ARTIGOS
Quando a televisão
faz montagem
(sobre Barcelona 3, Real Madrid 0, 19/11/2005)
por Luiz Carlos Oliveira
Jr. (26/01/2006)
FILMES DA SEMANA
(NOVEMBRO DE 2005 A JANEIRO DE 2006)
Dia 06/11
Seis semanas de férias esperamos que o
leitor entenda, Festival do Rio e Mostra de São
Paulo não é exatamente sombra e água
fresca e, quando voltamos, tudo está mudado.
Tudo não, naturalmente, mas algo decisivo, ou
ao menos algo que permanecia como uma esperança.
Falamos, claro, da transformação do Telecine
Classic em Telecine Cult. A mudança, na verdade,
almeja dar uma arejada no canal, mas a conseqüência
já se prevê: já que "cults"
são filmes de todas as épocas, as novidades
da programação vão ser os filmes
recentes, e progressivamente os filmes dos anos 60 para
trás vão ganhar cada vez menos espaço.
O Telecine Emotion vai dedicar-se inteiramente ao mainstream
e mais uma vez os filmes "de arte e ensaio"
vão ser guetificados, quiçá estigmatizados.
Mas vamos aos filmes. Aqui do Brasil, é claro.
A boa notícia do Canal Brasil é que eles
deram uma renovada no acervo de filmes picantes comprando
um pacote de Cláudio Cunha. Ora, Claudio Cunha
é o sujeito por trás (!) de filmes como
Snuff Vítimas do Prazer e... Oh!
Rebuceteio (1984), filme que o canal exibe à
01:30 de domingo para segunda-feira. Mítico pelo
título e pela dificuldade do acesso (uma cópia
em vídeo é uma raridade), o filme finalmente
terá uma possibilidade de avaliação
a partir dessas novas exibições. Antes
disso, a sessão É Tudo Verdade, dedicada
a documentários brasileiros, exibe Igreja
dos Oprimidos (1986), último longa-metragem
de Jorge Bodansky. O filme passa às 21:00.
Dia 07/11
E não é que o Cinemax se recuperou da
lombra de que era acometido e voltou a exibir preciosidades
do arco da velha? A primeira dessa semana é Demônio
de Mulher (It Should Happen to You, 1954),
filme de George Cukor com Judy Holliday e Jack Lemmon.
Ainda que o filme não sobressaia na filmografia
de Cukor, é um desses realizadores cujos filmes
deveríamos perseguir em todas as ocasiões.
O filme passa às 15:00 no Cinemax e às
18:00 no canal suplementar do Cinemax. Mais tarde, no
RetrôTV, a homenagem a Audrey Hepburn faz o canal
exibir Guerra e Paz (1956), um dos mais controversos
filmes de King Vidor. Para Tag Gallagher, é um
dos maiores filmes de todos os tempos; para mais de
um admirador de Vidor, é algo que ele não
deveria ter feito. Para aqueles que acompanharam na
Mostra filmes de Oliveira como O Sapato de Cetim
e Amor de Perdição (mais de
4 horas cada), eis aqui outro desafio, dessa vez na
telinha: 3h28 de filme. Naturalmente, não será
tempo desperdiçado. O filme passa à 01:05.
Dia 08/11
Bom, uma das coisas diferentes nessa semana é
que a terça-feira não é o dia mais
morno da semana. Ao contrário, pode-se até
vê-lo como o mais agitado. Começa às
05:05, com Shabab imra'a (1956), filme que representou
o Egito no Festival de Cannes em seu ano. Dirigido por
Salah Abouseif e Amin Yousseff Ghurab, o filme, que
em francês se chama A Sangue-suga, conta a história
de um jovem que fica tão fascinado por uma mulher
que abandona suas tarefas com a mãe, com a noiva
e com o trabalho. Pode ser uma obra-prima, pode ser
apenas uma curiosidade. O certo é que não
voltará a acontecer tão facilmente a oportunidade
de ver um filme egípcio de 50 anos atrás...
Às 10:30, mais uma surpresa deliciosa do Cinemax:
A Noite do Demônio (Night of the Demon,
1958), de Jacques Tourneur. Mais à noite, nosso
primeiro destaque dado ao Telecine Cult: Intervenção
Divina (Yadon ilaheyya, 2002), segundo longa-metragem
de Elia Suleiman e sensacional libelo em prol da liberdade
e da sobredeterminação do povo palestino
em forma de comédia dramática à
Jacques Tati. Tudo bem que o filme não é
inédito na tv a cabo (passou na TV5 ao menos),
mas vale o destaque ao canal. Não é só
porque a gente tem birra que a gente não vai
reconhecer os belos filmes que eles passam (pois há
ainda alguns deles)... Às 22:00.
Dia 09/11
O Quarto Verde (La Chambre verte, 1978)
não é exatamente o filme que mais se imagina
característico do cinema de Truffaut. Afinal
de contas, é um filme inteiramente povoado pela
idéia de morte, pelo amor mesmo à morte,
uma morbidez que não encontra muitas ressonâncias
em seus outros filmes, comédias, sagas de amor
louco ou romances de formação. No Brasil,
no entanto, não é a acessibilidade que
faz a disponibilidade. Tanto o dulcíssimo Beijos
Proibidos quanto O Quarto Verde são
inexistentes em vídeo ou dvd no país.
A RetrôTV nos brinda com o segundo, que, a despeito
de sua aparente estranheza dentro da filmografia truffautiana,
é um de seus filmes mais emocionantes. o compromisso
com o quarto verde é às 23:00.
Dia 10/11
Da Ambição ao Crime (Crime of
Passion, 1957) é o terceiro longa-metragem
de Gerd Oswald, um desses realizadores bastante celebrados
entre os críticos e cinéfilos americanos
mas jamais largamente reconhecidos internacionalmente
(outro exemplo: o genial André de Toth). Ver
seus filmes não é algo que aconteça
todo dia, então recomenda-se a visão...
ainda mais porque são Barbara Stanwyck e Sterling
Hayden os protagonistas. O filme passa às 11:25
no Telecine Cult. O Solar de Dragonwyck (Dragonwick,
1946) volta à programação do TCC
com estatuto de estréia. Primeiro filme de Joseph
L. Mankiewicz, Dragonwyck passa às 22:00,
num caso raro (ao menos nesse começo do canal
"cult") de destaque em horário nobre
dado a um filme em preto-e-branco não muito badalado.
Vamos ver filmes antigos no Telecine Cult enquanto eles
ainda existem!!!
Dia 11/11
Já que estávamos falando
de George Cukor, vamos recomendar aqui outro de seus
filmes. Feito dez anos depois do outro, A Vida Íntima
de Quatro Mulheres (The Chapman Report, 1964)
passa na RetrôTV às 23:00. O filme não
era exatamente muito bem quisto por Cukor, que teve
o material tirado de suas mãos e remontado a
mando dos produtores. Em todo caso, mesmo o desvirtuamento
na montagem não impediu o filme de ser um questionamento
forte acerca da sexualidade feminina, com os matizes
e as ambigüidades que Cukor sempre consegue retirar
de suas atrizes. À noite, dessa vez na madrugada
de sexta-feira para sábado, é a vez de
embarcar mais uma vez com Cláúdio Cunha
e assistir a Sábado Alucinante (1979),
exploit de discoteca feito para se aproveitar
da onda de Os Embalos de Sábado à Noite
e similares. Está longe, muito longe de ser um
bom filme, mas é um psicotrônico dos melhores.
Das musas (Simone Carvalho, Sandra Bréa) às
músicas, das roupas aos hábitos (hippismo,
amor livre), passando naturalmente pela esquálida
narrativa (assinada Benedito Ruy Barbosa, junto com
Claudio Cunha) e culminando numa tirada sensacional
de Maurício do Valle equacionando curra e discoteca,
é algo que vale a pena ver nem que seja para
saber que existe. Passa à 01:30.
Dia 12/11
Antes de filmar a atriz ninfeta Isild le Besco em À
tout de suite, Benoît Jacquot filmou para
a televisão o filme Princesa Maria (Princesse
Marie, 2004), filmado em duas partes que somam 3h10.
A primeira parte passa nesse sábado, no Eurochannel,
às 11:00. É um filme histórico
sobre Maria Bonaparte, com nada menos que Catherine
Deneuve desempenhando o papel principal. O problema
é que Jacquot, a se julgar por tudo que aportou
por aqui nos últimos anos, é convencional
para caramba. Em todo caso, a observar. Mais à
noite, às 03:25 da madrugada de sábado
para o domingo, a TV5 exibe And the Pursuit of Happiness
(1986), documentário feito para a tv e dirigido
por Louis Malle sobre imigrantes nos Estados Unidos.
Haja opção! Parece que ainda estamos em
época de festival, mas dessa vez diante da tela
da televisão... Se continuar assim, já
está ótimo...
Dia 13/11
Depois de um bom tempo requentando policiais ou dramas
dos anos 80, filmes esquecidos de Brigitte Bardot e
coisas mais recentes meio desimportantes, a TV5 volta
a trazer peças mais importantes e raras do melhor
cinema francês, como J'embrasse pas (1991),
de André Techiné. De seus dois últimos,
Les Égarés foi exibido apenas no Festival
do Rio e Les Temps qui changent não apareceu
de forma nenhuma, Rio ou São Paulo. Oportunidade
aqui, então, de matar as saudades e ver um filme
que jamais foi lançado nacionalmente. E, claro,
ter Emmanuelle Béart ajuda, e em J'embrasse
pas ainda temos a chance de vê-la morena.
21:25 na TV5.
Dia 14/11
Continuando a programação dedicada aos
documentários de Louis Malle, a TV5 exibe bem
cedinho, às 07:30, o filme God's Country (1986).
O filme registra as mudanças na vida de uma cidadezinha
agrícola e próspera em Minnesota, seis
anos depois da primeira filmagem. O resultado é
um questionamento da idéia de sonho americano.
Quem sabe o filme faz uma tabelinha com o recentemente
estreado Marcas da Violência, de David
Cronenberg, na maneira como trabalha o imaginário
de paz do interior americano? Mais à noite, o
Eurochannel exibe La commare secca (1962), primeiro
filme de Bernardo Bertolucci, às 23:30. Ainda
que não se trate de nada especial, mais um exercício
de estilo à maneira narrativa de Rashomon, é
curioso para ver como é o único trabalho
dele feito antes de Antes da Revolução,
que, goste-se ou não, apresenta uma proposta
já bem mais pessoal de cinema.
Dia 15/11
Continuando a voga do cinema egípcio dos anos
50, a TV5 (já deu pra perceber de quem é
essa semana nos desatques da tv, não?) exibe,
no horário nada cristão de 05:20, o filme
Raya & Sekina (Raya wa Sekina, 1953),
de Salah Abouseif (ou Abou Seif, como está no
site do canal). As
duas mulheres do título são duas assassinas
em série que mataram mais de 60 mulheres e roubaram-lhes
as jóias. Mais à noite, o Telecine Cult
(olha ele aí: cada vez menos estréias,
ao contrário do que se poderia supor nos momentos
inaugurais do canal) lança em sua programação
O Homem Sem Passado (Mies vailla menneisyyttä,
2002), de Aki Kaurismäki. O filme já circulou
por outros canais a cabo, mas na rede Telecine é
a primeira vez que aparece. E, na ausência de
desataque maior, é sempre um prazer ver o cinema
de Kaurismaki curiosamente, um diretor de estética
não muito inacessível (não é
mais estranho do que um Jarmusch, por exemplo) que nunca
teve muito destaque e voga no Brasil exibido,
seja de que forma for, no Brasil. O filme passa às
22:00.
Dia 16/11
Limpidez, classicismo, exatidão. Os westerns
de Anthony Mann têm uma característica
toda própria, uma leveza de andamento e uma complexidade
moral, uma mise-en-scène nada ostentatória
e ainda assim tranqüilamente identificável,
toda a união possível dos opostos. Seus
cinco faroestes com James Stewart representam um dos
momentos mais altos do cinema americano. Já que
uma mostra com todos eles juntos parece impossível,
o jeito é se contentar com o primeirão,
Winchester 73 (idem, 1950), que a RetrôTV
exibe às 23:00.
Dia 17/11
Mais um documentário de Louis Malle passando
na TV5: Humain, trop humain (1974). Passado na
França, ao contrário de outros de seus
documentários (nos Estados Unidos, na Índia,
até no fundo do mar...), o filme registra as
condições de trabalho nas fábricas
da Citroen e mostra em seguida, três meses depois,
o Salão do Automóvel em Paris. Pouquíssimo
conhecido e tido como um dos melhores trabalhos de Malle,
Humain, trop humain (tradução:
"Humano, demasiado humano", como o livro de
Nietzsche) passa às 21:30. No Cinemax Prime,
que anda meio quietinho essa semana, a graça
é a tabelinha de filmes de Nicholas Ray com Humphrey
Bogart feitos em seqüência. Às 22:30,
passa primeiro O Crime Não Compensa (Knock
on Any Door, 1949), filme estreado já há
alguns meses...
Dia 18/11
...e, no dia seguinte, passa de fato a maior atração,
No Silêncio da Noite (In a Lonely Place,
1950), que estréia
às 19:00, no mesmo Cinemax Prime. É notável
como, na Hollywood dos anos 40-50, o terceiro e o quinto
filme de um realizador (no meio houve o pouquíssimo
visto e igualmente considerado Alma Sem Pudor/Born
to Be Bad, com Joan Fontaine) mostram tamanha personalidade
e tamanho excesso de hybris (uma palavra que
é muito apropriada para o cinema de N. Ray).
O apadrinhamento de Bogart ao jovem realizador é
compensado pelo grande trabalho na composição
de personagens do casal principal, completado por Gloria
Graheme no que possivelmente é sua mais
memorável aparição no cinema junto
com Os Corruptos/The Big Heat de Fritz Lang,
que seria feito três anos depois. Não se
pode recomendar mais esse filme, um dos maiores de Ray
e um dos maiores do cinema. No mesmo dia, outra preparação
para a estréia do dia seguinte. Trata-se de Kill
Bill, v. 1 (idem, 2003), que a HBO exibe às
22:15, infelizmente num full-screen que destrói
todo o meticuloso trabalho de composição
do quadro de Tarantino. Perde-se 42% da tela, mas os
58% que ficam até que dão pro gasto...
Dia 19/11
...e, às 21:00, a HBO estréia Kill
Bill, v. 2 (idem, 2004), naturalmente, com as mesmas
características de exibição do
volume anterior. Em todo caso, 58% de Kill Bill
é melhor do que 100% de quase todos os filmes
exibidos nos canais de filmes recentes. E, numa semana
com tão poucas novidades, a saga da Noiva tarantinesca
ganha o nosso destaque semanal. Já num registro
mais raro, a RetrôTV exibe às 20:30 Os
Cinco de Chicago (Bloody Mama, 1970), um
dos últimos filmes de Roger Corman antes de sua
aposentadoria de 19 anos como diretor. A notar a participação
de um Robert De Niro bem novo, antes da consagração
com Caminhos Perigosos (1973), num registro do
cinema que Roger Corman usou bastante, mas ficou muito
menos conhecido do que seus filmes de terror: o cinema
policial. Naturalmente, com espaço para muito
humor.
Dia 20/11
E deu a louca em tudo! Depois do Telecine Classic mudar
de nome para Telecine Cult, de modo a incorporar no
canal também os filmes mais recentes, eis que
estréia no Telecine Emotion Quem Sabe?
(Va savoir, 2001), de Jacques Rivette, às
22:00. Há algo mais "cult" do que o
cinema de Rivette? É claro que tudo é
revestido, como de costume, por uma intriga de suspense,
pelos jogos de máscaras e pelo teatro, conforme
já se sabe. Grandes interpretações
de Jeanne Balibar e Sergio Castellitto, além
da intensa presença da deslumbrante Hélène
de Fougerolles, ajudam Jacques Rivette a tecer uma de
suas mais interessantes obras recentes. Não se
deixe convencer que a duração dos filmes
de Rivette são excessivas: eles têm seu
próprio ritmo, e um que é cativante e
só assim consegue fazer casa para todos os persoangens
e suas ações.
Dia 21/11
Se na semana passada a RetrôTV exibia o primeiro
dos cinco westerns dirigidos por Anthony Mann e protagonizados
por James Stewart, a Cinemax aproveita e exibe o último
deles, Um Certo Capitão Lockhart (The
Man from Laramie, 1955), às 14:30. Ótima
essa notícia de que a Cinemax anda cavucando
nos arquivos em busca de filmes decisivos. A má
notícia é que nem sempre o cuidado de
exibição é o mais apropriado. Por
exemplo, esse filme é o primeiro de Mann em CinemaScope
e, como não poderia deixar de ser, o filme sofre
terríveis danos de composição e
perda de imagem (na casa de 40%) sendo exibido em tela
cheia. Já que a Cinemax tem um canal excedente
que exibe a programação com três
horas de atraso, por que não inventar uma forma
de exibir o filme em seu formato original? Mais à
noite, a RetrôTV continua com sua programação
mensal dedicada a Audrey Hepburn. Os filmes dessa segunda
são mais raros e menos revisitados no que diz
respeito às várias homenagens feitas à
atriz. Às 23:00, passa Uma Cruz à Beira
do Abismo (The Nun's Story, 1959), filme
de Fred Zinnemann em que a atriz interpreta uma freira.
Logo em seguida, à 01:50, passa o mais raro ainda
Robin e Marian (Robin and Marian, 1976),
dirigido por Richard Lester em 1976 e contando a história
de Robin Hood e Lady Marian depois de velhos. Audrey,
naturalmente, é Marian, e cabe a Sean Connery
interpretar o aposentado herói. A descrição
já permite salivar...
Dia 22/11
O Telecine Cult entra na onda do cinema coreano para
exportação e estréia Primavera,
Verão, Outono, Inverno e... Primavera (Bom
yeoreum gaeul gyeoul geurigo bom, 2003), filme que
fez a fama de Kim Ki-Duk nos circuitinhos bistrô
mundo afora. É possivelmente seu pior filme,
mas é prato cheio para fãs de orientalismo
fast-food. O destaque do dia vai para duas novas
pérolas achadas pelo pessoal do Cinemax dando
sopa nos arquivos da Columbia. Não num horário
muito cristão, aliás: às 05:45,
veremos O Gênio do Mal (Baby, the Rain
Must Fall, 1965), de Robert Mulligan, estrelado
por Lee Remick e Steve McQueen. Um pouco mais tarde,
às 10:45, passa Ratos Humanos (Tight Spot, 1955),
de Phil Karlson, com Ginger Rogers e Edward G. Robinson.
Diretores importantes e menos reconhecidos do que deveriam
ser, duplas de protagonistas pra lá de curiosa
que fazem a força de um dia de cinema na frente
da televisão.
Dia 23/11
Talvez já tenha dado no saco todo o trabalho
de semântica (e suas implicações)
já feito com a palavra cult, mas aqui é
que a porca torce o rabo. Um determinado uso de cult
é para certos grupos de filmes que têm
um tipo de fruição muito particular: filmes
trash, Bollywood, esse tipo de coisa que demanda de
um certo tipo de público um distanciamento que
mistura achar os códigos engraçados porque
ridículos (ou o contrário). E, pós-Tarantino,
nada mais natural a um canal chamado Telecine Cult exibir
uma trinca de filmes de blaxploitation. O primeiro é
O Chefão de Nova York (Hell Up in Harlem,
1973), segundo filme de Larry Cohen, mais conhecido
por seu trabalho de roteirista (Por um Fio de
Joel Schumacher). Segundo Filipe Furtado, seus filmes
como diretor merecem atenção. Então,
às 18:05, manter guarda em frente à tv.
Dia 24/11
Deu a louca no mundo? Uma simples quinta-feira, e já
é facilmente o dia nacional do filme bom na tv
a cabo. Bem, talvez não exatamente do filme bom,
mas das atrações importantes. Mas não
deixa de ser impressionante (e é algo inédito
nessa coluna) que sete canais diferentes tenham coisas
interessantes para divulgar no mesmo dia. A começar
com a atração mais vistosa, mérito
da TV5: Um Homem de Verdade (Um Homme, un
vrai, 2002), primeiro longa-metragem dos irmãos
Arnaud e Jean-Marie Larrieu, possivelmente a maior revelação
do cinema francês contemporâneo, junto com
Abdelatif Kechiche (cujo L'Esquive também
já passou, aliás, na mesma TV5). Passa
às 21:25, e conta no elenco com Mathieu Amalric,
que já virou ator-fetiche para os fãs
de Reis e Rainha (onde estavam que não
o tinham visto ainda em Minha Vida Sexual ou
Só Deus Sabe?). Na RetrôTV, na sessão-trocadilho
Vade Retro, às 23:00, passa A Casa dos Maus
Espíritos (House on Haunted Hill,
1959), um dos mais consagrados filmes de William Castle,
estrelado por Vincent Price. No Eurochannel, a Noite
Nostalgia do mês é dedicada a Giulietta
Masina, que merece um documentário sobre ela,
O Poder de um Sorriso, que passa às 22:00.
Em seguida, o canal emenda com Julieta dos Espíritos
(Giulietta degli spiriti, 1965), de Federico
Fellini, às 23:00, feito exclusivamente para
ela, e depois com O Abismo de um Sonho (Lo
sceicco bianco, 1952), que começa à
01:30. Duas escolhas não-óbvias (as mais
naturais seriam A Estrada da Vida e Noites
de Cabíria), mas será que no caso
a novidade se presta no caso de O Abismo...,
um filme evidentemente com um Fellini ainda em gestação?
O Cinemax ataca às 20:00 com Meu Problema
com as Mulheres (The Man Who Loved Women,
1983), versão do diretor Blake Edwards para o
original de François Truffaut. Aqui, o mulherengo
é Burt Reynolds, e as damas nada menos do que
Julie Andrews e Kim Basinger. Já o Cinemax Prime
tem uma dupla de filmes com Humphrey Bogart. O primeiro,
que começa às 21:00, é O Diabo
Riu por Último (Beat the Devil, 1953),
de John Huston, e o segundo, bem menos conhecido, é
Confissão (Dead Reckoning, 1947),
um noir com Lizabeth Scott, dirigido por John Cromwell.
Passa às 22:30. Acha que acabou? Nada disso.
Ainda tem, mais cedo, outro filme blaxploitation de
Larry Cohen que passa no Telecine Cult: Incendiando
o Harlem (, 1973), às 18:00. Com tudo isso,
é até melhor esquecer a mais badalada
estréia do dia no Telecine Premium, Os Sonhadores
(The Dreamers, 2004), mais uma incursão
de Bernardo Bertolucci no mundo fetichista das pequenas
obsessões que dão errado mas deixam um
gostinho de contestação. Chique e confortável,
ou seja, uma banalidade. Ufa!
Dia 25/11
Fechando a trilogia de blaxploitation, um dos
mais famosos filmes do
gênero, Foxy Brown (idem, 1974), dirigido
por Jack Hill e estrelado por Pam Grier, no papel que
a imortalizou. O filme passa às 18:10
Dia 26/11
Fechando a semana (uma particularmente boa, até
impressionante), um sábado agitado. Se no quesito
dos filmes antigo a RetrôTV fornece um pouco de
suas recorrências sempre recomendáveis
Marinheiro por Descuido (The Navigator)
de Buster Keaton no "Shhh", Era uma Vez
no México de Sergio Leone e O Professor
Aloprado de Jerry Lewis , na disputa pelo
principal horário da semana temos uma disputa
dos próprios Telecines entre si (uma vez que
a HBO não representa ameaça nenhuma com
Tróia. Já às 22:00, o jeito
é escolher entre três belos filmes. No
canal principal, o Premium, estréia Meninas
Malvadas (Mean Girls, 2004), filme de Mark
S. Waters que fez a consagração de Lindsay
Lohan e concretizou um dos comentários mais ácidos
e precisos do ambiente escolar americano contemporâneo.
No Emotion, estréia Má Educação
(La mala educación, 2004), mais recente
filme de Pedro Almodóvar. Já no Telecine
Cult, passa Ata-me!, filme do mesmo Almodóvar,
só que de 1990. De certa forma, é uma
arrumação meio esquisita. Não ia
ser mais interessante dar a possibilidade do espectador
ver ambos filmes do mesmo cineasta no mesmo dia? E por
que um filme é cult e outro é emotion?
Esses nomes fazem realmente sentido? O que passa pela
cabeça da marquetagem do Telecine? Bom, contanto
que a televisão a cabo continue nos dando semanas
fortes com essas (vale ressaltar que não é
comum), essas perguntas não precisam de respostas...
Dia 27/11
Bem, já era de se esperar que o paraíso
do cinéfilo não fosse continuar depois
de uma semana tão cheia de atrações
que ficavam entre o absolutamente necessário
e o raro e digno de ver. Essa semana é um pouco
a ressaca da festa. Não que não haja filmes
de interesse, pois hão de ver que eles aparecem
hora ou outra. Mas falta aquele painel de clássicos
redescobertos, curiosidades de fazer salivar, enfim,
aquilo que faz do cinéfilo não um simples
deglutidor de clássicos mas um aventureiro do
audiovisual. Bom, nessa segunda-feira, um título
apropriado para a ressaca, um filme que provavelmente
todos já viram em sala de aula (se foram alunos
de segundo grau na época do vídeo, naturalmente):
Giordano Bruno de Giuliano Montaldo (idem, 1973),
feito após o sucesso de Sacco e Vanzetti.
Ambos os filmes ajudaram a consolidar o papel de Gian
Maria Volonté como o ator esquerdista por excelência
do cinema europeu. Mas quem for seguir o conselho que
vá avisado: é cinema italiano daqueles
pesados, empostados, linhagem Wertmuller-Scola de um
socialismo meio cioso dos protocolos. Em todo caso,
é um filme que não passa há anos
na tv a cabo, e a RetrôTV aproveita e exibe Giordano
Bruno às 11:00. Além de Volonté,
o filme conta com participação de Charlotte
Rampling.
Dia 28/11
É só o Telecine Classic virar "Cult"
que os gênios da programação passam
a sarapintar de filmes "cult" o resto dos
outros canais. Sonatine, de Takeshi Kitano (Sonatine,
1993), passa no Telecine Action às 22:00 com
o genial nome que ganhou em vídeo, Adrenalina
Máxima. E apesar de credenciar-se como um
"filme de ação" (sangues, assassinatos
gráficos, yakuzas), há tanto de especulativo
e particular nesse filme (e, em geral, no cinema de
Kitano) que fica sempre engraçado ver um de seus
filmes freqüentando uma prateleira de "ação",
ou um canal do tipo. Soturno e desesperado, Sonatine
é um dos mais belos filmes da década
de 90 e é também uma espécie de
preparação para Hana-Bi, sua obra-prima
de quatro anos depois. Às 22:30, O Cinemax Prime
exibe A Última Noite (25th Hour,
2003), último filme de Spike Lee a dar as caras
por aqui nas salas de cinema. Apesar de só ter
feito um longa-metragem de ficção desde
então (She Hate Me, já lançado
em vídeo e dvd com um nome ridículo),
Lee dirigiu documentários, episódios de
longas, curtas-metragens, episódios de séries,
e até agora nada disso apareceu, tanto nas telas
grandes como nas pequenas. A Última Noite
é uma declaração de amor e ódio
a Nova York, a morar nos Estados Unidos, a todos os
sentimentos misturados que se conjugam com as misturas
de raças, posições políticas
e sociais na América. Spike Lee é muito
mais do que um cineasta de ação afirmativa.
Ouviram, feijoadas brasileiros?
Dia 29/11
A principal influência de Emanuele Crialese em
Respiro (idem, 2002) é John Cassavetes,
ao menos na maneira de apresentar uma personagem feminina
que vive entre o sociável e o anti-social, um
poder controlado da atriz e uma força instintiva
que faz brotar movimentos inesperados. Sua Gena Rowlands
nesse belo filme é Valeria Golino. Uma pequena
fábula sobre a força interna do ser humano,
especialmente a feminina, Respiro estréia no
Telecine Emotion às 22:00.
Dia 30/11
Qual foi a última vez que prestamos atenção
num lançamento de Claude Lelouch? OK, teve o
ignóbil episódio de 11 de Setembro,
mas desde então ele já lançou títulos
nada ambiciosos como A Coragem de Amar e O
Gênero Humano, Primeira Parte: Os parisienses.
Em 2002, ele fez Amantes e Infiéis (And
Now... Ladies and Gentlemen), que o Telecine Premium
estréia às 22:00. Jeremy Irons e Patricia
Kaas vivem dois amnésicos que se encontram e
vivem um romance. O índice da glicose emocional
já subiu? Pois é, senhoras e senhores,
Claude Lelouch. Acredite quem quiser. Veja quem agüentar.
O filme ainda tem o mimo de contar com um papel coadjuvante
dado a Claudia Cardinale. Às 22:30, uma atração
que não pode se considerar muito melhor. Quem
foi conferir The Eye 2 no cinema (lançado
como Visões) sabe que os Pang Brothers
são os reis das chances desperdiçadas.
Mas quem quiser conferir como começou o franchise
"The Eye" pode ver o filme no Cinemax Prime,
que exibe o filme com o título The Eye
A Herança (Jian gui, 2002). E não,
o filme não conta com a atriz principal de Visões,
a dulcíssima e deliciosa Shu Qi, de Millennium
Mambo e Carga Explosiva.
Dia 01/12
Começa dezembro, o mês do natal, e o Telecine
Cult nos lembra disso exibindo Natal Branco (White
Christmas, 1954), filme de Michael Curtiz com Bing
Crosby e Danny Kaye. O grande destaque desse musical,
no entanto, fica para as composições de
Irving Berlin. Aproveitem porque esse mês o Papai
Noel não passou nos canais Telecine e a oferta
de filmes novos na programação é
pouca e cheia de filmes ruins. 22:00, horário
das estréias, para variar.
Dia 02/12
Nova fornada de clássicos aparecendo na programação
da Cinemax. às 11:00, teremos a versão
da produtora Hammer para A Múmia (The
Mummy, 1959), filme dirigido por Terence Fisher
e estrelado por Peter Cushing e Christopher Lee. Um
pouco mais tarde, às 16:15, teremos a adaptação
que Fritz Lang filmou do romance de Emile Zola A
Besta Humana (anteriormente filmado por Jean Renoir
com o mesmo nome). Desejo Humano (Human Desire,
1954) é estrelado por Glenn Ford e Gloria Graheme,
a mesma dupla que Lang utilizou em Os Corruptos/The
Big Heat. Dois momentos obrigatórios do cinema
dos anos 50, apesar de não partilharem muito
mais que isso.
Dia 03/12
A briga pelo horário nobre da semana, a famosa
sessão de sábado à noite, está
bem melhor do que a média essa semana. Na HBO,
às 21:00 passa Harry Potter e o Prisioneiro
de Azkaban (Harry Potter and the Prisoner from
Azkaban, 2004), dirigido por Alfonso Cuarón
e melhor título da série até agora.
No Telecine Premium, passa Colateral (Collateral,
2004), um dos melhores filmes de Michael Mann, às
22:00. Ambos têm um cuidado visual incomum geralmente
em Hollywood. Colateral, no entanto, feito em
HDTV e filmado em grande parte em exterior-noite, pode
sofrer muito mais com a perda das sutilezas devido à
tradução para a telinha, e grande parte
da força do filme vem do fato de Mann ser um
grande estilista visual. Talvez seja a ocasião
de ver os dois filmes em DVD (onde será respeitado
o formato original do filme, pelo menos em Colateral)
e ligar no A&E para conferir Um Sonho Sem Limites
(To Die For, 1995), filme que Gus Van Sant fez
há dez anos atrás com Nicole Kidman. Há
dez anos atrás, ninguém poderia imaginar
que Gus Van Sant seria um dos nomes ousados e criativos
do cinema contemporâneo, e Nicole Kidman seria
uma das musas maiores do cinema americano. Nesses momentos,
uma volta na máquina do tempo pode dar novas
interpretações a esse filme que na época
de lançamento parecia tão sem propósito.
Passa às 22:00.
Dia 11/12
Esse dezembro não é exatamente um mês
de grandes surpresas. Tanto a rede Telecine quanto a
RetrôTV, responsáveis por muitas das raridades
exibidas nos canais a cabo, apresentam uma programação
bastante requentada e sem grandes estréias no
mês. Considerando que alguns anos atrás
o fim-de-ano era motivo para o saudoso Telecine Classic
reexibir suas principais mostras (ou seja, algo como
Rossellini, Ophüls, Renoir, Satyajit Ray...), a
"guinada para o cult" vem com um certo esquecimento
daquilo que o canal já fez de melhor. Mas, se
a semana está pouco propícia a descobertas,
em compensação ela está muito rica
para aqueles que desejam descobrir tardiamente ou rever
alguns dos filmes mais poderosos que entraram em cartaz
nos últimos anos. E o destaque do dia é
um dos mais poderosos entre eles: Elefante (Elephant,
2003), filme de Gus Van Sant vencedor da Palma de Ouro
em Cannes e grande candidato ao título de melhor
filme da década (especialmente se Apichatpong
Weerasethakul não tivesse feito Mal dos Trópicos,
mas isso é detalhe). Filme montado como um quebra-cabeças
sobre ação e reação, mais
sobre as reações sociológicas e
jornalísticas ao episódio de Columbine
do que exatamente uma "reencenação"
do acontecimento, Elefante não busca soluções
ou explicações (coisa que lhe valeu a
maioria das inúmeras críticas que o filme
teve), mas procura nos mostrar que para eventos complexos
procurar saídas simples é algo infame
e abjeto. E Gus Van Sant o faz com uma contundência
e uma beleza sem igual. Estréia no Cinemax às
22:00 (atentar para o formato: o original é 1:1,33,
ou seja, sem tarjas em cima ou embaixo). Antes disso,
no Canal Brasil, uma das maiores raridades da semana
(a outra também é brasileira, mais abaixo):
dois documentários de Eduardo Coutinho feitos
para o "Globo Repórter" no final da
década de 70: às 16:00 passa Seis Dias
de Ouricuri (1976) e, às 16:40, Teodorico,
o Imperador do Sertão (1978). Obrigatórios
e necessários.
Dia 12/12
Outro dia cheio de atrações entre o interessante
e o essencial. Logo no comecinho, às 09:50, o
mais obrigatório: Paraíso Infernal
(Only Angels Have Wings, 1939), possivelmente
a obra-prima de Howard Hawks, passa no Cinemax Prime.
Mais à noite, três estréias em programação.
A mais interessante (e inesperada, já que nenhum
filme anterior do diretor, nem mesmo o mais famoso Só
Deus Sabe/Dieu seul me voit, tinha chegado ao cabo)
é Le Mystère de la chambre jaune/O
Mistério da Câmara Amarela (2003),
filme de Bruno Podalydès, estrelado por seu irmão
Denis Podalydès, que passa no Cinemax às
23:30. Antes disso, mais um filme de John Sayles que
vai direto para a tv a cabo no Brasil sem sequer ter
passado pelos festivais de cinema. Depois de Sunshine
State/Terra do Sol, agora é a vez
de Silver City (2004), espécie de filme
de investigação-filme político-regional
aparentemente à maneira de Lone Star.
No Telecine Premium às 22:00. Às 23:50,
no Telecine Emotion, estréia Marcas da Vingança
(Forever Mine, 1999), filme de Paul Schrader.
Dia 13/12
Uma das instâncias mais significativas para se
ver uma certa ideologia do cinema brasileiro da década
de 90 até hoje está na maneira como esses
filmes tentaram adaptar a obra de Nelson Rodrigues e
acabaram transformando-a numa espécie de zoológico
da classe trabalhadora da zona norte carioca, ou a vida
suburbana vivida entre o kitsch, o decadente e o estúpido.
Ora, isso deve-se naturalmente ao fato de que Nelson
Rodrigues sabia do que estava escrevendo porque conhecia
esse mundo, ao passo que o cineasta criado nos estúdios
publicitários deriva de uma cultura de aquário
com muito pouco ou nada de cultura de rua (quer dizer,
além de subir o morro com fins narcóticos).
Através desse prisma, é interessante ver
se o programa Retratos Brasileiros dedicado a Nelson
Rodrigues, que o Canal Brasil passa às 20:00,
vai se render a essa imagem ou vai tentar criar outra,
a de um dramaturgo interessado sobretudo na natureza
humana e tratando os pecados de cada suburbano como
pecados de todos nós. Em seguida, dois curtas
sobre Nelson Rodrigues: às 20:30 o recente A
Mulher das Bofetadas (dir. Iziane Mascarenhas, 2005),
e Os Filhos de Nelson (dir. Marcelo Santiago,
2000). E já que falamos de curtas-metragens,
vale a pena recomendar o informativo e bem-feito curta-metragem
Candeias da Boca pra Fora (dir. Celso Gonçalves,
2002), em homanagem ao diretor Ozualdo Candeias, que
só é representado no mesmo canal com seus
filmes menos pessoais, longe do brilho de petardos como
Aopção, Manelão e
Zé Zero, entre muitos outros.
Dia 14/12
Alguns filmes feitos nos últimos cinco anos mercem
olhares mais dedicados, às vezes olhares que
nem poderiam ser realizados à época que
o filme entrou em cartaz. Um caso desses é As
Virgens Suicidas (The Virgin Suicides, 1999),
primeiro longa-metragem dirigido por Sofia Coppola,
que viria a dirigir em seguida Encontros e Desencontros,
e de certa forma reformulando sua carreira, ou ao menos
criando outras formas possíveis de ver seu primeiro
longa. Teremos a oportunidade de revê-lo às
22:00 na AXN. Mais cedo, às 17:30, e em modo
reverso, passa Longe do Paraíso (Far
From Heaven, 2002), de Todd Haynes, filme que foi
tido por muitos como um filme neo-clássico ou
simplesmente como "uma pura história de
amor" quando, na verdade, há muito mais
em jogo no filme, inclusive do ponto de vista conceitual.
Isso, naturalmente, é sublinhado para quem já
assistiu a outros filmes de Todd Haynes, sobretudo Superstar
The Karen Carpenter Story (1987), uma espécie
de cinebiografia da cantora dos Carpenters interpretado
exclusivamente por bonecas Barbie e focando nas origens
sociais e familiares da anorexia. A volta ao maravilhoso
mundo dos melodramas de Douglas Sirk funciona como um
dispositivo conceitual em que Haynes poderá refletir
sobre o estatuto da representação social
no cinema dos anos 50 e como o cinema de hoje ainda
tenta criar subterfúgios para resguardar um modo-de-vida
branco-heterossexual da sociedade americana.
Dia 15/12
Dois grandes destaques brasileiros: às 11:30,
o Canal Barsil exibe um programa Retratos brasileiros
dedicado a Mário Carneiro, um dos maiores diretores
de fotografia do cinema brasileiro, que também
é pintor e ocasionalmente diretor de cinema.
Em seguida, sua única incursão no longa-metragem
de ficção: Gordos e Magros (1977),
que passa às 12:00. À noite, mais exatamente
às 22:35, o mesmo canal exibe na sessão
Brasil Cult dois filmes do recentemente premiado Edgard
Navarro (que faturou quase tudo em Brasília esse
ano com seu primeiro longa, Eu me Lembro), o
mais conhecido SuperOutro (às 23:25) e
o ineditíssimo Talento Demais (1995),
"documentário" de guerrilha sobre a
produção de cinema na Bahia. Necessário
e uma justa homenagem a umdos maiores nomes do cinema
brasileiro nos últimos 25 anos, impedido de fazer
seu primeiro longa pelos suspeitos usuais do coronelismo
nacional.
Dia 16/12
Enquanto o AXN exibe às 22:00 M. Butterfly
(idem, 1993), filme de David Cronenberg que talvez
possa ser o que mais rime com seu mais recente Marcas
da Violência (pela intronização
"sem marcas" de questões de contuda
num cinema em geral sempre levado a traduzir somaticamente
a perturbação mental),
o Cinemax estréia End of the Century: The
Story of the Ramones (dir. Jim Fields e Michael
Gramaglia, 2004), filme exibido no Festival do Rio ano
passado que mostra, através de depoimentos muito
mais sinceros do que de costume, a trajetória
de uma das mais importantes bandas de rock de todos
os tempos, e, em outra chave, um incrível produto
de seu tempo. Pode ser que originalmente esse filme
só vá ter apelo aos fãs do gênero
ou da banda, mas esse filme é de interesse geral,
tanto pela qualidde de sua realização
quanto por como o assunto transcende a mera factualidade
da existência da banda e toca em outros assuntos
(artísticos, de grupo, da época...).
Dia 17/12
Aproveitando que Jogos Mortais 2 entrou em cartaz
há pouco, o Telecine Premium estréia em
sua programação o Jogos Mortais
original (Saw, dir. James Wan, 2004) que deu
origem à série. Mais feliz é a
HBO, que exibe o bem superior (mas não exatamente
bom, apenas simpático) Homem Aranha 2
(Spiderman 2, dir. Sam Raimi, 2004), continuação
honesta da história do jornalista/univesitário
Peter Parker e sua luta com a responsabilidade pelo
poder que adquiriu. Nos seus melhores momentos, o filme
até consegue ser psicanalítico de uma
forma interessante. Mas o destaque do dia vai mesmo
para Scanners Sua Mente Pode Destruir
(Scanners, 1980), do mesmo David Cronenberg que
era recomendado acima, só que num período
bastante diferente de seu cinema, quando identificava
sua produção cinematográfica mais
com os preceitos do filme de horror. Não que
de lá pra cá o horror tenha mudado, ele
é só mais aceitável socialmente
porque o horror intronizado é mais "de bom
gosto". Em todo caso, tanto lá quanto cá,
o cinema de Cronenberg é essencial. Scanners
passa no Telecine Cult. E todos os filmes passam às
22:00.
Dia 25/12
Úlitma semana do ano, momento de fazer os votos
para o ano que vem e, paralelamente, realizar o fechamento
do ano que passou. 2005 não terá passado
sem algumas mudanças no panorama da televisão
a cabo. De bom, a incrível rapidez com que alguns
filmes chegam direto à exibição,
às vezes antes mesmo de completar o tempo natural
de entrada em festival, possível lançamento
em vídeo, etc. Ultimamente, só para dar
exemplo: O Mistério da Câmara Amarela
de Denis Podalydès no Cinemax, ou Um Homem
de Verdade dos irmãos Larrieu na TV5. De
ruim, a lenta e progressiva transformação
dos canais da rede Telecine um depositório de
filmes cada vez mais convencional. Já foi o tempo
em que só os fascinados pelo cinema de 50 para
trás reclamavam; agora está disseminado
(e, aparentemente, a Globosat decidiu "compensar"
oferecendo os canais da HBO, por um acréscimo
módico da assinatura, naturalmente). Final de
ano é isso: junto com as dicas dos filmes, um
pouco de retrospectiva sobre o que foi esse ano... O
dia de Natal pode ser muito agitado, com almoços
de família que furam o dia inteiro, ou completamente
parado, um feriado em que se fica o dia inteiro esperando
o que fazer. Neste último caso, há vários
filmes de interesse para se ver. Começando às
13:10 com Guerra e Paz (War and Peace, 1956),
de King Vidor, que o Telecine Cult estréia em
sua programação. Esse filme foi recentemente
recomendado quando passou na RetrôTV, mas quem
sabe no Cult o filme passa com a integridade de seu
enquadramento respeitada. Em seguida, no mesmo canal
mas três horas e meia depois, às 16:40,
passa Johnny Guitar (idem, 1954), um dos mais
belos filmes de Nicholas Ray, o que também significa
um dos mais belos filmes do mundo. Trocando de canal
e rumando para filmes mais recentes, o HBO Plus* passa
às 19:45 (ou 16:45 no HBO Plus normal, para quem
estiver com vontade de perder o filme de Ray) Sexta-Feira
Muito Louca (Freaky Friday, 2003), primeira
parceria de Mark S. Waters com a bela e talentosa Lindsay
Lohan, união que se consolidaria no bacaníssimo
Meninas Malvadas no ano seguinte. E Se Fosse
Verdade, que entra sexta-feira em cartaz, comprova
o talento de Waters para dirigir atrizes e guiar o ritmo
da comédia no metrônomo. Por fim, às
22:45 a HBO passa Sobre Meninos e Lobos (Mystic
River, 2003), de Clint Eastwood, que se termina com
os festejos de uma parada comunitária que evolui
pelas ruas da vizinhança em que, anos antes,
os três meninos viveram um trauma conjunto (mesmo
que com conseqüências muito diferentes para
cada um). Natal sempre é uma dessas celebrações
de si mesmo, esse ideal de um "espetáculo
de si mesmo", um imanentismo do espetáculo
(ao contrário da separação do espetáculo
das artes, que implicam poucos artistas e muito público)
que cai muito bem como pano de fundo para explorar as
diferenças de personalidade entre os membros
diferentes da sociedade (no caso do filme) e da família
(no caso dos feriados de fim de ano). Em todo caso,
2005 é também um ano de Clint Eastwood,
e vale a pena assistir a Sobre Meninos e Lobos
com os olhos de quem já viu Menina de Ouro...
Dia 26/12
Juventude Transviada (Rebel Without a Cause,
1955) é certamente o filme mais famoso de Nicholas
Ray. É também o filme que levou James
Dean ao estrelato, e o filme em que ele é mais
lembrado até hoje (ofuscando filmes que são
menores, mas de jeito nenhum perdíveis: Vidas
Amargas e Assim Caminha a Humanidade). E
também é um dos filmes em que Natalie
Wood está mais bela. Bom, mas nada disso explica
a incrível beleza que o filme tem até
hoje, com a força cromática e significativa
do vermelho através das roupas e dos objetos
dos personagens, da fúria interna dos três
adolescentes em sua incapacidade de viver sob a égide
de uma moral pesada que seus pais lhes impingem. No
cinema de Nicholas Ray, a vida é algo que apenas
alguns personagens experimentam, mas ela é ao
mesmo tempo um fulgor e uma maldição:
ela é sempre a explosão de uma violência
que maculará aquele que a detém. O filme
passa às 23:00 no quadro de uma homenagem que
a RetrôTV faz a Marilyn Monroe e a James Dean
conjuntamente. Considerando que no mês passado
eles fizeram uma excelente e nada óbvia mostrinha
dedicada a road movies, essa aqui só revela o
óbvio...
Dia 27/12
Telecine Cult. O que desejamos em 2006 para esse canal?
Que não seja uma mera plataforma para filmes
cuja estética se adequa ao cinema de bistrô,
que haja ousadia na seleção de títulos,
que os programadores olhem para além dos filmes
lançados em circuito e vídeo no Brasil,
e que a pecha de lançar os filmes "de circuitinho",
como são chamados, não os faça
esquecer da enorme importância de manter viva
a memória do cinema dos anos 60 para cá.
Num dado momento, o Telecine Classic era o lugar perfeito
para fazer a descoberta de vários cineastas e
filmes raros, tornando novamente disponíveis
filmes de valor inestimável para o cinema (considerando
que o mercado de VHS e DVD no Brasil está longe
de ser bem explorado em termos de clássicos,
a importância do canalé maior ainda). Nessa
semana, a estréia mais interessante de filme
recente que o TCC propõe a seu público
é Tirésia (Tiresia, 2003),
ousado segundo longa-metragem de Bertrand Bonnelo. Mais
recentemente, Bonnelo realizou o curta-metragem Cindy,
the Doll Is Mine, estrelado por Asia Argento e feito
a partir de uma canção do grupo americano
Blonde Redhead. O filme foi uma das sensações
de Cannes, mas até agora, lhufas no mercado brasileiro?
Que tal em uma de nossas emissoras a cabo? Tirésia
passa às 22:00.
Dia 28/12
De todos os canais estrangeiros, os leitores sabem que
é disparada a TV5 que aparece com mais destaque
aqui. Alguns momentos são muito mais fortes que
os outros. Assim, o primeiro semestre do ano foi completamente
matador, exibindo filmes raros de Pialat (Nós
Não Envelheceremos Juntos), Week-End
de Godard, Eternamente Sua de Apichatpong Weerasethakul,
Hitler de Syberberg e Shoah de Claude
Lanzmann (dois filmes que desafiam o espectador por
sua duração de mais de 8 horas e pelo
igor de sua estética), entre outros. Polícia
(Police, 1985), de Maurice Pialat, não
é tão raro nem tão especial, mas
é ainda assim um dos destaques dessa semana de
fim de ano, mesmo em um horário meio complicado:
03:30 de quarta para quinta-feira. Perfeito para gravar.
E que em 2006 tenhamos muito mais filmes franceses e
estrangeiros para descobrir na TV5. Mais cedo, O Cinemax
Prime exibe às 19:00 Original Pecado (The
More the Merrier, 1943), filme de George Stevens
estrelado por Jean Arthur, Joel McCrea e Charles Coburn
(com direito a Oscar de ator coadjuvante para este último).
Para 2006, esperamos que o acervo de filmes clássicos
que o complexo HBO/HBO Plus/HBO Family/Cinemax/Cinemax
Prime controla seja cada vez mais vasculhado e que eles
ganhem uma visibilidade maior do que as manhãs
e o começo da tarde. Há tesouros sendo
exibidos com pouquíssima divulgação...
Dia 29/12
Programa duplo? Não é exatamente nada
muito raro, já que temos um dvd lançado
no formato certo e com boa qualidade, mas Vampiros
de Almas (Invasion of the Body Snatchers,
1956), de Don Siegel, é sempre um ótimo
destaque. Ainda mais quando é estréia
na programação do Telecine Cult, o que
significa que o filme deve circular pelos próximos
meses na grade do canal. O filme passa às 20:35,
fora do horário nobre dos lançamentos,
mas isso acaba nos dando a chance de sair do filme de
Siegel e sintonizar no Canal Brasil, que exibirá
o bastante raro Cordélia Cordélia (1971),
filme de Rodolfo Nanni, no quadro do Brasil Cult. Adaptação
de uma peça de Antonio Bivar, o filme é
o segundo filme de ficção de Nanni, cuja
fama se deve a O Saci, seu primeiro longa, de
1953. 2005 viu a concretização de uma
estratégia destinada a arejar a programação
outrora repetitiva do Canal Brasil. Embora tenha dado
certo, criando sucessos como os programas de Pereio
e Selton Mello, os filmes foram relegados a segundo
plano, um pouco como a MTV foi deixando a música
de lado e fazendo com que hoje ninguém entenda
o M da sigla. O grande trunfo foram as sessões
temáticas, como Brasil Cult e É Tudo Verdade,
que trouxeram alguma ousadia para a programação
do canal, que no geral continua servindo à ideologia
do "cinema brasileiro de qualidade", relegando
as produções mais selvagens aos horários
pouco visíveis ou simplesmente não exibindo.
Que em 2006 o Canal Brasil caia na real e não
tenha vergonha de ser Brasil.
Dia 30/12
Não falávamos de filmes que estréiam
com pouquíssimo
tempo de sua primeira exibição pública?
Pois bem: Le Pont des arts (idem, 2004), de Eugène
Green, é um exemplo claro disso. O filme estreou
em festivais em outubro do ano passado e ei-lo aqui,
sendo exibido um ano e meio depois. Le Monde vivant
(2003), terceiro longa do diretor e filme imediatamente
anterior a este, deu a Green uma grande projeção
e a voga, em alguns jornais, de um dos cineastas mais
pessoais do cinema francês contemporâneo.
Chance de vê-lo com seu filme mais recente às
03:35 na TV5, na madrugada de sexta-feira para sábado.
Mais cedo, a Film & Arts, outro canal que aparece
aqui com alguma freqüência, exibe Dá-me
um Beijo (Kiss Me Kate, 1953), numa época
em que havia uma profusão de experiências
com formatos cinematográficos panorâmicos,
terceira dimensão e cor. Dá-me um Beijo
é a tentativa de fazer um musical em 3D e som
estéreo, além de uma tela panorâmica
para tentar disputar com o CinemaScope patenteado pela
Fox. Os espectadores da F&A, portanto, não
poderão ver o filme em 3D com todas as suas famosas
brincadeiras de jogar coisas para a câmera (recuperadas
no dulcíssimo Spy Kids 3D de Robert Rodriguez).
Dirigido por George Sidney, estrelado por Kathryn Grayson,
Howard Keel e Ann Miller, os maiores atrativos do filme
são a coreografia do filme, assinada por Bob
Fosse, e a estranha mistura de Cole Porter e Shakespeare
que a história cria, já que no filme Porter
é um personagem que tenta montar uma versão
de A Megera Domada. Às 22:00.
Dia 31/12
Por fim, no último dia do ano, o que fazer? Há
algum tempo atrás, o Eurochannel, na época
em que o canal tinha boa programação de
filmes, decidiu exibir o exigente e longo (e não
por isso menos belo) Os Destinos Sentimentais de
Olivier Assayas enquanto o ano virava. O resultado de
público deve ter sido pífio, mas o video-cassete
deste que vos fala guardou tudo... Tudo complica quando
o dia 31 cai num sábado. Continuamos fazendo
do sábado às 22:00 o grande horário
para estréias? O Telecine Premium acredita que
não, e exibe uma estréia pouco chamativa,
Barbeiragem Total (Barbershop 2 Back
in Business, 2004, dir. Kevin Rodney Sullivan),
enquanto a HBO responde afirmativamente e exibe o bem
mais falado Efeito Borboleta (Butterfly Effect,
2004, dir. Eric Bress e J. Mackye Gruber), estrelado
por Ashton Kutcher, da série That 70s Show
e do bacaníssimo Cara, Cadê Meu Carro?.
Mas o destaque do dia vai mesmo para a dose dupla de
Roberto Pires que o Canal Brasil faz. às 18:00,
passa o programa Retratos Brasileiros dedicado ao diretor
de A Grande Feira, e em seguida, às 18:30, o
canal exibe um de seus filmes mais importantes e invisíveis,
Tocaia no Asfalto (1962). Feliz ano novo e até
2006 com muitos filmes na sala de cinema e na sala de
casa!
Dia 01/01
Primeiro dia do ano, nenhuma mudança significativa
no calendário, como era de se esperar. O que
fazer, então, para fugir das incontáveis
retrospectivas que a televisão exibe nesse dia?
Uma possibilidade é assistir a Happy End (Nowhere
to Go But Up, 2003), de Amos Kollek. Co-produção
EUA/França/Alemanha, o filme tem Audrey Tautou
no papel principal, e retoma o universo que Kollek retratou
em Sue, seu melhor filme (e que, com resultados
parcialmente bem-sucedidos, tentou trazer de volta em
Fast Food, Fast Women). Famoso por seus retratos
femininos (depois de Sue houve Fiona,
Angela, Bridget, quase sempre com a atriz
Anna Thomson), Kollek é um diretor que não
consegue manter a regularidade. Com Audrey Tautou, famosa
por fazer personagens perversamente dóceis e
por sua carinha de anjo (O Fabuloso Destino de Amélie
Poulain, Bem Me Quer, Mal Me Quer), sabe-se
lá se Kollek não cai na simpatia barata
e um tanto vazio da facilidade que a atriz tem para
expressar sua docilidade. Estréia no Cinemax
às 22:00.
Dia 02/01
É Fogo na Roupa, de 1952, é o primeiro
filme que Watson Macedo faz depois de sair da Atlântida.
Mas não é o único motivo para se
ver o filme. Esse período representa um momento
de consolidação da obra do cineasta, vindo
logo após de alguns de seus filmes mais celebrados,
Carnaval no Fogo e Aviso aos Navegantes,
e seu filme dramático, A Sombra da Outra.
É Fogo na Roupa ainda conta com duas estréias
de peso: o comediante Ankito e a cantora Elizeth Cardoso,
que só conseguiu gravar depois de aparecer no
filme. O Canal Brasil exibe às 14:30. O filme
conta ainda com Heloísa Helena, Virgínia
Lane, Linda Batista, Dircinha Batista, Emilinha Borba
e Ivon Cury, com roteiro de Alinor Azevedo.
Dia 03/01
Oficialmente, o dia em que o ano começa. Por
quê? Porque a Globo lança o que pode ser
o grande fenômeno da televisão brasileira
em 2006, a série JK, direção
de Dennis Carvalho. Considerando que a última
série política que a Globo fez, Anos
Rebeldes, contribuiu sensivelmente para o zeitgeist
do fim da era Collor, talvez JK venha a encher o imaginário
atual e exercer alguma influência em quem vai
estar sentado na cadeira da presidência no dia
3 de janeiro de 2007. Veremos. Enquanto a Globo estréia
JK, o Canal Brasil exibe Os Anos JK: Uma Trajetória
Política (1980), de Sílvio Tendler,
na sessão É Tudo Verdade, às 22:40.
Homenagem curiosa, já que essa coincidência
é para comemorar os 50 anos do começo
de mandato de Juscelino. Só que JK só
assumiu a presidência em 31 de janeiro de 1956.
Ou seja, a sessão É Tudo Verdade, na verdade,
faz uma homenagem... à série da Globo!
Paralelamente, o Telecine Cult, alheio à política
nacional, estréia às 22:00 O Filho
(Le Fils, 2002), dos irmãos-pilares
do cinema político de autor, Luc e Jean-Pierre
Dardenne. Vencedor da Palma de Ouro de melhor ator (e
realmente, apaixonando-se ou não pela proposta
deles, há de se conceder que os atores em seus
filmes estão sempre inacreditáveis de
bons), o filme mostra que os Dardenne vão até
o limite do que fazem, e que filmam o trabalho de forma
impressionante. No entanto, o próprio trabalho
deles, aqui, começa a ficar transparente, o mecanismo
se vê o tempo todo (porque não há
acréscimo ao já feito em Rosetta
ou A Promessa), e a intensidade se dilui um pouco.
Ainda assim, um filme forte.
Dia 04/01
O film do Telecine Happy ocasionou uma aposentadoria
prematura aos filmes de Jerry Lewis assinados por Frank
Tashlin e aos dirigidos por ele próprio, pérolas
como Artistas e Modelos e Ou Vai ou Racha.
A compensação não vem na mesma
moeda, mas ainda assim alguma coisa é melhor
que nada: O Biruta e o Folgado (The Stooge,
1953), dirigido por Norman Taurog (que não era
nenhum Tashlin) e estrelado pela dupla Jerry Lewis-Dean
Martin, que o Telecine Classic estréia às
15:15. Horário muito do esquisito para uma estréia
dessas, e isso talvez já estabelece um padrão
de como certos filmes antigos menos conhecidos serão
tratados no TCC daqui em diante. Em todo caso, O
Biruta e o Folgado é um filme cujo acesso
não é fácil, e para muitos é
o melhor filme da dupla Lewis/Martin (claro, é
uma heresia com Tashlin, mas...).
Dia 05/01
Já que semana passada um dos filmes recomendados
foi de George Stevens (Original Pecado), vamos começar
o ano como terminamos o anterior recomendando o filme
que Stevens rodou imediatamente antes, E a Vida Continua
(The Talk of the Town, 1942, nÃO confundir
com o filme de Kiarostami ou com o americano, com Matthew
Modine). Stevens é mais famoso por seus filmes
do pós-guerra, d peorudções muito
mais custosas e com temas fortes. Mas Stevens pré-guerra
pode ser bem mais dinâmico e interessante... Passa
às 11:00 no Cinemax Prime e conta com Cary Grant
e Jean Arthur no elenco aliás, afora a
obra-prima que é Paraíso Infernal/Only
Angels Have Wings, esse é o único
outro filme em que os dois contracenam; obrigatório,
não? Mais tarde, o mesmo Cinemax Prime exibe
Starman O Homem das Estrelas (Starman,
1984), uma mistura de melodrama, aventura e ficção
científica, naturalmente com um quê da
fórmula de ET, mas aqui dirigido por alguém
que nunca teve paciência para ficar adoçando
e adulando o público, John Carpenter. Pensando
bem, é um filme excelente para começo
de ano, em história, em mensagem, em tudo. 22:30.
Dia 06/01
Dois filmes excelentes e não tão comuns
sendo exibidos no mesmo horário. Azar, sorte?
Sorte, naturalmente de quem pode escolher. E, considerando
que um deles é no Cinemax Prime, que disponibiliza
um canal que repete a mesma programação
três horas depois, isso não é tão
grave assim. Às 22:30, o Cinemax Prime exibe
Adorável Vagabundo (Meet John Doe,
1941), belo filme de Frank Capra com Barbara Stanwyck
e Gary Cooper, numa copmédia com espírito
social que permaneceu como a marca registrada do diretor.
Mas, antes disso, o Cinemax Prime passa às 20:30
um filme que pode se revelar como algo bem interessante:
é o documentário The Cutting Edge:
The Magic of Movie Editing (dir. Wendy Apple, 2004),
sobre a montagem no cinema, com participação
de diretores como Francis Ford Coppola, George Lucas,
Anthony Minguella, James Cameron, Paul Verhoeven e Quentin
Tarantino, além de montadores como Walter Murch
e Thelma Schoonmaker. Mesmo que seja um mau filme, os
depoimentos serão provavelmente excelentes. Às
22:00, o Eurochannel exibe Mulheres Diabólicas
(La Cérémonie, 1995), de Claude
Chabrol, um dos dois melhores Chabrol nos últimos
quinze anos (o outro seria Betty, um filme que
ficou um pouco relegado ao anonimato). Curioso que,
na virada do ano, o Eurochannel tenha exibido um Chabrol
diferente dos quatro que exibia indefinidamente... Isso
significa uma nova formada? Tomara...
Dia 07/01
Primeiro sábado do ano e tudo pega fogo. Até
canais que geralmente não entram na briga vêm
com tudo nesse dia 07.Para começar o Cinemax,
que estréia em sua programação
Sobre Café e Cigarros (Coffee and Cigarettes,
2003), coletânea dos filmetes que Jim Jarmusch
faz há tempos com encontros inusitados em bares
regados a café e cigarros, como o título
sugere. Embora não conste entre os melhores filmes
de Jamusch, o filme tem algums instantes mágicos,
e serve um bocado para entender o que realmente interessa
Jarmusch em tudo o que ele faz, uma certa relação
entre personagens, o aproveitamento de tempos mortos,
uma relação com os pequenos prazeres (depois
reconfigurada pelo próprio cinema de Tarantino,
com suas massagens no pé e interpretações
de músicas da Madonna). E é bem melhor
que Flores Partidas. Às 22:00. Já
o Telecine Cult, no mesmo horário, estréia
um dos maiores filmes dos anos 90, O Pagamento Final
(Carlito's Way, 1993), de Brian De Palma,
momento decisivo na carreira de Al Pacino e filme responsável
por uma seqüência final de antologia para
ficar na história do cinema. O filme nào
é só isso, naturalmente, mas a gente deixa
o resto para o leitor descobrir. Já a grande
estréia da semana na HBO sai do canal mais badalado
e vai para a HBO Plus, com Como se Fosse a Primeira
Vez (50 First Dates, 2004), de Peter Segal,
às 21:00. Ganha tranqüilamente da estréia
do Telecine Premium, Mulheres Perfeitas (The
Stepford Wives, 2004), simpática porém
tola comédia de Frank Oz, que passa às
22:00. A graça é que, às 20:00,
o Telecine Cult exibe As Esposas de Stepford (The
Stepford Wives, 1975), a versão original
da estréia do TCP, dirigida por Bryan Forbes.
Deu pra perceber que o que mais tem nesse sábado
é oferta, não? Que seja assim o ano todo.
[Infelizmente, não deu para cobrir a programação
da RetrôTV porque o site do canal ainda fornecia
a programação de dezembro, embora dê
alguns destaques de janeiro: Neil Simon e o comediante
Harold Lloyd na sessão "Shhhh!"; a
coluna dessa semana é dedicada a Roberto Garcia
Morrone, leitor costumeiro dessa coluna, fã dos
filmes clássicos e defensor de carteirinha da
RetrôTV].
Dia 15/01
Domingo sempre foi um dia em que a coluna foi errática,
para dizer o mínimo. Freqüentemente atualizada
na madrugada de domingo para segunda, ela acabava deixando
de informar o leitor sobre um dos dias da semana e,
de certa forma, quebrava o ritual de periodicidade que
se pede, obrigatoriamente de uma coluna. Como uma das
mudanças que a seção deverá
sofrer (e sempre para melhor) esse ano, continuaremos
a publicar a sessão de filmes da semana entre
domingo e segunda-feira, mas tomando como primeiro dia
da semana a própria segunda. Mas, para não
deixar feio, a gente cobre domingo também, mesmo
porque é um dia dos mais agradáveis em
estréias (e porque, mal ou bem, são as
primeiras exibições e os filmes se repetirão).
A TV5 aposta em janeiro num ciclo dedicado ao cineasta
francês Claude Miller, cineasta com um currículo
admirável de assistente de direção
(Duas Garotas Românticas de Jacques Demy,
Week-end de Jean-Luc Godard, A Grande Testemunha
de Robert Bresson, entre outros) e gerente de produção
(vários Truffaut) e mais conhecido justamente
por ter filmado o que seria o último projeto
de Truffaut, Ladra e Sedutora (La Petite Vouleuse,
1988). É exatamente esse filme que a TV5 exibe
neste domingo, às 21:25. Já às
23:30, na Sessão Brasil Cult, o Canal Brasil
exibe Exorcismo Negro (Brasil, 1974), de José
Mojica Marins, um dos filmes curiosamente menos comentados
de Mojica, que ainda assim é um de seus melhores.
A razão de ser tão pouco comentado talvez
seja justamente o fato de que, na obra toda de Mojica,
esse talvez seja o filme que menos consiga ser interpretado
como cult, justamente: aproximação
com o cinema americano inclusive se aproveitando
da voga do filme de William Friedkin que o título
referencia , fluência narrativa maior e
uma pronunciada ausência das cenas mais abstratas
e esquisitas que fazem o gosto do "Coffin Joe"
como figura de culto trash. Como a razão
pela qual gostamos de Mojica não tem nada a ver
com isso, e passa, ao contrário, por sua mise-en-scène
e sua visão corroída da humanidade (não
está tão longe de Nelson Rodrigues), assistiremos
felizes e salivando à exibição
de Exorcismo Negro.
Dia 16/01
O cinema de André Techiné não anda
sendo exatamente privilegiado por nossos circuitos exibidores.
Seu último filme a entrar em cartaz foi Os Ladrões.
Depois disso, Alice e Martin chegou até a ter
cópia legendada em português, e mesmo assim
não ganhou lançamento comercial. Depois
disso, ele lançou um filme decisivo, Loin/Distante
(2001), Anjo do Mal/Les Égarés
(2003) e Les Temps qui changent (2004), os
dois primeiros exibidos somente em festivais, e esse
último nem isso. Enquanto esperamos alguma boa
alma exibir seu último filme e rezamos para que
seu próximo projeto, Les Témoins, tenha
uma sorte melhor no país, podemos assistir ao
belo Anjo do Mal, que o Cinemax exibe às 20:15.
Quando acabar, dá tempo de colocar no Telecine
Premium e assistir à estréia de Não
se Mova (Non ti muovere, 2004), segundo longa-metragem
dirigido pelo ator Sergio Castellitto (de Quem Sabe,
de Jacques Rivette, e A Hora da Religião,
de Marco Bellocchio). O filme tem a energia e intensidade
física típica dos filmes de ator, mas
é muito mais que isso. É um mergulho no
universo tortuoso de um médico chegando à
meia-idade e rodeado por uma série de fantasmas
de masculinidade que desenvolve uma relação
adúltera e violenta com uma mulher bem mais pobre.
Não se Mova toca forte exatamente por não
nos dar um ponto de ancoragem, ao mesmo tempo nos mergulhando
na história mas sem nos dar um ponto de ancoragem
através do qual navegar confortavelmente pela
história. Considerando que foi um filme muito
pouco visto, e ainda menos comentado, quem sabe agora
o filme tenha a verdadeira chance de ser apreciado...
Passa às 22:00.
Dia 17/01
Grande evento da semana, a retrospectiva dedicada a
Sérgio Ricardo no Canal Brasil traz à
luz uma obra importante que curiosamente é deixada
de lado há muito tempo. De Sérgio Ricardo,
hoje só se relembra o fato de ele ter quebrado
o violão num festival da canção
e a composição da trilha sonora de Deus
e o Diabo na Terra do Sol, mas tanto a sua carreira
como cantor popular-engajado quanto sua obra de cineasta
estão envoltas por uma cortina de fumaça
que nem dá pra explicar. Bem-vinda, então,
é a oportunidade de ver seus longas e curtas
em três dias, horário marcado às
20:00 em frente à televisão. Primeiro,
é o programa Luz, Câmera, Canção
enfocando a carreira musical do cantor e compositor.
Em seguida, o canal exibe às 20:30 o recente
curta-clip Zelão, uma animação
que o próprio Sergio Ricardo fez em 2002 para
uma de suas músicas mais famosas, e Esse Mundo
É Meu (1964), seu primeiro longa-metragem,
de um lirismo social alinhado às obras iniciais
de Roberto Santos e Nelson Pereira dos Santos. Num dia
movimentado, ainda podemos sintonizar às 22:00
no Cinemax e assistir ao lançamento de um filme
que passou batido pelo Festival do Rio, criou alguns
admiradores (entre eles esse que escreve estas mal-traçadas)
e foi embora: A Última Vida no Universo
(Ruang rak noi nid mahasan, 2003), do tailandês
Pen-ek Ratanaruang. A história de um livreiro
japonês perseguido e de uma garota tailandesa
tem lá sua poesia barata "jovens perdidos
no mundo" um jarmuschismo algo presente
no cinema oriental, com Shinji Aoyama como principal
representante , mas o filme tem bem mais sensibilidade
que isso, e merece ser visto e experimentado com dedicação.
Se não chega ao nível de um outro diretor
tailandês revelado recentemente, Apichatpong Weerasethakul,
isso não é demérito nenhum: quase
ninguém é...
Dia 18/01
Lembra de quando o Telecine Action tinha uma sessão
semanal dedicada ao cinema de Hong Kong? Pois é,
dava uma dinâmica interessante à programação
muitas vezes sem criatividade do canal. Garras de
Aço (Wong Fei-hung chi tit gai dau neung
gung, 1993), de Jing Wong e Yuen Woo-Ping
este último famoso pelo enervante epíteto
"coreógrafo de Matrix" , passa
às 15:05 e, apesar de ser protagonizado por Jet
Li que interpreta o famoso médico-herói
Wong Fei-Hung, não faz parte da hexalogia produzida-dirigida
por Tsui Hark. Ainda assim, são dois encenadores
para lá de eficientes, e os filmes de ação
de Hong Kong tem essa característica meio perdida
desde o fim dos musicais regulares: mesmo quando o filme
não é exatamente bom, é delicioso
assistir pela trivialidade do espetáculo e pela
leveza do connjunto, além das cintilações
que sempre aparecem uma hora ou outra. Mas, considerando
que estão estreando o filme num horário
nada nobre, parece que o filme foi achado sobrando embaixo
de uma pilha de fitas na sede da Globosat e está
sendo exibido mais como raspa do tacho do que como uma
volta dos filmes de HK à programação
do canal. Tomara que queimemos nossa língua.
À noite, voltamos com a programação
do Canal Brasil dedicada a Sérgio ricardo, desta
vez o curta-metragem O Menino da Calça Branca
(1961), contemporâneo do primeiro momento
do cinema novo não só na época
mas também na estética. Talvez seja o
único filme de Sérgio Ricardo mais recente
nas memórias das pessoas, porque andou circulando
depois de ter sido o curta-metragem que acompanhava
Orfeu, de Carlos Diegues, numa última tentativa
do Grupo Estação de fazer vingar o famoso
"curta antes da sessão". Às
20:25, passa A Noite do Espantalho (1974), seu
último longa-metragem, já parte de um
período de radicalização. Argumento
de Maurice Capovilla, roteiro de Jean-Claude Bernardet,
fotografia de Dib Lutfi (irmão de Sérgio
Ricardo), montagem de Sylvio Renoldi, presença
de Geraldo Azevedo e Alceu Valença no elenco.
Impossível não convencer, não?
Dia 19/01
Finalizando a programação dedicada ao
cinema de Sérgio Ricardo, o Canal Brasil passa
às 20:00 Juliana do Amor Perdido (1970),
o outro dos três longas de Sérgio Ricardo,
roteirizado pelo próprio e por Roberto Santos,
e protagonizado por Maria do Rosário, mulher
de destino breve mas importante no cinema brasileiro
(atriz de Macunaíma, de dois filmes marginais
de Neville d'Almeida e diretora de dois filmes). Assim,
só fica faltando o curta-metragem O Pássaro
da Aldeia para completar a filmografia de filmes
dirigidos por Sérgio Ricardo. Ainda nesta quinta-feira
cheia, o Telecine Premium estréia Colateral
(Collateral, 2004), de Michael Mann, em sua programação,
às 22:00. O fio condutor do filme não
é exatamente a narrativa nem o trabalho dos atores,
mas o que Michael Mann consegue fazer com câmera
digital e externas noturnas, captando uma atmosfera
nada comum da cidade de Los Angeles, filmando preferencialmente
as interfaces transparentes que ostentam ideais de modernidade
e visibilidade plena quando na verdade servem apenas
para criar separação e tornar todos mais
frágeis. Mas sabe-se lá se tudo isso e
o estilo cuidadoso e delicado de Mann vai traduzir bem
para a telinha quadrada da televisão, desrespeitando
os belos enquadramentos em Scope do filme. Mais vale,
na verdade, alugar ou comprar o DVD, que vem entupido
de extras, e, ainda no Canal Brasil, assistir a Faustão
(1970). Nada a ver com Fausto Silva: trata-se do segundo
longa-metragem de Eduardo Coutinho, um filme de ficção
(como seu primeiro, O Homem Que Comprou o Mundo)
e, mais que isso, uma adaptação de Falstaff
vertida para o cangaço. Passa no Brasil Cult
às 22:35.
Dia 20/01
Robert Guédiguian é um desses cineastas
que merecem mais atenção do que aquela
que lhe é dada fora de seu país. A algo
recente retrospectiva que exibiu seus filmes mostrou
um cineasta de sensibilidade única, com um programa
claro cobrir a cidade de Marselha em sua paisagem
humana , uma visão inequivocamente de esquerda
(mas interpelativa mais do que assertiva, ao contrário
de seus confrades ingleses) mas acima de tudo um interesse
profundo em ir além das superfícies das
narrativas que ele apresenta. Cineasta de uma cidade,
ele também tem uma trupe: Arianne Ascaride como
a única mulher do mundo, Jean-Pierre Darroussin
e Gérard Meylan como os únicos homens
(o primeiro muito mais talentoso que o segundo), Guédiguian
fez filmes de grande densidade humana, como A Cidade
Está Tranqüila, Marius e Jeannete
ou À Vida, À Morte. Embora haja
por vezes um esquematismo emprestado da sociologia ou
dos "grandes temas", a sensibilidade de artista
de Guédiguian sabe fazer a arte falar mais alto.
A TV5, que já passou uma extensa retrospectiva
Guédiguian, exibe agora Mon père est
ingenieur (Meu Pai É Engenheiro, 2004),
filme que foi curiosamente ignorado em festivais e que
deve continuar sendo, uma vez que seu último,
O Último Mitterrand, já está em
cartaz em São Paulo e já já vem
para o Rio. O filme passa às 19:15.
Dia 21/01
Há quantos dias de sábado não tínhamos
o desprazer em escolher entre filmes tão pouco
expressivos para o horário nobre das estréias
semanais? Antes da resposta, vamos às estréias
do dia. O Telecine Premium, às 22:00, sai-se
com Elektra (idem, dir. Rob Bowman, 2005), spin-off
de O Demolidor que só rendeu elogios ao
charme e à habilidade de Jennifer Garner, mas
nada além disso (Ok, disseram que é melhor
do que O Demolidor, mas isso não é
exatamente um elogio). Do outro lado, um ligeramente
elogiado remake de O Álamo (The
Alamo, 2004), dirigido por John Lee Hancock, com
Dennis Quaid, Billy Bob Thornton e Jason Patric, que
é o que a HBO propõe para as 21:00 (raro
caso de filme de sábado na HBO que foi direto
para vídeo/dvd sem passar pelas salas de cinema).
Já a HBO Plus aposta em Na Companhia do Medo
(Gothika, 2003), que só prova que
Matthieu Kassovitz só recebeu tamanho reconhecimento
por O Ódio pelo senso de oportunidade
que teve em fazer um filme com temática árabe,
choque de etnias, vide no subúrbio francês,
etc. Porque desde Rios Vermelhos todo seu esforço
consiste em tentar ser um diretor genérico americano.
Mais bem sucedido é Jean-François Richet,
que fez, também sobre choques, árabes,
subúrbios e etnias o belo Ma 6-T va crack-er,
e depois fez o digno, mas nada especial, Assalto à
13ª DP no ano passado. Sábado é o
dia menos interessante dessa semana. Quem diria!
Dia 22/01
Por fim, temos aqui o que constumamos chamar de prato
cheio para o cinéfilo. Trata-se de Num Piscar
de Olhos (Zmruz oczy, 2002), de Andrzej Jakimowski,
que já passou numa mostra de cinema polônes
que circulou no primeiro semestre de 2005 pelo Brasil,
como Feche os Olhos. Sabe-se lá se presta
ou não: ganhou diversos prêmios ao redor
do mundo, sobretudo em seu país natal, onde parece
ter faturado tudo que disputou. Mesmo que não
preste, ainda é interessante ver filmes poloneses
ruins, filmes russos ruins, filmes tailandeses ruins,
filmes chineses ruins. Os americanos não deveriam
ter o privilégio do filme ruim, e quanto mais
filmes de diferentes nacionalidades aparecerem na grade,
melhor para a diversidade de culturas e expressões
cinematográficas que cabem no universo dos filmes
exibidos na tv a cabo no Brasil. Falamos isso porque
é comum alguns canais exibirem filmes de países,
digamos, não convencionais: Cinemax, Cinemax
Prime, Eurochannel... Mas não é comum
que isso aconteça na grade dos cinco canais da
Globosat, dos Telecines (a não ser, claro, que
tenham sido lançados no cinema, ou tenham algum
ator forte, de preferência que já tenha
estado num filme americano)... Então, ainda que
não se saiba se é uma tend6encia ou apenas
uma exceção à regra, celebremos
a exibição de Num Piscar de Olhos no
Telecine Cult às 22:00.
[Curioso que, na mesma semana que mencionamos a RetrôTV
(ou Retro Channel), a DirecTV, sem nada avisar a seus
assinantes, rompeu contrato com o grupo que fornecia
o sinal do canal. Lamentamos profundamente o gesto unilateral
e desrespeitoso da rede, que aparentemente está
prestes a se fundir com a Sky. Curiosamente, antes mesmo
do monopólio constituído, já temos
uma perda significativa da diversidade de oferta dos
canais a cabo. Mas desade a fusão da Ambev
a gente sabe que qualquer lobbyzinho vagabundo é
mais forte do que os aparelhos anti-truste do país.
Para reclamações: http://www.retrotv.com.br/noticias/2006/0112b.html]
Dia 23/01
Nem toda semana é cheia de atrações,
e essa é um exemplo vivo. Extinta da programação
de uma das maiores redes exibidoras de cabo, a DirecTV,
a RetrôTV começa a fazer bastante falta.
Esse mês, estamos perdendo filmes raríssimos
de Harold Lloyd na única sessão semanal
de filmes mudos que havia na televisão brasileira,
além de uma mostra "40 dias de terror",
que anda exibindo autores como Edgar G. Ulmer, Lucio
Fulci, Dario Argento, Mario Bava, entre outros. Aqui,
temos que nos contentar com belíssimos filmes,
sim, mas que são parte da programação
normal do Canal Brasil, passam regularmente no canal
e ainda por cima existem em vídeo. O curioso
é que esses dois filmes, um clássico absoluto
do cinema e outro filme mal ou bem com seu lugar assentado
na história do cinema brasileiro, são
aqui fruto da seleção de algumas celebridades
do cinema, que comentam suas esscolhas. Assim, a atriz
Zezé Motta apresentará às 22:35
o filme Absolutamente Certo (1959), de Anselmo
Duarte. Às 02:15, o diretor Fábio Barreto
apresentará Deus e o Diabo na Terra do Sol
(1964), de Glauber Rocha. No caso do último,
uma escolha que pode parecer curiosa, uma vez que o
cinema dos filhos de Barreto pouco tem a ver com ousaduia
estética, arrojamento e liberdade. No entanto,
a admiração é autêntica:
já em Yndia, Filha do Sol, seu primeiro longa,
Fábio Barreto dedicada seu filme a Glauber Rocha.
Infelizmente, a influência parece ter ficado apenas
na dedicatória, não no impulso artístico.
Dia 24/01
Neste dia 24, o Canal Brasil inicia uma mostra dedicada
ao cinema de Emiliano Ribeiro. Naturalmente, ele não
é da mesma magnitude de Sérgio Ricardo,
apesar de ter uma filmografia que, ao menos no tamanho
da produção, se assemelha. Começa
no tímido horário de 17:30, em que passa
Brasil... Só Rindo (2003), média-metragem
em vídeo feito a partir de uma tese sobre o brasileiro
e o riso. A seguir, às 18:20, passa A Viagem
de Volta (1991), documentário ficcionalizado
sobre tratamento de dependentes químicos, num
longa-metragem curto (80min) feito para a televisão.
Nos dias seguintes, passam os curtas e longas de ficção...
Dia 25/01
Alguma outra atração na TV? Não...
Então, continuemos com a programação
especial do Canal Brasil, com a pequena mostra dedicada
ao trabalho de Emiliano Ribeiro. Às 17:30, passa
o curta-metragem João Cândido (1987),
filme que encena uma entrevista com o chefe da Revolta
da Chibata, em 1910. Às 17:40, passa Diga Aí,
Bahia (1977), outro curta-metragem, desta vez sobre
a cidade de Salvador, através de entrevistas
e imagens da miséria nas ruas. Às 17:53,
passa Trama Familiar (1987), média-metragem
longo e ficcional (67min) sobre as cosneqüências
numa família da tentativa frustrada de suicídio
do filho.
Dia 26/01
Às 22:35, com apresentação de Leona
Cavalli, a sessão Brasil Cult exibe o primeiro
filme da chamada "fase de Paraty" de Nelson
Pereira dos Santos, Fome de Amor (1968), com
Leila Diniz e Arduíno Colassanti. O filme é
uma adaptação muito livre de um livro
de Guilherme Figueiredo, e mostra que Nelson Pereira
dos Santos, como a maior parte de seus colegas do cinema
novo Glauber excetuado, naturalmente não
funciona muito bem com mensagens cifradas, metáforas
transversas e a alegoria. Ainda assim, Fome de Amor
é uma tentativa de abertura para novas formas
de arte como a música concreta, sendo
desempenhada por um dos personagens e uma chance
para Nelson de continuar arejando sua estética,
como já tinha feito em El Justicero e faria nos
filmes seguintes. Mais cedo, às 17:30, o mesmo
Canal Brasil exibe As Meninas (1996), adaptação
de Lygia Fagundes Telles que era um projeto de David
Neves antes de morrer. Emiliano Ribeiro, que seria assistente
do filme, tomou o projeto e realizou um filme correto,
sem o brilho que o filme teria se fosse feito por Neves,
mas ainda assim um filme levado a cabo com carinho,
como uma homenagem a um amigo que foi para longe.
Dia 27/01
No momento em que Se Eu Fosse Você (2005)
é um grande sucesso de bilheteria, o Canal Brasil
exibe o filme Pobre Príncipe Encantado
(1969), primeiro filme que Daniel Filho dirigiu (e roteirizou),
um veículo para o cantor Wanderley Cardoso. Só
que o ex-cantor não é o único notável
do elenco: temos também Maria Lúcia Dahl,
Chacrinha, Rodolfo Arena, Vanusa, Flávio Migliaccio,
entre outros. Curiosa coleção de filmes
que circula pouquíssimo: conhecemos os filmes
de Roberto Carlos, mas os filmes sobre Jorge Ben (assinado
Fernando Coni Campos), Wilson Simonal (assinado Domingos
de Oliveira), Wanderley Cardoso são praticamente
invisíveis... Às 17:30, teremos a última
sessão da retrospectiva dedicada a Emililano
Ribeiro, com Condenado à Liberdade (2001),
longa-metragem de ficção protagonizado
por Othon Bastos e Cássia Kiss. Para fechar a
fatura brasileira do dia, à 00:30 de sexta-feira
para sábado, o Canal Brasil exibe Gosto do
Pecado (1980), filme de Claudio Cunha também
interpretado por Maria Lúcia Dahl, além
de contar com Jardel Filho, Simoen Carvalho, John Herbert,
entre outros. O filme não tem tanta voga quanto
Snuff, Vítimas do Prazer, Sábado
Alucinante nem Oh! Rebuceteio, que fazem
a festa das sessões psicotrônicas, mas
Claudio Cunha é um diretor que às vezes
pode surpreender. Entre os destaques, temos a montagem
de Eder Mazzini, a fotografia de Carlos Reichenbach
e Jairo Ferreira recebendo os créditos pela música
do filme.
Dia 28/01
Sábado, dia das maiores estréias da semana.
E realmente, a briga é de um bom nível.
Quem sai na frente é a HBO Plus, que às
21:00 exibe pela primeira vez Era um Vez no México
(Once Upon a Time in Mexico, 2003), de Robert
Rodriguez (curiosamente, Spy Kids 3D, do mesmo
Rodriguez, passa no mesmo dia no canal HBO Family (mas
não é estréia). Competindo com
a HBO Plus está a HBO, que lança no mesmo
horário Starsky & Hutch Justiça
em Dobro (Starsky & Hutch, 2004), de
Todd Phillips, com dois dos heróis dessa nova
geração de atores americanos: Owen Wilson
e Ben Stiller (além de participações
de Vince Vaughn e da desaparecida Juliette Lewis). Já
no Telecine Premium, aproveitando o lançamento
de Munique nas salas de cinema, o canal lança
O Terminal (2004), de Steven Spielberg, às
22:00. Mas talvez a grande estréia do dia seja
Harmada (2004), quarto longa-metragem de ficção
de Maurice Capovilla, autor lendário de O
Jogo da Vida, Bebel, Garota Propaganda e
O Profeta da Fome. O filme pode não ter
o mesmo vigor desses outros três, mas sua passagem
pelas telas do Brasil foi tão pouco notada que
isso faz da estréia na tv a cabo um destaque
total. 23:00 no Canal Brasil.
Dia 29/01
Por fim, alguns destaques internacionais. Mac (1992),
primeiro longa-metragem dirigido por Juhn Turturro,
estréia no Telecine Classicàs 22:00. Em
seguida, o ator dirigiu Illuminata e o recente
e pouquíssimo conhecido Romance & Cigarettes.
No mesmo horário, a Cinemax estréia Guerreiros
do Céu e da Terra (Tian di ying xiong,
2003), dirigido por He Ping, numa honrosa tentativa
do canal de dar vazão a um pouco da produção
chinesa contemporânea (O Trem de Zhou Yu,
outra super-produção chinesa com Tony
Leung e Gong Li, estréia no canal em fevereiro).
Guerreiros... é estrelado por Jiang Wen,
pouco conhecido no Brasil como ator (apesar de ser seu
métier principal) mas adorado por um grupo restrito
que assistiu a Os Demônios Batem à Porta,
dirigido e protagonizado por ele, num Festival do Rio
e caiu de quatro. Finalmente, um tipo de estréia
que sentimos vontade de assistir num verdadeiro espírito
de descoberta... Até a semana que vem, esperando
atrações melhores e mais surpreendentes...
Ruy
Gardnier
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