A
provocação como artifício para
prender o público parece ser a tônica do
cinema de Larry Clark desde a sua estréia, com
o sensacionalista Kids. Em Ken Park ele
foi além. Com cenas de sexo explícito
e sado-masoquismo, procura chocar o espectador sem estabelecer
um ponto de vista. Expõe os podres da sociedade
americana de cima, como um ser superior. Não
procura em nenhum momento compreender as motivações
de seus personagens. Abandona-os simplesmente às
perversões necessárias para que o filme
faça barulho. O roteiro de Harmony Corine não
desenvolve personagem algum; são todos superficiais,
maldosos, rebatem os maus tratos recebidos dos pais.
Culpar a educação paterna pelo comportamento
dos jovens é uma das intenções
do longa. Pueril, mas Larry Clark parece acreditar realmente
nessa tese. Como se houvesse uma formula ideal para
a educação dos filhos.
Clark (e Corine) parece ter esquecido o fundamental:
o ser humano é muito mais complexo, e instigante,
do que as marionetes que existem no filme. Sua perversão
é puramente gratuita e negativista. Às
vezes parece reconhecer a possibilidade de harmonia.
Em algumas cenas, como a de Peaches almoçando
com o pai e o namorado, deixa de lado a crueldade que
domina o restante do filme. Mas são momentos
que parecem preparados para intensificar ainda mais
o mal estar provocado em seguida.
Uma seqüência é esclarecedora da atmosfera
doentia criada pelo diretor: quando o adolescente problemático
assassina a facadas seus avôs (pelos motivos mais
bestas), e tem uma ereção. A platéia
ri. Em seguida, ele ouve o latido de seu cão
de três pernas e brocha. A platéia ri mais
ainda. A caracterização do personagem
se dá pelo patético, nunca pelo que ele
poderia ter de humano. Estabelece-se nesse momento uma
tentativa de cumplicidade com o espectador, que já
havia sido apresentado ao cão, sarcasticamente
chamado de Legs (pernas). E essa cumplicidade consiste
em fazer o espectador rir por se sentir superior ao
personagem. Não há maneira mais fácil
e mesquinha de sedução. Claro, pode-se
argumentar que numa comédia satírica o
artifício é o mesmo. Mas neste caso o
personagem possui uma outra dimensão, mais humana
- que provoca a identificação com o espectador
(vide os filmes de Jerry Lewis) -, ou mais espalhafatosa,
buscando a caricatura, sem que isso acarrete em julgamento
moral do personagem por parte do público (Debi
& Loide, Quanto Mais Idiota Melhor).
Estabelecida a diferença, fica claro que Larry
Clark não é nem comediante, nem observador,
apenas um sórdido manipulador.
O mesmo adolescente, num momento anterior, se masturba
enquanto se enforca na maçaneta da porta. O diretor
não se contenta e mostra, em primeiro plano,
o membro ereto ejaculando. A necessidade dramática
da cena permanece um mistério. Talvez a intenção
seja sugerir que alguém que tem prazer sexual
enquanto sente dor, pode tê-lo também ao
cometer um assassinato. Acreditaremos nessa sugestão?
Talvez seja melhor pensar que a cena seja só
apelativa. Por que, afinal, o plano fechado no pênis?
A necessidade mercadológica é evidente.
O filme grita para o público de festivais, mais
habituado às perversões gratuitas disfarçadas
de teses sociais. Larry Clark quer posar de gênio
subversivo. Além de manipulador, possui uma moral
mais que duvidosa. Do tipo que diz o tempo todo: "vejam
como são safados os jovens de hoje".
As cenas de sexo explícito não têm
razão de ser. Qual a necessidade dramática
da longa seqüência do ménage a
trois, com direito a ejaculação e
closes ginecológicos? Mostrar a permissividade
da adolescência americana? Ora, isso já
é mostrado durante todo o filme. Para que a redundância?
Buscando a pura exploração da promiscuidade,
Larry Clark enfraquece ainda mais seu discurso. Sua
subversão é falsa porque não é
feita por seres de carne e osso, logo, o alcance é
extremamente prejudicado. Ao invés de se dirigir
especialmente aos jovens, o filme cria uma relação
sádica com o público, e acaba por não
se dirigir a ninguém.
O gozo permanece sendo o único ingrediente humano
do filme, mas vem sempre acompanhado de culpa e castração.
É sempre desaprovado pelo diretor, seja pelo
que acontece imediatamente após, seja pela insistência
em escolher sempre o ângulo mais provocativo.
Em matéria de sexo explícito, Oshima foi
muito mais longe com seu Império dos Sentidos,
e não precisou desumanizar personagem algum para
provocar escândalo. Sobre adolescência perdida,
melhor ficar com Los Olvidados, de Buñuel,
no qual, por mais cruéis que sejam os personagens,
não temos como negar que há vida. E se
Larry Clark achou que com Ken Park estivesse
entrando em um seleto time de autores subversivos (como
as entrelinhas de algumas entrevistas suas fazem crer),
deveria tentar de novo, dessa vez sem títeres,
com personagens humanos. Ou deixar-nos em paz, que de
explorações torpes o mundo já está
cheio.
Sérgio Alpendre
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