas narrativas, até a
simbologia da deformidade física como falha de caráter,
de quem não se posiciona nem do lado dos bandidos nem
dos policiais, se apresenta pela corcunda e pela cicatriz.
É um filme que busca descaradamente se aproximar do
público, que, no auge do hermetismo cinemanovista, busca
exageradamente na forma fílmica hollywoodiana uma aproximação
do popular. Pode-se criticar os personagens como superficiais,
como destacados de qualquer norteamento de realidade,
mas isso faz parte de seu trabalho com arquétipo: os
personagens já estão prontos, e basta colocá-los em
sua bem levada trama policial que cada um cumprirá seu
papel.
O filme, assim como outros do gênero, deixam claro que
a lei é falida. A partir de um bom advogado, todas as
regras podem ser quebradas. Se a polícia vence no final,
é porque a imoralidade do personagem extrapola, ele
se caracteriza como um mau cara, mata por dinheiro,
explora mulheres e tenciona a lei. Egoísta, frio, covarde:
é o único que se disfarça. A imagem de Bruno é tão degredada,
que o que temos não é a sensação da vitória policial,
e simplesmente da derrota de Bruno. Mas aí entra a sutileza
da construção. A polícia se delineia preconceituosa,
inferiorizando as classes baixas, não vendo seu conhecimento
como algo além de suspeita. Ela também é fria, também
é covarde. Enquanto os bandidos matam o informante "por
falar demais", Bruno declara, no momento mais lúcido
do filme, "que alguns matam por falar de menos",
numa clara alusão aos porões da ditadura. A polícia
manipula informações, assim como os bandidos, e utiliza
a mídia para conseguir seu resultado. E os dois capangas
no fim, que mantêm relação com a polícia, são o perfeito
desfecho para o filme que demonstra que, apesar das
motivações diferentes, a linha que divide policial e
marginal é demasiadamente tênue.
O caráter popular do filme se reflete também na própria
estrutura de propaganda. Notas sobre a produção foram
publicadas em diversos jornais antecipando em meses
o filme. Além da jogada com o pioneirismo do suspense
hitchcockiano, em algumas publicações inclusive marcou-se
a popularesca veiculação do star-system, chamando
atenção aos dotes "plásticos" da atriz Marza
Oliveira. Enquanto um certo cinema já se pautava com
apoios oficiais, o cinema de Aurélio Teixeira buscava,
e conseguia, um bom diálogo com o público, e garantia
sua continuidade pela bilheteria.
É um filme fraco, sem dúvida, mas que não deve ser esquecido.
Lucas Barbi
(DVD Europa)
|