KEN PARK
Larry Clark e Ed Lachman, Ken Park, EUA, 2002

A provocação como artifício para prender o público parece ser a tônica do cinema de Larry Clark desde a sua estréia, com o sensacionalista Kids. Em Ken Park ele foi além. Com cenas de sexo explícito e sado-masoquismo, procura chocar o espectador sem estabelecer um ponto de vista. Expõe os podres da sociedade americana de cima, como um ser superior. Não procura em nenhum momento compreender as motivações de seus personagens. Abandona-os simplesmente às perversões necessárias para que o filme faça barulho. O roteiro de Harmony Corine não desenvolve personagem algum; são todos superficiais, maldosos, rebatem os maus tratos recebidos dos pais. Culpar a educação paterna pelo comportamento dos jovens é uma das intenções do longa. Pueril, mas Larry Clark parece acreditar realmente nessa tese. Como se houvesse uma formula ideal para a educação dos filhos.
Clark (e Corine) parece ter esquecido o fundamental: o ser humano é muito mais complexo, e instigante, do que as marionetes que existem no filme. Sua perversão é puramente gratuita e negativista. Às vezes parece reconhecer a possibilidade de harmonia. Em algumas cenas, como a de Peaches almoçando com o pai e o namorado, deixa de lado a crueldade que domina o restante do filme. Mas são momentos que parecem preparados para intensificar ainda mais o mal estar provocado em seguida.

Uma seqüência é esclarecedora da atmosfera doentia criada pelo diretor: quando o adolescente problemático assassina a facadas seus avôs (pelos motivos mais bestas), e tem uma ereção. A platéia ri. Em seguida, ele ouve o latido de seu cão de três pernas e brocha. A platéia ri mais ainda. A caracterização do personagem se dá pelo patético, nunca pelo que ele poderia ter de humano. Estabelece-se nesse momento uma tentativa de cumplicidade com o espectador, que já havia sido apresentado ao cão, sarcasticamente chamado de Legs (pernas). E essa cumplicidade consiste em fazer o espectador rir por se sentir superior ao personagem. Não há maneira mais fácil e mesquinha de sedução. Claro, pode-se argumentar que numa comédia satírica o artifício é o mesmo. Mas neste caso o personagem possui uma outra dimensão, mais humana - que provoca a identificação com o espectador (vide os filmes de Jerry Lewis) -, ou mais espalhafatosa, buscando a caricatura, sem que isso acarrete em julgamento moral do personagem por parte do público (Debi & Loide, Quanto Mais Idiota Melhor). Estabelecida a diferença, fica claro que Larry Clark não é nem comediante, nem observador, apenas um sórdido manipulador.

O mesmo adolescente, num momento anterior, se masturba enquanto se enforca na maçaneta da porta. O diretor não se contenta e mostra, em primeiro plano, o membro ereto ejaculando. A necessidade dramática da cena permanece um mistério. Talvez a intenção seja sugerir que alguém que tem prazer sexual enquanto sente dor, pode tê-lo também ao cometer um assassinato. Acreditaremos nessa sugestão? Talvez seja melhor pensar que a cena seja só apelativa. Por que, afinal, o plano fechado no pênis? A necessidade mercadológica é evidente. O filme grita para o público de festivais, mais habituado às perversões gratuitas disfarçadas de teses sociais. Larry Clark quer posar de gênio subversivo. Além de manipulador, possui uma moral mais que duvidosa. Do tipo que diz o tempo todo: "vejam como são safados os jovens de hoje".

As cenas de sexo explícito não têm razão de ser. Qual a necessidade dramática da longa seqüência do ménage a trois, com direito a ejaculação e closes ginecológicos? Mostrar a permissividade da adolescência americana? Ora, isso já é mostrado durante todo o filme. Para que a redundância? Buscando a pura exploração da promiscuidade, Larry Clark enfraquece ainda mais seu discurso. Sua subversão é falsa porque não é feita por seres de carne e osso, logo, o alcance é extremamente prejudicado. Ao invés de se dirigir especialmente aos jovens, o filme cria uma relação sádica com o público, e acaba por não se dirigir a ninguém.

O gozo permanece sendo o único ingrediente humano do filme, mas vem sempre acompanhado de culpa e castração. É sempre desaprovado pelo diretor, seja pelo que acontece imediatamente após, seja pela insistência em escolher sempre o ângulo mais provocativo. Em matéria de sexo explícito, Oshima foi muito mais longe com seu Império dos Sentidos, e não precisou desumanizar personagem algum para provocar escândalo. Sobre adolescência perdida, melhor ficar com Los Olvidados, de Buñuel, no qual, por mais cruéis que sejam os personagens, não temos como negar que há vida. E se Larry Clark achou que com Ken Park estivesse entrando em um seleto time de autores subversivos (como as entrelinhas de algumas entrevistas suas fazem crer), deveria tentar de novo, dessa vez sem títeres, com personagens humanos. Ou deixar-nos em paz, que de explorações torpes o mundo já está cheio.


Sérgio Alpendre