Lições da Escuridão, de Werner Herzog (1992)
Pistol Opera, de Seijun Suzuki (2001)
Textos sobre videoclips e os reality shows Made e American Idol, além dos filmes da semana.
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Coleção Herbert Richers, O Rio Sagrado de Jean Renoir (foto), e ainda Jacques Tourneur, Dino Risi, Gordon Douglas, Sam Raimi...

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O que une o cinema do alemão Werner Herzog ao cinema do japonês Seijun Suzuki? Não muita coisa. Vinte anos de diferença de idade, participação em registros totalmente diferente da história do cinema – na malfadada clivagem entre "cinema de arte" e "cinema comercial" – e com recursos estilísticos os mais distantes imagináveis. Em ambos, no entanto, algo em comum, e uma dessas coisas mais dignas de consideração na esfera artística: ambos oferecem proposições radicais de cinema, relações de som, espaço e tempo que são completamente abstraídas de uma percepção de mundo e inteiramente modificadas para construir um universo próprio que, embora derive das coisas reais e diga respeito a elas (afinal, o que não diz), é regido através de uma sensibilidade única, extravagante, distintiva, diferencial. Não se trata aqui de tiques e fetiches que fazem uma obra "ter uma cara" – característica que, no fim das contas, encerra as piores conseqüências do cinema cult –, mas de uma organização visual-sonora-conceitual a partir de um ponto de vista vigoroso e único. É estimulante a sensação de, a cada filme, assistir a um capítulo da mesma obra sendo escrita, com algumas variações, modificações, evoluções, mas no geral o mesmo tipo de apreensão do mundo. Herzog com suas especulações sobre a racionalidade humana e o contato com uma experiência exuberante e fantasmagórica da natureza que pode lhe dar a grandeza da vida e ao mesmo tempo o risco da morte. Suzuki com seu exuberante trabalho de contínua reelaboração do plano cinematográfico, saindo recorte narrativo mais banal e chegando no ápice do delírio visual e da abstração narrativa.

Obras de exceção, sem dúvida, quando o cinema reiteradamente força artistas e público a relacionar-se com essa arte unicamente a partir dos dispositivos costumeiros do naturalismo: ilusionismo da cena e dos atores, técnica "invisível", pequena psicologia, pequeno engajamento, pequeno contato com o mundo. Cinema da "vida como ela é", ele domina o imaginário de grande parte dos espectadores – daí a famosa frase "Isso não é um filme" quando algum espectador mais incauto se depara com uma obra que desafia suas percepções mais usuais de cinema – e ocupa também percentualmente grande parte do cinema mundial e, no que nos interessa mais diretamente, brasileiro. Do documentário sério de temática social ao cinema mais comercial, a regra geral é partir de um ponto de vista confortável, inquestionável, "objetivo", fazer do narrador um instrumento impecável de ordenação dum mundo sem ambigüidades. Há alternativas, claro, e entre elas algumas que nos interessam diretamente, e outras que ostentam o não-realismo mais como um tótem de autoproteção contra o mundo que tornam a forma do filme, no fundo, tão frágil quanto o recurso naturalista mais banal.

Se, por um lado, é adorável e relativamente novo em anos que vários filmes brasileiros "comerciais" possam conviver normalmente com aqueles de propostas a princípio mais ousadas, é ao mesmo tempo preocupante que o cinema brasileiro tenha um aumento significativo de filmes em cartaz, mas que esse aumento signifique diretamente um menor tempo de permanência dos filmes nas salas, fazendo com que os próprios filmes brasileiros tenham que competir entre si por atenção. Essa foi a dinâmica que regeu nossa experiência nos últimos dois meses, e será tema da nossa revista no mês que vem. Mais uma vez, as notícias boas vêm sempre acompanhadas de um revés a ela relacionado.

Completam a edição três artigos distintos, que tentam tomar o universo do cinema em outras direções,seja finalizando a série sobre metamorfoses iniciada duas edições atrás, tentando compreender o que significa a imagem por trás de algums filmes políticos recentes, além de uma nova seção, "Imagem do mês", destinada a separar um trecho de algum filme recente e observar como o trabalho visual se desenvolve a cada enquadramento, a cada corte, a cada mudança sensível no espaço visual. Trabalhar entre imagem e texto é um procedimento que continuamente ganha espaço na revista, como tentativa de melhor experimentar a relação entre iamgem e sentido, entre efeito e sensação, entre filme e espectador. Ainda vem muita coisa pela frente nessa direção.

     
  Ruy Gardnier