MEU AMOR DE VERÃO
Pawell Pawlikowski, My summer of love, Inglaterra, 2004

A música sombria e misteriosa da banda inglesa Goldfrapp abre o filme junto a imagens de uma menina em um quarto escuro desenhando passionalmente um retrato na parede. A câmera na mão, em sua instabilidade e aparente não preocupação com enquadramentos exatos, tenta acompanhar os movimentos da personagem. não demoramos a reconhecer nas imagens a intenção estética do filme nem a perceber seu caráter de filme independente, ou “filme independente” – levando ou não em conta o fator principal (econômico) que faz com que um filme seja considerado independente: ser realizado com pouco dinheiro, sem o suporte de grandes estúdios (existe uma forma, a princípio decorrente das condições de produção, que é constantemente empregada; acaba-se gerando um estilo visual próprio, que dá cara a uma espécie de gênero “independente”, sendo este, muitas vezes, utilizado meramente como um conceito estético). Surgem, então, questionamentos que vêm a partir da construção de imagens de um filme: por que a câmera é assim, por que enquadra assim e o porquê dessa luz, o que significam essas escolhas? É que, em muitos casos, os filmes nos aparecem simplesmente como algo “estilo pelo estilo” ou “o filme é desse tipo, vou filmar com essa forma”, presos tanto a construções pré-existentes quanto a gêneros cinematográficos ditos dominantes.

Meu Amor de Verão é um filme desses que vai para tantos festivais de cinema independente ao redor do mundo. Quando um filme se apresenta como sendo “de um tipo”, quando a princípio a nossos olhos ele parece genérico, ainda se pode esperar que ele se utilize dessa forma para existir enquanto filme que chame alguma atenção para além dela, que faça alguma diferença, que se enriqueça a partir de suas obviedades ou que crie ao menos uma unidade orgânica que contenha alguma força. O filme de Pawell Pawlikowski não convence: suas imagens nem significam muito, nem despertam grandes sensações (apesar de parecerem pretendê-lo, tentando envolver as meninas constantemente em uma atmosfera quase espiritual); sua narrativa não foge do clichê, além de apelar para algumas situações um tanto gratuitas e cruéis.

A câmera leve e instável observa (praticamente não criando qualquer relação interessante com as personagens) Mona (Lisa) e Tamsin, duas adolescentes que se conhecem durante as férias de verão em uma cidade do interior da Inglaterra: há em seus olhares um quê de fascinação e curiosidade recíprocas e instantâneas. Em seus primeiros contatos já se expõe uma configuração de personagens que não nos é tão desconhecida: duas adolescentes outsiders (abordadas no filme como não sendo pessoas medíocres – elas têm um quê de especial, que é quase místico, que as faz estarem no filme, viverem esta história) terão uma experiência romântica. Esperta, mas sem graça, Mona (Lisa) é uma menina de família proletária. A outra, Tamsin, é uma atraente, provocadora, teatral e problemática filha de pais ricos, que vai passar o verão no interior.

A narrativa se arma de alguns detalhes para justificar que as duas meninas se atraiam e se envolvam, detalhes que parecem querer criar uma relação de causa e efeito para que as meninas possam ser como são ou mesmo para que se apaixonem. A cena em que Mona e seu amante fazem sexo no carro mostra a menina totalmente apática, não manifestando nenhum sinal de prazer, nenhuma satisfação. Enquanto isso, o homem é ativo e parece pouco se importar que está tendo contato com um outro ser humano; em seguida, dá um fim na relação, dispensando a menina. Outra situação de extremo mau gosto se dá quando Mona e Tamsin conversam sobre suas vidas e relatam uma série de desgraças de ordem familiar: “meu pai morreu de câncer, minha irmã morreu de bulimia, meu irmão era alcoólatra e vândalo (agora é líder charlatão de uma seita religiosa), minha mãe é uma lunática e meu pai tem um caso com a secretária”; é como se essas mazelas dessem conta de suas personalidades problemáticas e isso gerasse uma afinidade imediata que justifica a relação, portanto a história. Não é de espantar que cenas como esta geraram risos nos espectadores (não de deboche, mas de simpatia), visto que as personagens, sim, falam com certo deboche pueril e, ao mesmo tempo, melancolia (e o diretor parece enxergar alguma inocência nisso e tomá-la como poesia).

Poesia há alguma, mas limita-se ao bom trabalho de direção de arte e ao talento das jovens atrizes, que contracenam muito bem. Todo o clima lírico que se pretende, um quê de sublime e de atmosfera de encanto que chamam atenção para si constantemente, acaba não funcionando. É abordado um tema fantástico/espiritual/religioso/sobrenatural que impregna o filme, mas que, apesar de pretender-se natural e intrínseco à relação das personagens, sempre parece extremamente desajeitado. Aquele é um amor de verão como qualquer outro amor de verão, fantasmagórico e imaterial? Assim como continuo sem saber se essa é uma pergunta que importa, o diretor Pawell Pawlikowski aparenta não saber responder a si mesmo se quis fazer um filme sobre experiências espirituais; sobre crescer, apaixonar-se e descobrir-se; se quis fazer um simples filme adolescente; um filme de mistério; um filme de amor ou se quis apenas contar uma história. E mesmo que tenha pretendido isso tudo, não foi lá muito bem sucedido.


Luisa Marques