IMAGEM DO MÊS
O Plano Perfeito, de Spike Lee

Depois que a intriga mais espetacular de O Plano Perfeito – o fim do assalto ao banco – é resolvida, o filme começa a desvelar um outro caminho, como se quisesse dizer que aquilo que havíamos visto até ali não constituía a grande impostura, o inaceitável gesto de fora-da-lei. Será a continuação do filme, sua meia-hora final, que fará uma partilha diferente dos valores e das ações nobres, e revelará um mal muito maior do que um robinhoodesco assalto a uma instituição milionária: a roubalheira e o jogo de interesses que existem por trás do grande dinheiro e das teias de podere burocracia que envolvem os grande assessores, consultores, desentravadores e tomadores de decisão em geral. Se inicialmente o filme punha em oposição o trabalho da polícia (Denzel Washington) e o trabalho do ladrão (Clive Owen), na parte final do filme ambos serão identificados como espécies de mavericks, heróis solitários ou justiceiros minoritários que, como Davi, golpeiam os maganos e os lacaios das grandes corporações, que se arrogam uma transparência falsa mas resolvem tudo no âmbito opaco e nebuloso dos intermediários e das relações excusas de poder. Um labirinto de opulência e poder em que a verdade corre o risco de se perder? Para Spike Lee, certamente. Na cena em que Denzel Washington vai negociar sua posição com Jodie Foster, a forma que Spike Lee encontra para narrar visualmente o espetáculo do herói-micro defrontando-se contra os corredores labirínticos do poder é utilizar um ponto-de-fuga que se perde no infinito atrás do personagem (nas quatro imagens), e ressaltar a repetição das camadas que levam até o horizonte (paredes, luminárias e as laterais das portas na imagem 1, os arcos em forma de abóbada nas imagens 2 e 3, ou a escada em espiral em que o protagonista quase desaparece, na imagem 4). Imaginário kafkiano que mostra o poder da arquitetura, grandiosa, que se apodera do homem e transforma-se na tradução visual das redes de poder que tentam prender o policial Keith Frazier dentro dela e impedir que uma informação reveladora chegue às autoridades. Frazier, no entanto, tem um trunfo: uma gravação da negociação das raposas Madeliene White (Jodie Foster) e Arthur Cole (Christopher Plummer) em que eles oferecem favores ao policial em troca de acesso privilegiado ao banco. Então, ele pode achar seu caminho em meio aos corredores tortuosos e clean da imagem 1. A câmera faz uma rápida panorâmica em chicote para a esquerda e temos a imagem 2, em que mais uma vez as figuras humanas aparecem dominadas pela força geométrica e intrincada da arquitetura. O quadro lentamente se aproxima dos personagens, e ao final do plano temos a imagem 3, em que um Denzel mais confortável – mais cheio na tela e predominante em relação ao meio que o envolve – pode fazer valer sua posição. Corte, e estamos na imagem 4: ainda que o policial tenha mostrado à arrogante consultora que ele não será intimidado, resta uma grande etapa do percurso, não menos nebuloso, a ultrapassar. O semi-círculo das imagens 2 e 3 rima visualmente com o semi-círculo da composição da imagem 4, e novamente Keith Frazier encontra-se mínimo na tela, apenas uma bolinha preta e uma mancha branca no alto da tela, e será necessário uma nova façanha para poder afinal dizer para a srta. White: "Don't take this personally, Miss White, but you can kiss my black ass".

Ruy Gardnier

 

 





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