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Curiosa coincidência essa que faz com que uma edição
dedicada ao cinema coreano apareça junto com nossa
cobertura bimensal dos dois maiores festivais internacionais
de cinema do Brasil. Curiosa porque, juntas, as duas coisas
podem revelar aspectos sobre a acessibilidade crescente aos
filmes fora dos modelos canônicos. Circulação
de DVDs importados, download de filmes pela internet, circuitos
alternativos de exibição hoje já nos
fazem entrar em contato com uma produção que
antes só se podia ver em tempo de festival. Claro,
para vê-los nas melhores condições, em
35mm quando é o caso, é ainda a única
ocasião de entrar em contato com as obras da maneira
que elas foram concebidas e imaginadas, em condições
próximas às ideais, etc. Mas entre ver uma banalidade
qualquer de um país exótico ou escolher entre
as banalidades dos cinemas de sempre o grosso da produção
alemã, espanhola, italana ou independente americana,
escandinava, medíocres no máximo e ver
um filme de um cineasta decisivo em DVD, a escolha é
pela qualidade. E, sabemos, a média de qualidade e
interesse dos filmes exibidos nunca é lá grande
coisa...
Quando se entra em contato pela primeira vez com a programação
completa de um Festival do Rio ou de uma Mostra, a felicidade
ao constatar que se vai poder ver certos filmes que se espera
há muito tempo (O Mundo de Jia Zhangke, Espelho
Mágico de Manoel de Oliveira, Last Days
de Gus Van Sant, entre outros) é é dividida
com uma certa melancolia ao se saber da ausência de
vários outros que não vêm (assim, filmes
recentes de Seijun Suzuki, irmãos Larrieu, Three
Times de Hou Hsiao-Hsien, Mary de Abel Ferrara,
Les Amants reguliers de Phillipe Garrel, ou a inexplicável
ausência de Hong Sang-Soo dos festivais brasileiros,
com um aproveitamento de 0% de seus filmes exibidos no país
em festivais). Nenhum intento aqui de jogar água fria
na motivação particular que se sente num começo
de festival, mas a impressão que se tem muitas vezes
de que se está vendo a fina flor da produção
internacional numa dessas maratonas, se já foi verdade
em certas épocas (2000, 2001), hoje é cada vez
mais falsa.
Decididamente, um dossiê de cinema coreano como o apresentado
aqui nessa edição de Contracampo seria impossível
entrando em contato com os filmes apenas através dos
festivais e dos circuitos de exibição. E se
a diversidade de um cinema como o coreano, indo de obras francamente
comerciais a produções de circuito "arte
e ensaio", justificaria a princípio uma não-cobertura
exaustiva dos festivais, a constatação é
que nem as melhores obras do "arte e ensaio"
que, segundo a lógica, deveriam ser contempladas porque
são as que a princípio interessam a públicos
de festivais são contempladas. Em se tratando
dos cinemas de figuras como Hong Sang-Soo ou Im Kwon-taek,
isso é grave. Mais motivo, então, para louvar
a disseminação pela internet de programas p2p
que ajudam a divulgar cinematografias pouco vistas ao redor
do mundo (não confundir com pirataria), assim como
a facilitação da importação de
filmes em DVDs. Se os festivais não suprem nossas demandas,
é preciso buscar em outro lugar. E é preciso
cada vez mais inventar novos lugares quando os velhos já
não cumprem o papel que costumavam cumprir.
Questões oficiais à parte, resta o melhor: esse
momento mágico de contato com filmes de todos os cantos
do mundo, alguns conhecidos, alguns completamente no escuro,
um companheirismo cinéfilo instalado incrível
o número de novos amigos que se faz trocando dicas
com quem nunca se tinha visto antes e uma abertura
para o desconhecido e para o diferente que não se tem
geralmente. Uma espécie de "zona de livre fruição"
cinematográfica? Não muito longe disso, dependendo,
naturalmente, do uso que se faz da cinefilia. Um espírito
que, findos os festivais, pode ser reencontrado no HD de seu
computador ainda que em modo individual ou nos
cineclubes mais interessantes. Nesses próximos dois
meses, no Rio de Janeiro e em São Paulo, é imersão
total. E, diariamente, o acompanhamento será feito
por aqui mesmo.
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