A PROFECIA
John Moore, The Omen, EUA, 2006

A campanha publicitária do filme no mundo inteiro fez com que sua estréia fosse marcada para o dia 6/6/2006, evocando o triplo seis que definiria o número da Besta. Em muitas salas de cinema do Brasil, ele vai ser exibido ironicamente em 1.66:1 (formando um seis quíntuplo), pois não são muitas as salas equipadas com a janela correta (1.85:1). Por que o diretor John Moore, em uma época em que quase toda produção de grandes estúdios é filmada em scope, abdicou do formato que foi empregado no filme original de Richard Donner? Mistério. Moore trabalha com texturas de cores em scope desde seu primeiro longa-metragem, o sofrível Atrás das Linhas Inimigas, em que as cores frias se sobrepõem, em um belo, mas inócuo espetáculo de tons esmaecidos. Em O Vôo da Fênix, remake de um filmaço de Robert Aldrich, amplia sua procura, desta vez substituindo o azul acinzentado do filme anterior por vermelho e ocre, que formam linhas quase abstratas em diversos momentos. Ali, no entanto, a procura é válida, pois o filme se presta a essas abstrações de temperatura, que quase nos causam alucinações, como as que os personagens têm no deserto.

Em seu terceiro longa, A Profecia, novamente um remake, desta vez de um filme superestimado de Richard Donner, abandona a procura pela abstração, mas se envolve em uma caracterização quase totalmente vermelha e negra, cores do Exu, entidade umbandista. Cores também facilmente identificadas com coisas maléficas, que facilitam a criação de uma atmosfera aterrorizadora. Essa é a intenção de Moore. Criar, na percepção imagética do espectador, uma impressão de domínio do mal, que se confirmará durante a projeção.

Nada mais batido do que comparar as duas versões, mas é fato que se a versão original de Donner abdica dos sustos para tentar um mergulho na atmosfera soturna do tema, a versão de Moore, se não convence plenamente como filme de terror, pelo menos consegue que sintamos melhor essa atmosfera, fazendo com que os sustos dos planos de menos de um segundo pontuados pelos acordes fortes sejam hiperbólicos, provocando risadas no lugar de medo. Moore cai na velha armadilha do susto em detrimento da atmosfera, mesmo que, paradoxalmente, consiga criar a atmosfera muitas vezes por causa desses mesmos sustos. A questão é: será que ele não conseguiria nos envolver sem esse recurso fácil? É mesmo necessário o uso do recurso dos sustos se o que o tema pede a todo momento é a criação de clima? Não faz diferença. O que importa é que aqui ele usa e abusa do recurso, geralmente de maneira irritante.

Mas nem só de sustos vive o novo A Profecia. O tema da maternidade ganha um contorno mais claro, pela simples escolha da mãe, Julia Stiles, como o agente desafiador, o principal ponto de desequilíbrio da criação de seu filho. Sua desconfiança faz com que os instintos maternos sejam aflorados, mesmo que seja para negar a filiação. Sua presença é a maior chance das forças do bem na batalha, é ela que acompanha Damien nos momentos em que sua personalidade é colocada à prova, mas é aos poucos eliminada, pois o mal sabe de sua potência como a mãe que criou o filho da Besta. O assassinato da mãe é um primor de construção e de uso do tempo, um momento que destoa do restante do filme, pois parece pertencer a um filme muito melhor. O sangue descendo pela mangueirinha e entrando pelas veias dela, ainda acordada, é de uma tensão indescritível. Na comparação com a morte da mãe no filme original (de novo o vício das comparações), a da refilmagem ganha de longe.

O elenco, aliás, está bem. Liev Schrieber está perfeito como o pai/embaixador perdido, mas que, como Gregory Peck no filme original, não dá conta da mudança repentina na maneira de encarar os fatos na cena do arremesso das adagas. E o fotógrafo, vivido pelo sempre excelente David Thewlis, continua sendo a principal força do bem, o homem que, com a razão, ao contrário do padre que morre no início, quase consegue convencer o pai de que Damien é o anticristo. Foi sacrificado a tempo, em uma bola fora da Besta, convencendo o pai de sua missão.

Curioso como em todo o filme as peças parecem estar exclusivamente nas mãos do diabo, e é ele que se diverte com as descobertas dos personagens. Moore dá conta disso acrescentando um pouco de humor à trama, mas em doses discretas, que provocam um riso ainda nervoso. Um desses toques é a escalação de Mia Farrow como a babá demoníaca. Ela está perfeita, entre o angelical e o misterioso, ainda que sirva para que o diretor insista por mais duas vezes nos planos curtos que buscam o susto. Mas a morte da mãe, pela mão da babá, como dito no parágrafo acima, é uma das cenas mais angustiantes do ano. Prova de que Moore ainda pode realizar um bom filme, já que seu cinema mostrou certa evolução do videogame boboca do primeiro filme ao rubro negro místico deste último, passando pela abstração de cores quentes de O Vôo da Fênix. É um sub-esteta sem talento para justificar e elaborar melhor seus arroubos imagéticos, mas com perseverança o suficiente para seguir tentando.


Sérgio Alpendre