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"A vida é um rio" (Manoel de Oliveira)
No meio do caudaloso rio de filmes que desemboca nos redatores
de Contracampo durante a temporada de cobertura dos festivais
brasileiros, este ano veio com a força de uma enxurrada,
mesmo que já estivesse há um ano anunciada.
E como é típico das enchentes de verão,
nem o anúncio prévio nos preparava para o que
de fato viria � como céticos, só acreditaríamos
no momento em que estivéssemos diante do acontecimento. A
metáfora pode parecer exagerada, mas a verdade é
que a retrospectiva dedicada a Manoel de Oliveira organizada
pela Mostra de Cinema de SP, muito próxima de
ser completa, foi um evento que passou pela redação
da revista com força cinematográfica equivalente
aos furacões que varreram o mundo nos últimos
meses. Nem mesmo os mais devotos seguidores da carreira recente
do cineasta português estavam devidamente preparados
para o vôo rasante pela História do Cinema que
esta mostra permitiria, atravessando mais de 70 anos de produção
(e interrupções nesta produção,
igualmente relevantes) de imagens, sons, palavras.
A força do impacto foi sendo sentida pouco a pouco,
filme a filme. Do acúmulo daquelas imagens (a
maioria das quais totalmente inéditas para nós
� especialmente na tela do cinema), foi se espalhando pelos
redatores (que se encontravam quase que religiosamente nas
mais diferentes salas e bairros da Mostra � num esforço
que só mesmo Oliveira arrancaria da maioria) a
nítida sensação de que pouco mais importaria
ver, uma vez que lhes havia sido dada a chance de assistir
àqueles filmes. Por isso mesmo, o fato é
que, uma vez começado este acompanhamento mais
próximo da retrospectiva de Manoel de Oliveira, a Mostra
de São Paulo praticamente parou dentro da revista �
o que pôde ser notado tanto ao longo da própria
cobertura quanto agora nesta edição totalmente
dedicada ao cinema de Oliveira (e que entra um pouco atrasada
justamente porque este cinema pede uma dedicação
e um mergulho que não pode ser menos do que profundo).
Ainda bem que, por coincidência, isso se deu no mesmo
ano em que a Mostra de SP e o Festival do Rio mais se repetiram
no que se referiu aos filmes mais importantes de seus cardápios
(com eventuais omissões aqui � Café Lumière
e Last Days só no Rio � e ali � Marcas da
Violência só em SP, mesmo que como pré-estréia
de luxo), porque, de fato, se no Rio a redação
parou para tirar uma fotografia da produção
mundial contemporânea, a Mostra de São Paulo
foi praticamente toda dedicada ao cinema de Oliveira (com
eventuais escapadelas para a retrospectiva � também
muito bem montada � de Victor Sjöstrom, cuja apreciação
ainda terá de esperar pelo próximo número
da Contracampo). Por isso mesmo, adiamos um pouco a reflexão
primeira que o Festival do Rio nos propiciou (que se refere
aos caminhos do cinema hoje), apenas com pitadas em São
Paulo (ao contrário da escalação das
retrospectivas, uma apatia enorme tomava conta quanto víamos
a pouco inspirada seleção de contemporâneos),
apenas para retomá-la em breve.
E não foram somente ecos de festivais e retrospectivas
que apareceram no nosso caminho enquanto preparávamos
esta edição: houve lançamentos nacionais
que impressionaram ou pela revelação de forças
de cinema mais (Cinema, Aspirinas e Urubus) ou menos
novas (Cidade Baixa) ou pela chegada � em excelente
hora � de um filme cuja estréia no circuito comercial
desde sempre nos causava ansiedade: O Signo do Caos,
de Rogério Sganzerla, estreado dois anos após
sua primeira eclosão no Festival do Rio de 2003. Sem
esquecer, é claro, dos mais recentes filmes de diretores
brasileiros que admiramos profundamente: Bens Confiscados,
de Carlos Reichenbach, e O Fim e o Princípio,
de Eduardo Coutinho. Houve também nossa Retrospectiva
Rogério Sganzerla, no CCBB do Rio de Janeiro, suscitando
uma renovada gama de questões sobre essa obra que parece
não se calar nunca, sempre múltipla e inquieta.
Ou seja: o cinema continuou e continua fervilhando à
nossa volta, o que torna impossível � e aí está
boa parte da graça � dar conta de tudo. Muitas respostas
a essa produção recente do cinema brasileiro,
assim como às maiores evidências deixadas pelo
panorama do cinema mundial nos festivais e às retrospectivas
que não couberam nesta edição, ainda
estão a caminho, e não tardarão nem perderão
a urgência que sentimos em relação a elas.
Preferimos ir por partes, contudo. Questão de prioridade,
questão de impossibilidade: os mais velhos, primeiro.
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