Clint
Eastwood é um edifício da arte. Martin
Scorsese, outro. São distintos, claro, mas estão
conectados e não apenas porque são cineastas
contemporâneos, que estrearam em longa-metragem
entre a segunda metade dos anos 60 (Quem Está
Batendo em Minha Porta?, 1967, de Scorsese) e o
início dos 70 (Perversa Paixão,
1971, de Eastwood). As conexões se dão
em torno dos caminhos de personagens que, com objetivos
traçados ou de ocasião, agindo de acordo
com a razão ou reagindo ao acaso, suam e sangram
atrás de algo ou fugindo de alguém apenas
porque acreditam ser necessário, por não
encontrarem outra opção para eles, por
precisarem agir por alguma mudança neles e no
mundo, mas sem terem ao final a garantia de boa colheita
para a plantação. Ganhando ou perdendo
a luta, eles não festejam com champagne. Terminam
sempre com gosto de cabo de guarda-roupa na boca quando
há ainda capacidade de se sentir o gosto de alguma
coisa.
Eastwood e Scorsese: contemporâneos sim, mas em
vias paralelas. Os começos e formações
de cada um, antes de qualquer conexão, já
coloca distinções entre eles. Scorsese
é o patrono americano dos autores nascidos na
cinefilia e profissionalizados não sem antes
passar pela teoria na universidade. Eastwood é
a atualização da tradição
de autores cujo aprendizado se deu sobretudo nos sets.
Um ensaiou os primeiros passos com os holofotes acesos
na direção do segmento moderno do cinema
cheio de dissonâncias e "fintas" de
câmera-montagem, com consciência no processo
criativo das experiências depois institucionalizadas
de americanos, japoneses e europeus nos anos 50-60.
O outro seguiu na formação e na prática
o evangelho dos narradores clássicos (Ford, Hawks,
Hitchcock), mas não sem colocar seu próprio
tempero no método de decupagem, encenação
e organização pós-filmagem.
Poderíamos elaborar uma longa lista de diferenças
entre o cinema de um e de outro, a começar por
como O Aviador distingue-se de Menina de Ouro
o primeiro regido como uma sinfonia operística,
o segundo tocado como um blues versão pocket-show.
Também poderíamos diferenciar as opções
de cada um quando constroem as estratégias dramáticas
e narrativas aplicadas para dar significação
às ações de seus personagens centrais.
Mas interessa nessa aproximações entre
os dois edifícios menos detectar diferenças
entre cada um e mais vislumbrar as possíveis
esquinas entre a singularidade da obra de um e outro.
Os personagens de Scorsese, em linhas gerais, estão
em transe. Mesmo quando cumprem seus projetos, terminam
no máximo com um empate traumático.
Taxi Driver (1976): Travis Bickle faz sua faxina
social, mas é hospitalizado e, embora se torne
parte da mitologia midiática do baixo proletariado
urbano, termina sozinho no táxi, talvez com intuição
ou consciência de que, independentemente de sua
reação ao espaço onde transita,
o mundo e ele mesmo não mudaram muito ao final.
O Rei da Comédia (1983): Rupert Pupkin
consegue êxito em seu plano de substituir em um
programa de tevê seu ídolo Jerry Lewis,
mas vai preso e, embora se torne parte da mitologia
midiática do baixo americano por conta de sua
determinação e transgressão, termina
com expressão bizarra, assustada, depois de sair
da prisão e, celebridade popular, virar atração
de circo na tevê.
Cabo do Medo (1991): A narradora adolescente
e quase protagonista Danielle Bowden anuncia com voz
pastosa a nós espectadores, nos momentos finais,
que a sobrevivência da família à
punição imposta ao pai pelo detento e
psicopata filosófico-religioso Max Cady também
significou a morte de alguma coisa entre pai, esposa
e filha.
O Aviador (2004): Howard Hughes constrói
seus aviões e produz seus filmes, mas, pelo caminho,
não controla suas mulheres, não têm
o poder político e econômico em suas mãos
e termina falando sozinho repetições de
frases.
As ações dos protagonistas scorseseanos
não, necessariamente, deságuam em transformações
do mundo, embora promovam mudanças. Os personagens,
quando ganham, não levam. Isso quando não
querem apenas cessar a ação para respirar
um pouco, cansados de carregar na mente as turbulências
psicológicas dos seres gestados por seu autor
(como Paul Hackett em Depois de Horas, 1985,
ou Frank Pierce em Vivendo no Limite, 1999).
São seres enredados em uma série de situações
que os levam a agir sob tensão quase permanentemente.
Vivem no estresse, com intensidade.
Em O Aviador, temos o protagonista em transe
que, ao final, cumpre seus projetos (fazer filmes abusados
e o aviões grandiloqüentes). Tal êxito
coincide com seu desabamento psíquico, como se,
para concretizar sua missão pessoal de inventar
o mundo o tempo inteiro com seus sonhos industriais,
tivesse de pagar um preço a desconexão
com esse mundo. Outro que ganha, outro que não
leva. O triunfo, mais que o de Amsterdan em Gangues
de Nova York, é amargo. E as conseqüências
sociais das ações de Hughes e Amsterdã
só importam na medida em que primeiro são
ações motivadas por interesses estritamente
pessoais Hughes quer construir brinquedinhos (não
colaborar com os EUA) e Amsterdan quer vingar a morte
do pai (não ser líder dos irlandeses).
Os personagens de Eastwood, em linhas gerais, estão
cansados. Mesmo quando vencem o jogo no qual entram,
motivados freqüentemente pelo acerto de contas
com quem provocou alguma ferida ainda não cicatrizada,
terminam a jornada alquebrados, solitários, sem
desfrutar o mundo que tentaram consertar ou quase recriar,
cheios de câimbras na "alma". Podemos ver a volta
para casa depois da missão cumprida, mas a casa
não existe mais necessariamente, não em
suas bases anteriores, seja em O Estranho Sem Nome
(1973) Josey Wales (1976) ou Os Imperdoáveis
(1983). Eastwood carrega a herança de Homero,
com batalhas de resultados variados.
Temos uma variação desse movimento em
As Pontes de Madison. O filme carrega consigo
o peso dolorido do recuo quando um abismo surge para
ser atravessado. A derrota do projeto ruptura familiar
+ nova configuração afetiva só
surtirá efeito positivo na geração
seguinte a do quase casal Robert Kincaid e Francesa
Johnson. Só o futuro colherá algo da experiência
do passado.
Em Sobre Meninos e Lobos e Menina de Ouro,
contudo, o mundo parece não ter mais conserto
e, se também os equívocos e acidentes
podem render frutos no futuro, não existe garantias
disso nem garantias de uma positividade desses efeitos.
Em Sobre Meninos e Lobos, deixa-se como herança,
após a violência e a impunidade, a semente
de uma vingança. Em Menina de Ouro, Frankie
Dunn sai de cena, uma carta pode chegar à sua
filha para a imagem do pai ser redimida, mas não
sabemos se a carta chegará , se algo terá
efeito futuro.
Os personagens agem, mas estão impotentes. E
não só por conta de cordinhas que os amarram
ao passado traumático, mas também e especialmente
porque o sucesso de uma ação depende também
de reações x ou y de outros envolvidos.
Não havendo como combinar com eles, o imprevisto
está sempre à espreita para dar uma rasteira.
Frankie Dunn é o topo dessa construção.
Ele nem mais quer agir, ou melhor, sua ação
visa apenas a proteção (como aliás
sempre em Eastwood), e por isso adia a hora dos confrontos
chaves de seus lutadores e resiste ao máximo
antes de aceitar a tarefa de treinar Maggie Fitzgerald.
Quando age, chega o nocaute. A defesa-proteção
falha por não levar em conta a ausência
de limites do potencial humano para o "mal".
Faltou combinar com os adversários. Nem sempre
dá para prever quais serão seus próximos
golpes.
Essa relação de defesa contra o mundo
faz a ponte entre Menina de Ouro e O Aviador.
Hughes é também um sujeito que ataca como
estratégia de defesa, que, podendo viver seus
sonhos na realidade, precisa transformar o real em parte
do sonho, não o sonho em apenas um dado da realidade.
Hughes não é um empreendedor capitalista
apenas. É um artista. Parece estar sempre criando
seu próprio planeta como resposta a uma insatisfação
com aquele outro planeta fora do seu. Mas não
estará a salvo, como profetiza sua mãe.
Tudo é frágil e perecível, mesmo
a mente de um magnata artístico.
Hughes também tem pontos de contato, e outros
tantos de distância, com a pugilista Maggie Smith.
Ambos são figuras com uma missão pessoal,
figuras obsessivas, com fixação por suas
metas. Mas são quase opostas se vistas por suas
condições sociais. Howard Hughes está
na cobertura da pirâmide. Maggie Fitzgerald, lá
perto do rodapé. Um quer fazer filmes e aviões
que desafiam a tecnologia e o bom senso. Ela deseja
ficar de pé no ringue depois de passar seus maus
vividos 31 anos em circunstâncias dignas de levá-la
a querer nocautear o mundo no qual esteve de mãos
atadas para virar a mesa.
Um e outro são vistos como figuras "puras", quase
ingênuas na luta por seus sonhos - ele no limite
entre o patético e a genialidade tirânica,
ela na fronteira entre a imbecilidade e a determinação
sobrenatural. Nos dois percursos, mais que o resultado,
questionável se o critério de avaliação
for do triunfalismo e da rentabilidade do sujeito (títulos,
lucro, glória), importa o processo. Hughes e
Maggie têm gana de construir o percurso, em viabilizar
o inviável, em reconfigurar o impossível.
Portanto, se as ações terminam com gosto
amargo, sem triunfos comemorados com fogos de artifício,
não significa que, antes do desfecho, os personagens
não tenham se arriscado, não tenham perseguido
um horizonte, não tenham se sacrificado e não
tenham cumprido seu dever: agir em nome de suas convicções
de que devem agir daquela maneira.
Em O Aviador, vemos um personagem que, predestinado
conforme profecia da mãe a sofrer uma queda proporcional
à altura de seus vôos para expor a fragilidade
da vida facilitada pelo poder de realização
(o dinheiro), é pura soma de ações.
A interessante tensão interna do filme encontra-se
em parte nessa convivência entre o caráter
quase psico-metafísico do início e do
final ambientados na infância de Hughes ("você
não está protegido") e a trajetória
existencialista de um personagem cuja significação
deriva quase somente de suas ações e palavras.
Hughes é um homem que faz, mais que um homem
que pensa ou um homem que sente. Se sente, expressa
em ação.
O Hughes de Scorsese é um artista produtor de
si mesmo. É também sua própria
obra (como mostra a cena na qual seu corpo funde-se
com imagens de Hells Angels), pois, a rigor,
a viabilização da realização
supera em importância a qualidade do resultado,
sendo a arte, para Hughes, todo o processo que leva
à arte. Ele corre riscos o tempo todo, queima
dólares, entrega-se à tecnologia como
se, com ela, fosse um deus em seu processo de criação,
capaz de realizar o imponderável. Diz: algumas
de suas empreitadas só fazem sentido para ele.
É um inventor de mundos e coisas, que criam novos
mundos para esses serem colocados no Mundo, e não
para necessariamente fazer colocações
sobre o Mundo. Hughes é o artista que flerta
com o abismo, é o aventureiro que age pela aventura.
Hughes é uma Hollywood admirada por Scorsese.
Uma Hollywood de artistas , não apenas de engravatados
(em escritórios e sets).
Menina de Ouro nos coloca em um percurso diferente,
rumo à uma vida digna (a de Maggie Fitzgerald),
mas tendo pelo caminho os sinais do progresso do homem
moral nocauteado por sinais do homem pré-civilizado
( a competição sem regras da lutadora
alemã Billie the Blue Bear, mulata porque o mal
não escolhe cor ou nacionalidade, e não
porque os alemães e os negros sejam o mal). Billie
The Blue é a encarnação do mal
(como sempre há em Eastwood), uma contraposição
à poética definição do boxe
pela narração de Eddie Scrap boxe como
atividade de respeito mútuo, como mediação
da agressividade, como traço de civilização
da violência.
Temos ainda lá um velho surrado pela vida e cético
em sua devoção religiosa que, querendo
evitar que outros sintam as dores transportadas em seu
corpo e memória, faz de tudo para proteger seus
pugilistas, com receio de vê-los perder a chance
de suas vidas por conta de um descuido. Ele insiste:
a defesa é o mais importante. O gesto destruidor
está em todo lugar. E defesa é a estratégia
para levar a não menos surrada pela vida Maggie
Fitzgerald a encontrar uma redenção para
tanto sofrimento e para tanta adversidade prêmio
também por sua abnegação e esperança.
Ela come restos, passa noites no ginásio socando
sacos, mas não desiste. Quase ouvimos a voz de
Sally Gerber falando em O Mundo Perfeito: "em
um mundo perfeito, isso não aconteceria"
(citação de memória).
Há algo errado nesse mundo eastwoodiano em que
Frankie Dunn tenta encontrar alguma resposta de Deus.
Mas esse Deus, a rigor, é só espectador,
como somos de Big Brother, e, como nós, jamais
interfere nos acontecimentos e, ao contrário
de Big Brother, nem se preocupa em criar uma edição
dotada de sentido. A crise é extensa, ampla,
profunda. Mas sóbria. Quem tem de corrigir a
ausência e permisividade divina será o
homem. Será dele a solução para
a encruzilhada. Deus não o ajuda em nada. Ele
só tem a si mesmo. E por isso precisa assumir
suas responsabilidades o grande traço definidor
das criações de Eastwood, como já
se escreveu tanto em Contracampo.
Menina dos Olhos começa de olho, em tom
pianinho, para narrativas de triunfo Rocky,
em maior medida. Vemos a insistência da Maggie,
sua ascensão magistral, sua sucessão de
nocautes. O título salienta essa impressão:
a de uma trajetória entre o nada e a glória.
Não é bem assim não. Porque o cineasta
olha também para os melodramas e aqui a carga
dramática é sustentada pela condição
de rodapé social de Maggie e pela vocação
para a derrota de Frankie Dunn.
Um dos aspectos mais interessantes está nessa
articulação entre a narrativa esportiva
triunfalista e o melodrama no qual as forças
do mal e do acaso ganha das intenções
positivas dos homens bons. Todo o conflito está
em construir algo em um mundo com grande potencial para
a destruição. Não vemos mais crença
em nada, a não ser em elos afetivos, pelo meio
dos quais uns cuidam dos outros, uns se responsabilizam
pelos outros, sendo essa a mais efetiva política
de seus personagens.
Novo Capítulo?
O Aviador é a mais radical página
do mais recente capítulo do cinema de Scorsese.
Desde pelo menos Vivendo no Limite, com tintas
mais fortes em Gangues de Nova York, o cineasta
tem intensificado o que, na falta de definição
melhor, podemos chamar de "artificialização
da imagem". Não se está falando em ruptura
com um realismo anterior porque esse realismo nunca
foi predominante em Scorsese. Pode-se encontrar sinais
dele nos primeiros momentos (situações
de Quem Bate à Minha Porta?, Caminhos
Violentos, Alice Não Mora Mais Aqui),
mas, ainda em linhas gerais, seu universo é representando
como pesadelo (Taxi Driver, Depois de Horas,
A Última Tentação de Cristo,
Cabo do Medo, Vivendo no Limite), como
mundos abertos a delírios, sem compromisso com
a imagem autêntica das coisas. Scorsese é
manipulador da informação visual - não
um registrador.
Mas algo mudou entre os anos 70-80 e os três filmes
mais recentes. O tempo dos planos diminuiu, as expressões
corporais dos atores no plano perdeu um pouco do espaço
e o fluxo de fragmentos visuais passou a ser mais valorizado
(cada vez mais como uma sinfonia visual). Em outras
palavras: Scorsese deixou de ser sobretudo um magistral
construtor de cenas com sua câmera e passou a
dar mais atenção aos efeitos do encadeamento
e da estruturação dos pedaços narrativos.
Está menos músico e mais maestro. Esse
é seu momento. Sua fase "grande estúdio"
implica maior investimento em cenografia, maior presença
da fotografia (pertencente a tempo algum) e invenção
de um mundo que, antes de referir-se a um modelo concreto
já existente, na verdade ergue um mundo próprio
das imagens, cuja verdade está em seus artifícios,
não apesar deles. Gangues de Nova York
e O Aviador exibem a grandiloqüência
visual sem demonstrá-la com operações
exibicionistas (como em A Época do Inocência).
Ela simplesmente está no processo de invenção
dos mundos filmados. Gangues e O Aviador
não deixam de voar alto porque buscam o espetáculo.
Voam alto porque encontram o espetáculo. E poucos
o têm encontrado com tanta habilidade e complexidade
quanto Scorsese.
Mas as articulações em cada um são
distintas. Gangues de Novas York emprega
um conjunto de informações visuais e cenográficas,
iluminada de uma maneira "irreal" e atemporal,
para elaborar o mito da margem americana inserida no
sistema pela corrupção. Parte-se de um
dado concreto (a História), mas se inventa um
mundo, que, se é inventado a partir dele, não
é para se chegar a ele, mas para ultrapassá-lo.
A rua do cinema moderno e realista volta para o estúdio,
mas lá transforma o cenário teatral em
cenário de um delírio. A diferença
é que, se Gangues de Nova York olha para
fora (do indivíduo para o seu ambiente), O
Aviador olha principalmente para Hughes, muito mais
que para o mundo dele. O mundo determina Amsterdan e
Bill The Butcher em Gangues de Nova York. Howard
Hughes determina o mundo em O Aviador talvez
seja seu próprio mundo. Gangues é
um filme de subterrâneos. O Aviador, de
alturas. Scorsese verticalizou seus universos sociais
do alto da pirâmide ao porão. E coloca-se
plenamente em um e outro, no olhar para o passado de
Bill The Butcher e no olhar para o futuro de Hughes
Algo também mudou em Eastwood desde Perversa
Paixão, Estranho sem Nome, Josey
Wales. Nos filmes dos anos 90, elaborados com olhos
mais atentos para Hawks, Ford, Hitchcock, não
vemos os artifícios visuais que, nos 70, quando
o cineasta estava contaminado positivamente por Sergio
Leone e Don Siegel, caracterizaram Estranho Sem Nome
e Josey Wales. Esses artícios encontram-se
sobretudo no lugar escolhido para se colocar a câmera,
que chama atenção para essa escolha e
para os efeitos dela. Eastwood às vezes nos situa
tanto junto ao olhar do personagem como ao do diretor
para o personagem
Isso é expresso na cena na qual o forasteiro
de Estranho Sem Nome, mítico em sua não
identidade, é provocado no bar por um bando de
malfeitores. A câmera ali usa o chapéu
dele e sua postura cabisbaixa como limitação
do campo de visão do espectador, mas amplia esse
campo de visão quando ele ergue a cabeça
e, livres do obstáculo, vemos ao fundo os malfeitores
e um ângulo do ambiente antes impossível
de ser visto.
Construções assim são mais raras
nos últimos anos em Eastwood. Os enquadramentos
agora deixaram de chamar atenção para
si e passaram a buscar uma discrição do
olhar. O tom foi ficando mais soturno, a luz mais sombria,
como se uma lógica cósmica, cadê
vez maior, agisse atando os personagens a determinada
circunstância. É como se o inferno de Josey
Wales, que pinta as casas com cor de barro para intensificar
o efeito das chamas da punição, agora
não tivesse mais cor. O inferno é escuro,
não vermelho. E cada vez mais o artista têm
dificuldade em enxergar na ausência da luz. Se
o cinema é a luz que ilumina nossas trevas, como
lembra Godard em Nossa Música, Eastwood
é a sombra que problematiza nossas luminosas
esperanças.
Cléber Eduardo
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