BUENOS AIRES 100 KM
Pablo José Meza, Buenos Aires 100km, Argentina, 2003

As intenções de um filme nem sempre encontram um caminho dentro da obra, sendo constantemente abortadas pelas mãos (muitas vezes) presas do cineasta. Buenos Aires 100km é um caso onde o cineasta parece um bocado disposto a colocar em cena suas melhores intenções, mas sempre através das idéias mais antiquadas e mal “reimaginadas”. Meza tenta realizar um conto juvenil seguindo uma estrutura comum – um grupo de amigos à deriva – e a partir dali traçar a relação não só entre estes, mas também com os caminhos de uma cidade que vislumbra um crescimento, numa Argentina ainda em crise.

Talvez o grande empecilho para que o lado social do filme ganhe alguma forma seja a incapacidade de Meza em levantar algo de forte no que diz respeito àquela cidade – pouco se constrói, e não seria um problema não fosse claramente ambicionado no filme um lado para além de um certo humanismo. Momentos como as diversas vezes em que o pai do garoto protagonista repete que ele irá construir os prédios naquela cidade, ou ainda o pai de outro garoto que carrega mercadorias em um caminhão para a cidade grande, são reflexos de um pensamento social que pouco toma forma enquanto cinema. Talvez o mais perto de um interesse neste aspecto da obra surja de como o cineasta coloca os garotos à parte de tudo, mas ao mesmo tempo tendo suas vidas numa completa dependência da situação local. Há aí pelo menos um momento que vislumbra algo em movimento, um sentimento de progressão, que é quando a menina conta ao protagonista que continuaria se mudando com os pais por enquanto, mas deixa claro o interesse de tão pouco esteja em condições, poder ela escolher seu caminho.

Há as referências do subgênero de sempre aos quais o filme não escapa, e (o que, claro, é o pior) encena da maneira mais óbvia e menos interessante possível: as brigas entre os garotos, eles sentados em roda em meio à noite, os acertos de contas (em uma montagem paralela lamentável), os garotos observando a mãe de um deles com um caminhoneiro e tendo de fugir ao fazerem algum barulho. São momentos clássicos do rito de passagem, mas que não conseguem soar nada mais que cansados e sem muita vida em cena. Meza tem capacidade de trabalhar os atores, mas parece sempre prendê-los por demais em cena, nunca lhes permitindo ter presença própria - salvo alguns bons momentos perdidos.

Aos poucos o cineasta vai deixando com que os problemas tomem mais e mais conta de sua narrativa, incapaz de criar imagens mais fortes que mantenham um interesse naquilo tudo que mostra. Uma das melhores cenas, a da final do futebol, parece perdida quando a paciência com a obra já está mais do que esgotada. Falta um tanto de vontade de cinema, que é algo que, afinal, permite que se recrie milhares de vezes um mesmo conto de passagem sem que este soe no máximo velho. Aqui, há muita intenção, pouco cinema.


Guilherme Martins