OS RAPTORES
Aurélio Teixeira, Brasil, 1969

O cinema policial no Brasil apresenta uma trajetória única. Ele desponta ainda na Bela Época, incorporando fatos apresentados nos jornais à esfera dos "posados". Esta assimilação de crimes reais pela ficção já era um costume dos teatros populares quando Os Estranguladores (Giuseppe Labanca e Antônio Leal, 1906) vira o primeiro grande sucesso do cinema brasileiro, aliando elementos da linguagem jornalística com a dramaticidade. E eles continuarão presentes, em maior ou menor grau, ao longo de todo o cinema mudo. O cinema policial, então, está presente na origem das fitas de enredo, já demonstrando-se ao mesmo tempo popular e em diálogo com sua época.

O retorno do gênero na década de 50 é marcado por dois pontos em comum, a aproximação com o cinema Hollywoodiano (tendência já marcada em Maior que o Ódio (José Carlos Burle, 1948), aliando traços do realismo americano com o noir) e uma certa negligência pela historiografia. Quando os filmes chegam a ser citados, privilegia-se dados curiosos que cercaram a produção, nos paulistas destacam as co-produções e a distribuição estrangeira. Mas pouco se fala da estética dos filmes, de seu diálogo com o contexto e com o público. Enquanto o cinema de gangster norte-americano é o reflexo da urbanização – tanto pela temática ser um fruto deste processo quanto pela exploração do novo mercado consumidor em tempos de depressão – aqui a definição do caráter urbano-industrial, ocorrido nos anos 50 (e que irá paradoxalmente permitir a instância fílmica do rural), não chegará a ser analisada a partir dos filmes policiais. Em seu artigo “Apontamentos para uma história do thriller tropical” (Filme Cultura nº 40, Rio de Janeiro, 1982), Sergio Augusto afirma que: “O thriller ou policial aqui vingou pela simples razão de que nenhum outro gênero cinematográfico soube expressar com igual impacto e intensidade as aflições e contradições dos grandes centros urbanos”.

Como então isolar o ressurgimento do filme policial de seu contexto, do momento em que se define, ou procura ativamente definir, o país como um emergente centro urbano-industrial?  Mesmo sendo uma definição bastante restrita, é um pensamento que condiz com os principais centros cinematográficos, e que é pertinente com os fluxos migratórios, com a postura oficial do país (mesmo já sendo desde o surgimento da república), e com os focos dos projetos desenvolvimentistas. Tratar estes filmes isoladamente, como uma mera novidade no corrente mimetismo presente nas produções, é tão danoso e limitado aqui como fora no olhar quatrocentão sobre a chanchada.

Se a temática policial por fim será incorporada no cinema moderno, e que podem ser exemplificados por produções como O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968) e A Lira do Delírio (Walter Lima Jr., 1978), os filmes que seguem o modelo de clássico serão cada vez mais propício à marginalização, a ponto de Os Raptores (Aurélio Teixeira, 1969) e Viver de Morrer (Jorge Ileli, 1969) serem filmes praticamente sem bibliografia.

Seguindo uma estrutura clássico-narrativa, Os Raptores acompanha o desenrolar de um grupo de seqüestradores de menores. Abertamente marcado pelo cinema norte-americano, o filme se anunciou, em diversos jornais, como sendo o primeiro suspense à Hitchcock feito no Brasil. Assim, o filme trabalha as convenções narrativas do gênero ao absurdo, repetindo e explorando ao máximo. Como se o filme reconhecesse o que é necessário para se fazer um policial, e se joga nisso a tal ponto, que o resultado se supera pelo próprio acúmulo. Os tipos estão todos lá, as caracterizações, as viradas narrativas, até a simbologia da deformidade física como falha de caráter, de quem não se posiciona nem do lado dos bandidos nem dos policiais, se apresenta pela corcunda e pela cicatriz. É um filme que busca descaradamente se aproximar do público, que, no auge do hermetismo cinemanovista, busca exageradamente na forma fílmica hollywoodiana uma aproximação do popular. Pode-se criticar os personagens como superficiais, como destacados de qualquer norteamento de realidade, mas isso faz parte de seu trabalho com arquétipo: os personagens já estão prontos, e basta colocá-los em sua bem levada trama policial que cada um cumprirá seu papel.

O filme, assim como outros do gênero, deixam claro que a lei é falida. A partir de um bom advogado, todas as regras podem ser quebradas. Se a polícia vence no final, é porque a imoralidade do personagem extrapola, ele se caracteriza como um mau cara, mata por dinheiro, explora mulheres e tenciona a lei. Egoísta, frio, covarde: é o único que se disfarça. A imagem de Bruno é tão degredada, que o que temos não é a sensação da vitória policial, e simplesmente da derrota de Bruno. Mas aí entra a sutileza da construção. A polícia se delineia preconceituosa, inferiorizando as classes baixas, não vendo seu conhecimento como algo além de suspeita. Ela também é fria, também é covarde. Enquanto os bandidos matam o informante "por falar demais", Bruno declara, no momento mais lúcido do filme, "que alguns matam por falar de menos", numa clara alusão aos porões da ditadura. A polícia manipula informações, assim como os bandidos, e utiliza a mídia para conseguir seu resultado. E os dois capangas no fim, que mantêm relação com a polícia, são o perfeito desfecho para o filme que demonstra que, apesar das motivações diferentes, a linha que divide policial e marginal é demasiadamente tênue.

O caráter popular do filme se reflete também na própria estrutura de propaganda. Notas sobre a produção foram publicadas em diversos jornais antecipando em meses o filme. Além da jogada com o pioneirismo do suspense hitchcockiano, em algumas publicações inclusive marcou-se a popularesca veiculação do star-system, chamando atenção aos dotes "plásticos" da atriz Marza Oliveira. Enquanto um certo cinema já se pautava com apoios oficiais, o cinema de Aurélio Teixeira buscava, e conseguia, um bom diálogo com o público, e garantia sua continuidade pela bilheteria.

É um filme fraco, sem dúvida, mas que não deve ser esquecido.


Lucas Barbi

(DVD Europa)