A
música sombria e misteriosa da banda inglesa Goldfrapp
abre o filme junto a imagens de uma menina em um quarto
escuro desenhando passionalmente um retrato na parede.
A câmera na mão, em sua instabilidade e aparente não
preocupação com enquadramentos exatos, tenta acompanhar
os movimentos da personagem. não demoramos a reconhecer
nas imagens a intenção estética do filme nem a perceber
seu caráter de filme independente, ou “filme independente”
– levando ou não em conta o fator principal (econômico)
que faz com que um filme seja considerado independente:
ser realizado com pouco dinheiro, sem o suporte de grandes
estúdios (existe uma forma, a princípio decorrente das
condições de produção, que é constantemente empregada;
acaba-se gerando um estilo visual próprio, que dá cara
a uma espécie de gênero “independente”, sendo este,
muitas vezes, utilizado meramente como um conceito estético).
Surgem, então, questionamentos que vêm a partir da construção
de imagens de um filme: por que a câmera é assim, por
que enquadra assim e o porquê dessa luz, o que significam
essas escolhas? É que, em muitos casos, os filmes nos
aparecem simplesmente como algo “estilo pelo estilo”
ou “o filme é desse tipo, vou filmar com essa forma”,
presos tanto a construções pré-existentes quanto a gêneros
cinematográficos ditos dominantes.
Meu Amor de Verão é um filme desses que vai para
tantos festivais de cinema independente ao redor do
mundo. Quando um filme se apresenta como sendo “de um
tipo”, quando a princípio a nossos olhos ele parece
genérico, ainda se pode esperar que ele se utilize dessa
forma para existir enquanto filme que chame alguma atenção
para além dela, que faça alguma diferença, que se enriqueça
a partir de suas obviedades ou que crie ao menos uma
unidade orgânica que contenha alguma força. O filme
de Pawell Pawlikowski não convence: suas imagens nem
significam muito, nem despertam grandes sensações (apesar
de parecerem pretendê-lo, tentando envolver as meninas
constantemente em uma atmosfera quase espiritual); sua
narrativa não foge do clichê, além de apelar para algumas
situações um tanto gratuitas e cruéis.
A câmera leve e instável observa (praticamente não criando
qualquer relação interessante com as personagens) Mona
(Lisa) e Tamsin, duas adolescentes que se conhecem durante
as férias de verão em uma cidade do interior da Inglaterra:
há em seus olhares um quê de fascinação e curiosidade
recíprocas e instantâneas. Em seus primeiros contatos
já se expõe uma configuração de personagens que não
nos é tão desconhecida: duas adolescentes outsiders
(abordadas no filme como não sendo pessoas medíocres
– elas têm um quê de especial, que é quase místico,
que as faz estarem no filme, viverem esta história)
terão uma experiência romântica. Esperta, mas sem graça,
Mona (Lisa) é uma menina de família proletária. A outra,
Tamsin, é uma atraente, provocadora, teatral e problemática
filha de pais ricos, que vai passar o verão no interior.
A narrativa se arma de alguns detalhes para justificar
que as duas meninas se atraiam e se envolvam, detalhes
que parecem querer criar uma relação de causa e efeito
para que as meninas possam ser como são ou mesmo para
que se apaixonem. A cena em que Mona e seu amante fazem
sexo no carro mostra a menina totalmente apática, não
manifestando nenhum sinal de prazer, nenhuma satisfação.
Enquanto isso, o homem é ativo e parece pouco se importar
que está tendo contato com um outro ser humano; em seguida,
dá um fim na relação, dispensando a menina. Outra situação
de extremo mau gosto se dá quando Mona e Tamsin conversam
sobre suas vidas e relatam uma série de desgraças de
ordem familiar: “meu pai morreu de câncer, minha irmã
morreu de bulimia, meu irmão era alcoólatra e vândalo
(agora é líder charlatão de uma seita religiosa), minha
mãe é uma lunática e meu pai tem um caso com a secretária”;
é como se essas mazelas dessem conta de suas personalidades
problemáticas e isso gerasse uma afinidade imediata
que justifica a relação, portanto a história. Não é
de espantar que cenas como esta geraram risos nos espectadores
(não de deboche, mas de simpatia), visto que as personagens,
sim, falam com certo deboche pueril e, ao mesmo tempo,
melancolia (e o diretor parece enxergar alguma inocência
nisso e tomá-la como poesia).
Poesia há alguma, mas limita-se ao bom trabalho de direção
de arte e ao talento das jovens atrizes, que contracenam
muito bem. Todo o clima lírico que se pretende, um quê
de sublime e de atmosfera de encanto que chamam atenção
para si constantemente, acaba não funcionando. É abordado
um tema fantástico/espiritual/religioso/sobrenatural
que impregna o filme, mas que, apesar de pretender-se
natural e intrínseco à relação das personagens, sempre
parece extremamente desajeitado. Aquele é um amor de
verão como qualquer outro amor de verão, fantasmagórico
e imaterial? Assim como continuo sem saber se essa é
uma pergunta que importa, o diretor Pawell Pawlikowski
aparenta não saber responder a si mesmo se quis fazer
um filme sobre experiências espirituais; sobre crescer,
apaixonar-se e descobrir-se; se quis fazer um simples
filme adolescente; um filme de mistério; um filme de
amor ou se quis apenas contar uma história. E mesmo
que tenha pretendido isso tudo, não foi lá muito bem
sucedido.
Luisa Marques
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