A Virgem Desnudada por seus Celibatários de Hong Sang-Soo
Uma nova distribuidora: Aurora DVD (foto Ilusão Perdida, de George Seaton), Rambo, de Ted Kotcheff, e os lançamentos do mês em DVD.
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Curiosa coincidência essa que faz com que uma edição dedicada ao cinema coreano apareça junto com nossa cobertura bimensal dos dois maiores festivais internacionais de cinema do Brasil. Curiosa porque, juntas, as duas coisas podem revelar aspectos sobre a acessibilidade crescente aos filmes fora dos modelos canônicos. Circulação de DVDs importados, download de filmes pela internet, circuitos alternativos de exibição hoje já nos fazem entrar em contato com uma produção que antes só se podia ver em tempo de festival. Claro, para vê-los nas melhores condições, em 35mm quando é o caso, é ainda a única ocasião de entrar em contato com as obras da maneira que elas foram concebidas e imaginadas, em condições próximas às ideais, etc. Mas entre ver uma banalidade qualquer de um país exótico ou escolher entre as banalidades dos cinemas de sempre – o grosso da produção alemã, espanhola, italana ou independente americana, escandinava, medíocres no máximo – e ver um filme de um cineasta decisivo em DVD, a escolha é pela qualidade. E, sabemos, a média de qualidade e interesse dos filmes exibidos nunca é lá grande coisa...

Quando se entra em contato pela primeira vez com a programação completa de um Festival do Rio ou de uma Mostra, a felicidade ao constatar que se vai poder ver certos filmes que se espera há muito tempo (O Mundo de Jia Zhangke, Espelho Mágico de Manoel de Oliveira, Last Days de Gus Van Sant, entre outros) é é dividida com uma certa melancolia ao se saber da ausência de vários outros que não vêm (assim, filmes recentes de Seijun Suzuki, irmãos Larrieu, Three Times de Hou Hsiao-Hsien, Mary de Abel Ferrara, Les Amants reguliers de Phillipe Garrel, ou a inexplicável ausência de Hong Sang-Soo dos festivais brasileiros, com um aproveitamento de 0% de seus filmes exibidos no país em festivais). Nenhum intento aqui de jogar água fria na motivação particular que se sente num começo de festival, mas a impressão que se tem muitas vezes de que se está vendo a fina flor da produção internacional numa dessas maratonas, se já foi verdade em certas épocas (2000, 2001), hoje é cada vez mais falsa.

Decididamente, um dossiê de cinema coreano como o apresentado aqui nessa edição de Contracampo seria impossível entrando em contato com os filmes apenas através dos festivais e dos circuitos de exibição. E se a diversidade de um cinema como o coreano, indo de obras francamente comerciais a produções de circuito "arte e ensaio", justificaria a princípio uma não-cobertura exaustiva dos festivais, a constatação é que nem as melhores obras do "arte e ensaio" – que, segundo a lógica, deveriam ser contempladas porque são as que a princípio interessam a públicos de festivais – são contempladas. Em se tratando dos cinemas de figuras como Hong Sang-Soo ou Im Kwon-taek, isso é grave. Mais motivo, então, para louvar a disseminação pela internet de programas p2p que ajudam a divulgar cinematografias pouco vistas ao redor do mundo (não confundir com pirataria), assim como a facilitação da importação de filmes em DVDs. Se os festivais não suprem nossas demandas, é preciso buscar em outro lugar. E é preciso cada vez mais inventar novos lugares quando os velhos já não cumprem o papel que costumavam cumprir.

Questões oficiais à parte, resta o melhor: esse momento mágico de contato com filmes de todos os cantos do mundo, alguns conhecidos, alguns completamente no escuro, um companheirismo cinéfilo instalado – incrível o número de novos amigos que se faz trocando dicas com quem nunca se tinha visto antes – e uma abertura para o desconhecido e para o diferente que não se tem geralmente. Uma espécie de "zona de livre fruição" cinematográfica? Não muito longe disso, dependendo, naturalmente, do uso que se faz da cinefilia. Um espírito que, findos os festivais, pode ser reencontrado no HD de seu computador – ainda que em modo individual – ou nos cineclubes mais interessantes. Nesses próximos dois meses, no Rio de Janeiro e em São Paulo, é imersão total. E, diariamente, o acompanhamento será feito por aqui mesmo.

     
  Ruy Gardnier