As
intenções de um filme nem sempre encontram um caminho
dentro da obra, sendo constantemente abortadas pelas
mãos (muitas vezes) presas do cineasta. Buenos Aires
100km é um caso onde o cineasta parece um bocado
disposto a colocar em cena suas melhores intenções,
mas sempre através das idéias mais antiquadas e mal
“reimaginadas”. Meza tenta realizar um conto juvenil
seguindo uma estrutura comum – um grupo de amigos à
deriva – e a partir dali traçar a relação não só entre
estes, mas também com os caminhos de uma cidade que
vislumbra um crescimento, numa Argentina ainda em crise.
Talvez o grande empecilho para que o lado social do
filme ganhe alguma forma seja a incapacidade de Meza
em levantar algo de forte no que diz respeito àquela
cidade – pouco se constrói, e não seria um problema
não fosse claramente ambicionado no filme um lado para
além de um certo humanismo. Momentos como as diversas
vezes em que o pai do garoto protagonista repete que
ele irá construir os prédios naquela cidade, ou ainda
o pai de outro garoto que carrega mercadorias em um
caminhão para a cidade grande, são reflexos de um pensamento
social que pouco toma forma enquanto cinema. Talvez
o mais perto de um interesse neste aspecto da obra surja
de como o cineasta coloca os garotos à parte de tudo,
mas ao mesmo tempo tendo suas vidas numa completa dependência
da situação local. Há aí pelo menos um momento que vislumbra
algo em movimento, um sentimento de progressão, que
é quando a menina conta ao protagonista que continuaria
se mudando com os pais por enquanto, mas deixa claro
o interesse de tão pouco esteja em condições, poder
ela escolher seu caminho.
Há as referências do subgênero de sempre aos quais o
filme não escapa, e (o que, claro, é o pior) encena
da maneira mais óbvia e menos interessante possível:
as brigas entre os garotos, eles sentados em roda em
meio à noite, os acertos de contas (em uma montagem
paralela lamentável), os garotos observando a mãe de
um deles com um caminhoneiro e tendo de fugir ao fazerem
algum barulho. São momentos clássicos do rito de passagem,
mas que não conseguem soar nada mais que cansados e
sem muita vida em cena. Meza tem capacidade de trabalhar
os atores, mas parece sempre prendê-los por demais em
cena, nunca lhes permitindo ter presença própria - salvo
alguns bons momentos perdidos.
Aos poucos o cineasta vai deixando com que os problemas
tomem mais e mais conta de sua narrativa, incapaz de
criar imagens mais fortes que mantenham um interesse
naquilo tudo que mostra. Uma das melhores cenas, a da
final do futebol, parece perdida quando a paciência
com a obra já está mais do que esgotada. Falta um tanto
de vontade de cinema, que é algo que, afinal, permite
que se recrie milhares de vezes um mesmo conto de passagem
sem que este soe no máximo velho. Aqui, há muita intenção,
pouco cinema.
Guilherme Martins
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