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O que une o
cinema do alemão Werner Herzog ao cinema do japonês
Seijun Suzuki? Não muita coisa. Vinte anos de diferença
de idade, participação em registros totalmente
diferente da história do cinema na malfadada
clivagem entre "cinema de arte" e "cinema comercial"
e com recursos estilísticos os mais distantes
imagináveis. Em ambos, no entanto, algo em comum, e
uma dessas coisas mais dignas de consideração
na esfera artística: ambos oferecem proposições
radicais de cinema, relações de som, espaço
e tempo que são completamente abstraídas de
uma percepção de mundo e inteiramente modificadas
para construir um universo próprio que, embora derive
das coisas reais e diga respeito a elas (afinal, o que não
diz), é regido através de uma sensibilidade
única, extravagante, distintiva, diferencial. Não
se trata aqui de tiques e fetiches que fazem uma obra "ter
uma cara" característica que, no fim das
contas, encerra as piores conseqüências do cinema
cult , mas de uma organização visual-sonora-conceitual
a partir de um ponto de vista vigoroso e único. É
estimulante a sensação de, a cada filme, assistir
a um capítulo da mesma obra sendo escrita, com algumas
variações, modificações, evoluções,
mas no geral o mesmo tipo de apreensão do mundo. Herzog
com suas especulações sobre a racionalidade
humana e o contato com uma experiência exuberante e
fantasmagórica da natureza que pode lhe dar a grandeza
da vida e ao mesmo tempo o risco da morte. Suzuki com seu
exuberante trabalho de contínua reelaboração
do plano cinematográfico, saindo recorte narrativo
mais banal e chegando no ápice do delírio visual
e da abstração narrativa.
Obras de exceção, sem dúvida, quando
o cinema reiteradamente força artistas e público
a relacionar-se com essa arte unicamente a partir dos dispositivos
costumeiros do naturalismo: ilusionismo da cena e dos atores,
técnica "invisível", pequena psicologia,
pequeno engajamento, pequeno contato com o mundo. Cinema da
"vida como ela é", ele domina o imaginário
de grande parte dos espectadores daí a famosa
frase "Isso não é um filme" quando
algum espectador mais incauto se depara com uma obra que desafia
suas percepções mais usuais de cinema
e ocupa também percentualmente grande parte do cinema
mundial e, no que nos interessa mais diretamente, brasileiro.
Do documentário sério de temática social
ao cinema mais comercial, a regra geral é partir de
um ponto de vista confortável, inquestionável,
"objetivo", fazer do narrador um instrumento impecável
de ordenação dum mundo sem ambigüidades.
Há alternativas, claro, e entre elas algumas que nos
interessam diretamente, e outras que ostentam o não-realismo
mais como um tótem de autoproteção contra
o mundo que tornam a forma do filme, no fundo, tão
frágil quanto o recurso naturalista mais banal.
Se, por um lado, é adorável e relativamente
novo em anos que vários filmes brasileiros "comerciais"
possam conviver normalmente com aqueles de propostas a princípio
mais ousadas, é ao mesmo tempo preocupante que o cinema
brasileiro tenha um aumento significativo de filmes em cartaz,
mas que esse aumento signifique diretamente um menor tempo
de permanência dos filmes nas salas, fazendo com que
os próprios filmes brasileiros tenham que competir
entre si por atenção. Essa foi a dinâmica
que regeu nossa experiência nos últimos dois
meses, e será tema da nossa revista no mês que
vem. Mais uma vez, as notícias boas vêm sempre
acompanhadas de um revés a ela relacionado.
Completam a edição três artigos distintos,
que tentam tomar o universo do cinema em outras direções,seja
finalizando a série sobre metamorfoses iniciada duas
edições atrás, tentando compreender o
que significa a imagem por trás de algums filmes políticos
recentes, além de uma nova seção, "Imagem
do mês", destinada a separar um trecho de algum
filme recente e observar como o trabalho visual se desenvolve
a cada enquadramento, a cada corte, a cada mudança
sensível no espaço visual. Trabalhar entre imagem
e texto é um procedimento que continuamente ganha espaço
na revista, como tentativa de melhor experimentar a relação
entre iamgem e sentido, entre efeito e sensação,
entre filme e espectador. Ainda vem muita coisa pela frente
nessa direção.
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