Warner Channel: sextas-feiras, às 22h. Reprise
aos sábados, às 20:00 (temporada atual),
e de segunda a seta feira à meia-noite (temporadas
antigas). O SBT exibe o programa às madrugadas,
sem periodicidade certa.
The West Wing é uma série que nasceu
no cinema. Seu criador e principal roteirista Aaron
Sorkin aproveitou uma extensa quantidade de material
que havia pesquisado e escrito, mas não utilizado,
para o roteiro de Meu Querido Presidente, uma
comédia romântica protagonizada por um
chefe de governo americano fictício que Rob Reiner
dirigiu em 1995.(1) Sorkin, inteligentemente,
percebeu o incontestável apelo de um programa
semanal sobre o que se passaria por trás dos
gabinetes e escritórios da Casa Branca, convocando,
inclusive, um dos atores do filme – Martin Sheen – para
interpretar o presidente. Burilou e vendeu sua idéia,
até que The West Wing estreou, em 22 de
setembro de 1999, com um piloto extremamente bem amarrado
e dirigido com inegável competência por
Thomas Schlamme. O impacto foi imediato.
Apesar do realismo com o qual roteiro e direção
conduzem os episódios de The West Wing,
o presidente Jed Bartlet é o modelo de governante
ideal com o qual todos sonhamos, num registro similar
ao David Palmer de 24 Horas. A começar
por sua trajetória prévia: doutor em Economia
com carreira acadêmica em Harvard, vencedor de
um Prêmio Nobel em sua área. Marido e pai
de família exemplar. Dois mandatos elogiados
como governador de seu estado natal, New Hampshire.
Eleito em campanha árdua, na qual não
contava com favoritismo. Sujeito bem-intencionado, honesto
e ponderado. Mesmo quando toma atitudes ou decisões
menos éticas, a série acaba por torná-las
plenamente justificáveis, como, por exemplo,
ao se eleger sem divulgar publicamente o fato de ser
portador de esclerose múltipla (uma doença
degenerativa bastante grave). Ou ao tomar, pressionado
e contra a sua própria vontade, a mais polêmica
de suas decisões ao longo das seis temporadas
que vieram até agora: ordenar a execução
secreta – foi montado um teatro para que tudo parecesse
um acidente aéreo – do primeiro ministro da nação
islâmica fictícia de Qumar, fomentadora
de terrorismo internacional. Como não poderia
deixar de ser, um político com tal perfil somente
poderia pertencer ao Partido Democrata.
Mas o foco de The West Wing não é
predominantemente o trabalho do presidente. A série
reforça o quanto o exercício do poder
executivo é produto de um eficiente trabalho
em equipe. Todos, igualmente a seu líder, tão
corretos e éticos o quanto suas funções
os permitem. O segundo homem no governo, o chefe de
estado maior Leo McGarry (John Spencer), atua como uma
espécie de consciência de Bartlet, amigo
fiel, mas com o qual encontra-se em recorrentes atritos.
O assistente de estado maior é Josh Lyman (Bradley
Whitford, no mais carismático dos personagens),
de temperamento intempestivo e por vezes atrapalhado,
mas importante estrategista político. O rabugento
Toby Ziegler (Richard Schiff) é o chefe de comunicações,
enquanto C.J. Cregg (Allison Janney), mulher de caráter
forte e inflexível, executa com mão de
ferro suas funções de porta-voz. Temos
também Donna Moss (Janel Moloney), assessora
direta de Josh, com quem partilha uma atraçao
platônica não concretizada, e Charlie Young
(Dule Hill), um jovem negro, assistente pessoal do presidente
e principal vertente "políticamente correta"
da equipe, que chegou, por algum tempo, a namorar a
filha de Bartlet. A princípio presente em poucos
episódios, a primeira-dama Abby Bartlet (Stockard
Channing) é outra personagem de perfil interessante,
distante da passividade de muitas primeiras-damas da
vida real. Voluntariosa e independente, Abby permanecia
boa parte do tempo afastada da Casa Branca, mantendo
o exercício de sua profissão, a medicina,
até ser impedida de fazê-lo por disposições
legais decorrentes do fato de ter ajudado o seu marido
a ocutar sua doença.
Essa eficácia do trabalho em conjunto, seja na
interação das personagens, bem distribuídas
pelo roteiro, seja nas atuações do elenco
em si, é um dos principais responsáveis
pelo êxito da série, na qual, em muitos
episódios, a figura do presidente pouco aparece.
Com isso, não sobram espaço para estrelismos,
o que causou o descontentamento de atores que se afastaram
do programa. A princípio o programa foi planejado
para que Sam Seaborn (Rob Lowe), o redator dos textos
e discursos da presidência, tivesse um maior destaque
frente a seus colegas. Ainda na 1ª temporada,
a homogeneidade da equipe se impôs e Sam ficou
caracterizado como mais um no grupo. A personagem saiu
durante a 4ª temporada, com o pretexto interssante
de Sam eleger-se deputado federal, abrindo espaço
para a entrada de Will Bailey (Joshua Malina). Mais
grave foi o caso de Mandy Hampton (Moira Kelly), idealizada
como protagonista feminina. A personagem simplesmente
não decolou, sendo ofuscada por C.J. e eliminada
ao fim da 1ª temporada. Os méritos
do elenco ficam tambem patentes pela quantidade de prêmios
recebidos: Schiff, Spencer, Whitford e Channing já
receberam um merecido Emmy cada por The West Wing;
Janney levou nada menos que quatro. As quatro primeiras
temporadas foram agraciadas com o mesmo prêmio
para melhor série dramática.
***
Ainda mais premente que discutir elenco e personagens,
se faz o ato de pensar The West Wing por seu
papel no momento político de seu país,
e também a forma através da qual essa
política, tanto no âmbito interno quanto
no externo, se reflete no programa. Criado e lançado
ainda durante o governo de Bill Clinton, The West
Wing, como não podia deixar de se esperar
num programa idealizado por personalidades liberais
do show business, retrata uma administração
Democrata. Os Republicanos são, como não
poderia deixar de ser, apresentados como adversários
ou mesmo "vilões" da história.
Mesmo que, por vezes, alguns políticos Republicanos
sejam vistos com alguma simpatia – vide o senador interpretado
por John Goodman que substituiu Bartlet em suas funções
durante a crise decorrente do sequestro de sua filha,
no início da 5ª temporada – na maior
parte do tempo, vêm desses Republicanos os principais
entraves para a concretização dos projetos
de governo de Bartlet e sua equipe.
Curiosamente, em 2000, ao início da 2ª
temporada, George W. Bush é eleito presidente
dos EUA e o fato de The West Wing ter conseguido
manter-se com êxito retratando um governo Democrata
coloca o programa num patamar – limitado, com certeza
– de resistência. Mesmo atento às questões
e fatos que a realidade impunha no decorrer da série,
o programa mantem seu projeto de um país idealizado.
Por exemplo, os EUA de The West Wing, mesmo que
sujeitos à recorrente ameaça terrorista,
não passaram por um 11 de setembro. Sim, a ocorrência
do fato, pouco antes do início da 3ª
temporada, não foi ignorada pelos seus criadores
e foi ao ár, abrindo esta temporada, antes do
episódio concebido para tal, um especial produzido
a toque de caixa – fora da cronologia da série,
diga-se de passagem – no qual as personagens conversavam
com um grupo de colegiais em visita à Casa Branca
sobre um possível "perigo islâmico".
Só que o discurso adotado pelo grupo se estabelecia
de forma razoalvelmente ponderada, tentando manter alguma
distância quanto à xenofobia passional
na qual o país achava-se impregnado. Mesmo atento
a essa ameaça, em especial durante a 3ª
e 4ª temporadas, os roteiros do programa
têm o cuidado de, na maioria dos casos, não
generalizar quanto às orígens de um terrorismo
islâmico, centrando seu foco de ataque à
fictícia Qumar e a grupos isolados.
Essa ponderação parece ser a principal
característica da política externa de
Jed Batlet. É certo que o programa não
consegue superar completamente a mentalidade do inconsciente
coletivo americano que vê seu país dentro
do tradicional e etnocêntrico conceito de "líder
do mundo livre". Mas apresenta a orientação
de Jed Bartlet como um governante o menos intervencionista
quanto possível. Basta citar um exemplo ocorrido
no último episódio que foi exibido pela
Warner antes da redação desse texto: às
vésperas de uma eleição na Bolívia,
as pesquisas apontam a ascenção de um
candidato demagogo de extrema esquerda, contrário
à política de controle pelos EUA da produção
da droga; o embaixador americano faz um pronunciamento
equivocado quanto ao risco de sua vitória, o
que faz com que o candidato se aproveite para denunciar
quanto a uma possível interveção
externa no pleito e tome como refens um grupo de "civis"
americanos, em atividade de caráter duvidoso
no interior do país. A conduta de Bartlet é
condenar veementemente o discurso do embaixador, aguardar
à distância o curso do processo eleitoral
e não agir quanto a um resgate de seus compatriotas,
mesmo sob intensa cobrança, até que se
defina o que tais refens estavam realmente fazendo.
A política externa de Jed Bartlet é também
marcada por sua atuação como pacifista.
Entre os inúmeros acordos ou tentativas de conciliação
a contendas internacionais conduzudas por Bartlet, temos,
no início da 6ª temporada, a condução
de importantes passos para a concretização
da paz entre Israel e Palestina. Bartlet convoca uma
conferência de paz mesmo em oposição
ao apelo de forças conservadoras – e tambem de
Leo McGarry – para uma retaliação contra
um ataque terrorista durante a visita de uma missão
governamental à Palestina, que resultou na morte
de um deputado federal e do general Fitzwallace (John
Amos), um dos principais assessores militares do presidente,
e que deixou Donna gravemente ferida. É bom destacar
que a não-agressividade de Bartlet não
deve, a princípio, ser creditada exclusivamente
a um bom-mocismo ou idealismo da equipe criadora de
The West Wing. Esta certamente tem em mente que
trata um programa de TV, produto a ser consumido não
somente nos EUA, como também em mercados externos.
Os roteiros se aproveitam também de fatos do
noticiário local americano. O processo eleitoral
ados EUA foi retratado com muitas de suas idiossincrasias
durante a campanha e o pleito que resultaram no 2º
mandato de Bartlet e na quase insana sucessão
de fatos que levaram Sam ao cargo de deputado pela California
(3ª e 4ª temporadas). O fascínio
que as celebridades causam em psicopatas foi muito bem
explorado nos episódios em que C.J. foi acossada
por um assassino. Mesmo os escândalos sexuais
envolvendo membros do governo não foram ignorados
quando o vice-presidente John Hoynes (Tim Matheson)
foi obrigado a renunciar após revelar segredos
administrativos a uma amante. Não faltaram, inclusive,
referências a uma ameaça terrorista interna,
vinda de grupos de extrema-direita, responsáveis
pelo atentado que funcionou como gancho de encerramento
da 1ª temporada. Mas tudo acaba, no fim das
contas, da melhor maneira possível, o que faz
com que a Casa Branca de The West Wing possa
vir a ser considerada como uma "Ilha da Fantasia"
da política americana. Mas apesar, ou talvez
mesmo devido a isso, um programa quase sempre interessante,
calcado nos pilares compostos por personagens carismáricos,
roteiros inteligentes e direção mais que
eficiente.
***
Com a chegada da 6ª temporada, atualmente
em exibição, The West Wing tem
passado por uma constante renovação, possivelmente
devido aos sintomas de cansaço de sua fórmula,
manifestos durante a temporada anterior. O programa
certamente ressentiu-se da debandada de dois membros
do trio que exercia o controle criativo do programa:
Sorkin e Schlamme.
John Wells, o único remanescente, teve a experteza
de criar reviravoltas que impuseram novas emoções,
tornando o programa mais ágil. A começar
pela séria briga entre Bartlet e Leo, durante
a conferência de paz, levando o último
a um ataque cardíaco. Com isso, Leo é
forçado a sair do cargo de chefe de estado maior,
surgindo a surpreendente indicação de
C.J. como sua substituta no cargo - passando à
frente de Josh e Toby, anteriormente seus superiores
na hierarquia interna do grupo. Soma-se a isso, o fato
do presidente ter passado a manifestar mais seriamente
os sintomas irreversíveis da esclerose múltipla
que o deixaram completamente paralisado durante uma
importante viagem política à China.
A mais importante sacada dessa última temporada,
no entanto, veio de uma aceleraçào na
cronologia da série – onde cada temporada correspondia
a um ano de governo – e a chegada dos 12 meses finais
do 2º mandato do presidente. A sucessão
torna-se iminente e os dois principais postulantes Democratas
seriam aqueles que exerceram a vice-presidência
na administração Bartlet: o afastado Hoynes,
que ensaia sua reabilitação através
de um livro, e o atual, Bob Russell (Gary Cole), um
notável oportunista. Assediado por ambos, devido
a seus incontestáveis méritos de estrategista,
Josh, insatisfeito, levanta a candidatura de um terceiro
nome - um ilibado, mas pouco expressivo senador do Texas,
de ascendência mexicana – Matt Santos (Jimmy Smits).
Com isso, a equipe de Bartlet começa a se dissolver
e Josh e Donna partem para lados opostos: ele sai de
seu cargo para coordenar a campanha de Santos, enquanto
Donna junta-se a Will no apoio a Russell. O programa
passa, agora, a se desenvolver em duas frentes: a luta
de Bartlet e equipe para concretizar o máximo
possível de seu plano de governo em um ano final
de mandato e a campanha da sucessão, na qual
o vencedor entre os Democratas – e alguem duvida que
será esse? – terá de enfrentar o canndidato
republicano, uma raposa velha da política, vivido
por Alan Alda. Novos horizontes para o prosseguimento
dessa série que, desde sua estréia, manteve-se,
apesar de alguns altos e baixos, como uma das melhores
dentro do rico panorama que a TV americana nos tem oferecido
ao longo dos últimos anos.
Gilberto Silva Jr.
1. Na verdade, The West Wing não
foi a única série de TV inspirada por
Meu Querido Presidente. O malandro assessor interpretado
por Michael J. Fox serviu de modelo para a criação
do protagonista da sitcom Spin City, que Fox
estrelaria a partir de 1996.
|