É
comum o crítico ouvir dos leitores que "nem todo
filme precisa ser original", ou que "nem todo filme
foi feito para ser genial", como se a crítica
fosse sempre baseada nestes critérios únicos,
ou como se eles fossem imutáveis no tempo
ou seja, ou um filme é genial e original, ou
não é. Como sabemos, ainda bem que tudo
que se refere à arte é um pouco mais complexo
do que isso: filmes originais podem ser péssimos,
filmes que trabalham em cima de clichês podem
ser ótimos. Nada disso invalida, porém,
a afirmação que eventualmente alguns filmes
pedem, e este é o caso com Encantadora de
Baleias: não há nada aqui que justifique
qualquer interesse outro que não a reencenação
do que já foi encenado milhares de vezes, apenas
para dar ao espectador mais do mesmo que ele já
sabe que gosta. Só que de preferência,
para variar o embrulho do presente, com muitos toques
"étnicos", "exóticos".
Desde o princípio, Encantadora de Baleias
já está engessado mortalmente: na caracterização
do avô como o "chefe-teimoso-que-se-pensa-sábio-mas-aprenderá-uma-lição",
ou no uso da narração em off pela menina
protagonista para deixar claro que nada a impedirá,
ao longo do filme, de atingir o seu destino de liderar
o seu povo. Estabelecido isso, é questão
de encher a hora e meia entre estes dois pontos com
variações acerca do mesmo tema: vovô
não entende a menina, menina vai superando preconceitos,
e vice-versa, não necessariamente nesta mesma
ordem. Claro, Caro conta com uma protagonista de carisma
inegável, com as paisagens deslumbrantes da Nova
Zelândia, com os hábitos ancestrais e fascinantes
dos "maori" para dar o tal "frescor" ao filme. Mas,
no fundo, de fresco não há nada aqui,
e o difícil é ficar atento ao que se passa
na tela.
Aí, o leitor pode perguntar: mas o que mais poderia
se esperar do filme? Bom, podemos citar algumas coisas.
Por exemplo, que se ampliasse a discussão sobre
o isolamento do povo "maori" na atual sociedade neozelandesa
ouvimos muito se dizer que "os tempos são
difíceis", mas nunca entendemos exatamente porquê,
e como isso se manifesta na prática do dia a
dia. Outro exemplo é o trabalho de cenas como
as subaquáticas com as baleias: burocráticas,
filmadas sem qualquer desejo de inseri-las mais organicamente
na narrativa (parecem sempre inserts) só
um plano mais à frente possui qualquer resquício
de "magia" (o movimento do alto que acompanha a menina
montada na baleia prestes a afundar na água),
que é o que parecem buscar. Ou ainda poderia-se
pedir uma encenação mais vibrante e menos
engessada nos supostos momentos de emoção,
como a busca do dente de baleia no fundo do mar pelos
meninos. Ou que o personagem do avô tivesse alguma
outra nota de gradação entre a teimosia
irracional de todo o filme e a iluminação
final. Ou que, finalmente, a narração
em off não fosse usada tantas vezes como muleta
narrativa desnecessária e manipuladora (como
a trilha sonora).
Em suma, muito poderia ser feito para tirar Encantadora
de Baleias do piloto automático. "Mas o público
gosta" seria o argumento final dos que refutam críticas
a filmes como este. Falso argumento. Primeiro porque
não é fato que só por uma maioria
gostar, isso se torna verdade universal; mas principalmente
porque não é por acaso que a maioria do
público caia em todos os golpes do filme
com isso é que Caro conta, e sabe que funcionará.
No entanto, não é por isso que precisamos
fingir que estes problemas não estão lá
e que o mesmo filme não podia ser ao menos minimamente
interessante, para além da repetição
eterna dos mesmos temas e tratamentos e golpes de venda
de projeto.
Eduardo Valente
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