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Considerando-se apenas os baixos índices de audiência,
a primeira temporada de Arrested Development
foi um fracasso. O público americano não
acolheu a série com o interesse que ela merecia.
No entanto, uma enxurrada de prêmios conquistados
ao longo de 2004 (em especial o Emmy para melhor série
cômica) parece ter garantido uma sobrevida – e,
mais do que isso, garantido sua estética pouco
ortodoxa. Sim, porque o grande temor para quem acompanhou
com gosto a primeira temporada seria mesmo que Arrested
Development, no caso de uma segunda temporada, sofresse
alterações em sua estrutura. Um temor,
felizmente, não confirmado, já que o começo
da segunda temporada, em janeiro deste ano, mostra que
a fórmula da série continua intacta, tanto
em sua estrutura narrativa, quanto em seu temperamento.
Poderiam existir muitas explicações para
o fracasso comercial de Arrested Development.
Difícil acreditar, entretanto, que elas estejam
em seu argumento. A série tem um tema simples,
já arqui-batido: uma família rica prestes
a perder tudo que conquistara ao longo dos anos. São
os novos ricos adaptando-se à vida de novos pobres.
E o problema se agrava ao levarmos em conta que a família
Bluth é um ninho de cobras, onde não existe
nenhum sentimento fraterno entre seus componentes. É
a própria desunião, o egoísmo perfeito.
Fazem parte deste ninho: George Bluth Sr, o patriarca,
preso por fraude e desvio de dinheiro da empresa da
família; Lucille Bluth, a matriarca, uma perua
manipuladora que está sempre armando contra seus
filhos – especialmente contra Buster, o filho caçula,
cujos problemas emocionais o tornam escravo da mãe,
que o domina; George Oscar Bluth II (ou Gob), o filho
irresponsável, ex-mágico - foi expulso
da Aliança dos Mágicos por revelar segredos
dos truques de magia - e paranóico, que sempre
acredita estar sendo perseguido pelo irmão Michael,
este o único mais ou menos sensato do grupo,
responsável pela presidência da empresa
depois da prisão do pai; Linday, a filha patricinha
e gastadora, que casou com Tobias Funke - um psiquiatra
esquisito que trocou a medicina pela carreira fracassada
de ator) apenas para implicar com seus pais; Maeby,
filha de Lindsay e Tobias, que vive esquecida por seus
pais ausentes; e finalmente George-Michael, filho de
Michael, que quer moldá-lo a sua imagem, longe
das distorções dos Bluth, mas não
consegue. George-Michael acaba passando muito mais tempo
próximo dos outros membros da família,
sofrendo influência dos esquisitões, desenvolvendo,
ainda por cima, uma obsessão por sua prima Maeby,
sua paixão não correspondida até
o início da segunda temporada, quando arruma
uma namoradinha igualmente esquisita.
Com a prisão de George Sr., cabe a Michael tentar
unir a família e corrigir seus vícios
e distorções. Mas os seus esforços
são em vão. Cada episódio é
uma comédia de erros, onde as boas intenções
de Michael sempre fracassam diante das perversidades
egoístas dos seus familiares.
É possível que não seja esta trama
em si que desagrade o público, mas a ousadia
dos autores em levá-la até às últimas
conseqüências. Todo mundo sabe como o público
de televisão tende a ser conservador em relação
a assuntos familiares. Afinal, tendo em vista uma perspectica
histórica, seriados, novelas e sitcoms
podem ser violentos, eróticos e imorais, mas
uma longeva tradição sugere que tais venham
a confirmar os bons sentimentos familiares, com reconciliações
e lições de vida, ao menos em seu desfecho.
E Arrested Development não respeita esta
questão. Pelo contrário: a série
a ironiza, ao ponto de enganar o público com
um terrível jogo de máscaras. Aqui, tudo
é interesse e manipulação. Mais
ou menos como um Big Brother familiar, em que os personagens
arriscam aproximações e reconciliações,
apenas para conseguir o que querem. Um exemplo clássico
vem de um episódio da primeira temporada, em
que Maeby, irritada com a ausência de seus pais,
aproxima-se da avó, ela também irritada
com seus filhos. As duas conversam rapidamente e surge
uma improvável cumplicidade. A avó conclui
então que a neta é uma ótima pessoa
e diz: "Sabe, acho que devíamos passar mais tempo
juntas..." As duas trocam um olhar carinhoso e o espectador
acredita que os bons sentimentos irão finalmente
florescer nesta série. Mas logo a filha revela:
"Isso os deixará furiosos..." - referindo-se,
claro, aos seus pais. "Exatamente", concorda então
a avó. Quer dizer, a única cumplicidade
é a da maquinação, a necessidade
de provocar e manipular os membros da própria
família.
O que este exemplo comprova é a total desesperança
de Arrested Development, sua franca incapacidade
de acreditar no homem. Nada de bons sentimentos; quando
há alguma licença emotiva é sempre
para enganar o espectador, provocar o anti-climax. E
este niilismo também se aplica à mise-en-scène
minimalista, de uma objetividade rigorosa e eficiente.
Os diretores resolveram apostar num tipo de realismo
ainda inédito em séries cômicas
(o recurso é visto habitualmente em séries
policiais), usando, inclusive, a tal "câmera nervosa"
e trêmula. Junta-se a isto uma montagem extremamente
rápida e fragmentada, voluntariamente confusa,
que só consegue ligar a trama graças a
uma locução irônica de Ron Howard,
e temos uma estética incomum, perfeita para o
tom farsesco proposto pela série. Ou seja, é
preciso estar muito atento para entender o que acontece
em cada episódio – e, convenhamos, pedir tal
concentração para o público televisivo
seria talvez pedir demais.
Não há dúvida que Arrested Development
é uma série ousada e experimental. Sua
linguagem reflete mesmo uma nova tendência da
dramaturgia televisiva americana, que parece desiludida
com a sociedade de seu país. Esteticamente, ela
surge de um esgotamento, um cansaço de uma estrutura
já muito vista e repetida, que agora começa
a se desmistificar. Como se fosse preciso partir do
zero, reinventar tudo de novo, à procura de novos
caminhos.
Bolivar Torres
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