O
Rio de Janeiro não é apenas cenário
destacado do cinema brasileiro, mas espaço geográfico
onde muitos
personagens afirmam um estilo de vida, o carioca, voltado
para o prazer e para o drible nas dificuldades. Esse
cariocismo expresso nas telas quase sempre celebra as
maravilhas naturais e a vitalidade humana da cidade,
com homens cheios de ginga na abordagem das mulheres
e mulheres cheias de molejo ao serem abordadas pelos
homens. Essa identidade do carioca que sabe viver é
vinculada sobretudo à Zona Sul, com seus bares
barulhentos, praias infestadas de corpos esculturais,
de se desenrolam as azarações e as dores
dos amores, tema principal dessa vertente ensolarada
da produção. Mas nem tudo é Pão
de Açúcar e Arpoador. Também há
um outro Rio muito filmado pelas câmeras, o do
morro e das favelas, no qual os conflitos afetivos dão
lugar aos confrontos armados. Na maioria dos casos,
esses opostos não se cruzam, ou, quando fazem
esquina um com o outro, a intersecção
é exposta de forma dicotômica. Predomina
a idéia de uma cidade partida, mostrada por um
ângulo, pelo outro ou pelo choque de um contra
o outro.
Nesse sentido, Rio de Jano, é uma novidade.
Ao acompanhar o cartunista francês Jano, durante
uma de suas passagens pela cidade, o trio de realizadores
apóia-se no olhar estrangeiro para, sempre mediados
por seus próprios olhares da gema, revelarem
a multiplicidade do Rio e da carioquice. Vemos uma cidade
cerzida, heterogênea, composta de Pão de
Açúcar e de Maracanã, mas também
de São Cristovão e Madureira, de terreiro
de umbanda e de porão de rock, de feira cultural
em Laranjeiras e das ladeiras do Vidigal, de roda de
samba em botquim e de show de funk em Rio das Pedras.
Faz-se assim uma desmistificação de um
carioquismo redutor e às vezes calhorda, arrotado
por alguns filmes em uma afirmação de
superiodade regionalista montada como um discurso de
convencimento de carioca para carioca. Em Rio de
Jano, não há essa auto-afirmação.
A identidade da cidade e dos moradores está nos
ambientes e nas pessoas, na forma de falar e no humor,
na falta de formalidade para ser sincero sem deixar
de ser cordial. A cidade fala por si sem precisar ninguém
dela falar por ela. O Rio e o carioca surge naturalmente
sem ser tematizado.
Jano interage com a cidade e seus moradores enquanto
colhe referenciais para seus desenhos. Encanta-se com
o culto à bunda das popozudas, fica fascinado
com as cores do Flamengo, toca gaita em show de rock.
Acha curioso e engraçado que, em um país
de proporções gigantescas, há fixação
por dimitivos. "O que são cinco minutinhos? Minutos
de 50 segundos"?, pergunta e ri. Guiando-se pelas impressões
dele sobre lugares visitados por escolha da produção,
os realizadores usam o olhar de fora para olhar melhor
para seu próprio meio. A capacidade de observação
de sutilezas de Jano, seja nos desenhos, sejam em suas
entrevistas, é refletida pelas imagens do filme,
seja na decupagem da riqueza gráfica de cada
trabalho, seja na colocação da câmera
em determinados locais. Por ser tão harmônica
a integração do observador no universo
oservado, o filme cai quando abandona o Rio e fecha
foco em Jano. Talvez seja um procedimento necessário,
conceitualmente, para melhor situar o espectador em
relação ao artista, mas, coerência
à parte e sendo coerente com o título,
Rio de Jano é bom mesmo quando Jano
funde-se ao Rio. Poucas vezes o cinema filmou a cidade
com tanto afeto e sem folclorizações/mistificações
como nessa surpreendente obra de estreantes em longa-metragem.
Cléber Eduardo
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