THE O.C. – UM ESTRANHO NO PARAÍSO
The O.C., Josh Schwartz, EUA, 2003
(atualmente na segunda temporada)

Warner Channel: quartas, às 20h (2ª temporada), com reprises às 13h e à 01h de quinta-feira e 20h de domingo.
SBT: domingos, variável às 10h, 11h, 12h (1ª temporada)


Tanto admiradores quanto detratores concordam com dois principais aspectos de The O.C.: é uma mistura equilibrada de Melrose Place com Dawson's Creek, e é também a série mais mal atuada de todos os tempos.
Série ao mesmo tempo cult entre os alternativos – graças, entre outras coisas, aos grupos indie que aparecem na trilha sonora ou fazem participações, como The Walkmen e Modest Mouse – e sucesso para o público geral que assiste ao Warner Channel, The O.C. se sustenta numa esquizofrênica balança entre o exploit mais descarado (tendência objetiva) e a elucidação íntima dos personagens (tendência subjetiva). Não custa dizer, a balança pende para o lado objetivo: existe um miserabilismo descompromissado, detached, que faz com que os personagens tenham que passar pelas maiores agruras apenas para o olhar ávido do espectador que os devora.

Tudo começa com a chegada de Ryan Atwood no seio de The O.C. ou Orange Country, um bolsão multimilionário da Califórnia rodeado de realidade por todos os lados. A premissa da série é mostrar o lado B do paraíso: os milionários são falidos, as famílias perfeitas são desestruturadas, a menina mais bonita não é a mais feliz nem a mais realizada sentimentalmente, etc. Ryan vem de Chino, uma cidade pobre não muito longe do "condado laranja", e que por diversos motivos e peripécias do destino acaba ganhando abrigo na casa dos Cohen graças aos esforços do filho Seth que, da mesma idade, vê em Ryan seu possível primeiro amigo. Adicione uma menina linda, Marissa, e seus pais presepeiros à beira do divórcio, uma menina para servir de par para Seth – Summer – e uns personagens secundários – Theresa, Caleb, Luke –, a receita está pronta. E como numa receita tudo se mistura, todo mundo tem relações com todo mundo. E nem sempre as mais louváveis.

Criada por Josh Schwartz, que atingiu o estrelato das séries antes de completar 30 anos, The O.C. não apresenta nada de muito original em sua proposta ou em sua realização. Uma única idéia, talvez: fazer um folhetim trash dando aos ricaços de Newport o tratamento que se daria ao mais trash dos condados white trash americanos. Mas Schwartz não é Verhoeven nem Aldrich: ele ainda precisa dos belos céus de entardecer, das mansões, do alto poder aquisitivo, das diversas festas que parecem acontecer diariamente, dos carrões e de todo estilo de vida que isso implica. O pressuposto de luta de classes também não se resolve: Ryan não é o pobre que ao entrar no mundo dos ricos começa a vê-lo colocar-se nu, mas alguém que tenta se adequar, reconhecendo mais suas próprias patologias do que vendo as dos outros. O próprio Ryan, talvez por ser interpretado por um Ben McKenzie completamente anódino, deixa progressivamente de ser o personagem principal e vira apenas mais um entre o time de protagonistas.

A regra na série é menos a questão social do que a confortável contemplação da classe alta vivendo a laia de escândalo após escândalo: Jimmy é um especulador financeiro falido, sua esposa Julie é uma completa alpinista social, o pai de Luke esconde há décadas seu homossexualismo para manter a fantasia de uma família perfeita, Marissa vira uma alcoólatra, Seth abandona a casa da família, Julie tem um caso com o ex-namorado da filha, mas vai se casar com o avó de Seth, Caleb, avô este que é apresentado à série com a namoradinha Gabrielle, que episódios depois vai entrar em relações carnais com Ryan. E assim por diante. Caindo pra Melrose. Mas, em compensação, há os diálogos entre as crianças, Marissa dizendo a Ryan como tudo é complicado, Seth descobrindo com Ryan que o mundo é mais do que videogames, Ryan em seus dilemas de se adequar à nova realidade do condado rico, saber se tem ou nãoo filho com Theresa. Ou os adultos: Sandy que não sabe se o trabalho está tomando sua alma, Kirsten que vive às voltas com o fantasma paterno na sua vida, Jimmy que tenta se reestruturar financeira e emocionalmente depois do débâcle familiar e profissional. Caindo pra Dawson's Creek. No final, apenas a impressão de que alguma coisa cheira mal no reino dos ricos e famosos do Orange County, mas acompanhar a evolução de todas aquelas vidas e escândalo não vale tanto a pena assim.

Ruy Gardnier