QUANDO SEI NATO NON PUOI PIÚ NASCONDERTI
Marco Tulio Giordana, idem, Itália/Inglaterra/França, 2005

Um dos fenômenos mais marcantes, que se acentua a partir da segunda metade do século passado, e hoje aparece vivo como nunca no mundo (e por isso mesmo também encarnado no cinema mundial), é o ataque de má consciência do Primeiro Mundo (em especial, dos europeus) em relação ao seu passado, e mesmo o seu presente, no que tange o Terceiro Mundo. Esta tendência, se está mais viva do que nunca, como podemos ver no verdadeiro tratado sobre o assunto que é A febre, exibido no Festival do Rio, e se encontra seu exemplar mais “artisticamente relevante” no igualmente deplorável Caché, pode ser vista ainda em muitos outros dos filmes em cartaz nos festivais internacionais do momento. Pois o filme que aqui analisamos se encaixa perfeitamente no "sub-gênero".

O título do filme de Marco Tulio Giordana, aliás, já diz quase tudo sobre as intenções do filme: abrir os olhos da burguesia italiana para o fato de que há miséria no mundo (e pior, na porta de suas casas). O filme começa com cenas banais do cotidiano de uma família pequeno-burguesa típica, numa pequena cidade italiana. Vivem bem, felizes – mas a filmagem curiosamente traz o cheiro de que a tragédia se aproxima daquele lar. Nenhum plano é realizado simplesmente por interesse no que fazem e dizem aquelas pessoas, todos parecem sempre antecipar e reiterar que aquela felicidade precisará pagar um preço. É o bom e velho cinema que usa seus personagens para passar lições de moral.

Lá pela meia hora do filme, a sequência que insere a tragédia até causa algum interesse, porque parece instaurar uma perda de controle, um luto sincero. A sensação dura poucos segundos, pois o salvamento que se aproxima reinsere o cunho sociológico barato: retirado do mar onde se afogava por um barco de refugiados (cujos pilotos podiam facilmente ir dirigir a pickup que persegue bicicletas em Nordeste), o jovem burguês abrirá seus olhos para a verdade do mundo – na forma de dois irmãos romenos pobres (mas muito bonitos). Isso tudo num barco que parece patrocinado pelas United Colors of Benetton.

Quando sei nato... é o exemplar típico do cinema-ONG: apelando para o dualismo da culpa social e da piedade, rebaixa os “menos favorecidos” a objetos de fascínio/compaixão nas mãos dos autênticos protagonistas, os sujeitos de sempre, a burguesia. Na metáfora que monta, tenta nos dizer que todos são crianças, e é sendo fiel a este mote que realiza seu filme: assume o espectador como um menino de 7 anos de idade, desavisado, ingênuo, precisando de esclarecimentos sobre “como são as coisas do mundo”, de alguém que lhe dê a mão e mostre o caminho. Cheio de falsos finais, não consegue resistir à tentação de chafurdar cada vez mais na sua própria piscina de auto-lamentação. O objetivo é o de sempre: que ao final as platéias se sintam mais “humanas” simplesmente por terem expiado, elas também, as suas culpas, se identificando com os personagens em sua via crúcis iluminadora, e apiedadas do sofrimento alheio. Cinema-circo, versão assistencialista.

Para que não se diga que é filme sem função, a verdadeira utilidade de obras como Quando sei nato..., passa bem longe do esclarecimento que supõe, ou de qualquer relevância política ou social: o que ele faz melhor é nos ajudar a entender, mais do que qualquer mensalão, as origens e a profundidade da crise do pensamento de esquerda no mundo.

Eduardo Valente