Filme
previsível no que tem de melhor e desconjuntado
no que tenta trazer de novo.
Com um elogiável material em mãos e uma
pesquisa eficiente de imagens de arquivo, Silvio Tendler
faz um filme que carrega toda a correção
e toda a limitação expressiva de um cinema
de proposta didática, enciclopédica. Nesse
sentido da apresentação do personagem
(e da coletânea de clichês, histórias
e imagens em torno da figura de Glauber Rocha), o filme
constrói o que podemos chamar de um aplicado
"artefato de memória". Um painel amplo
de entrevistas e uma descrição cronológica
(e colorida por "causos") da obra e da vida
do cineasta. Infelizmente, a medida em que tenta empregar
um discurso próprio, um conceito de abordagem
de montagem e som, o filme só consegue derrapar
feio, muito feio:
Com soluções constrangedoras de discurso
(como o labirinto videográfico e as setas contrárias
que tentam expressar a dicotomia entre "Hollywood"
e o "Terceiro mundo" da visão glauberiana...),
trilha sonora melodramática da pior espécie
e citações dogmáticas de "máximas"
glauberianas, o filme desperdiça a riqueza de
grande parte de seu material (as imagens do enterro,
por exemplo) em nome de uma comoção forçada,
uma tentativa débil de inscrever o trágico
num filme morno, morno, onde Glauber é, sem dúvida,
muito mais "objeto" de mumificação
do que "personagem".
Estão lá, é verdade, alguns depoimentos
inéditos, a histórica entrevista de Glauber
à Rede Globo anunciando sua morte, alguns trechos
do tão pouco revisto Programa Abertura,
e algumas anedotas que contribuem para pintar a persona
atribulada do famigerado cineasta baiano.
É claro que há um fetiche histórico
em rever a imagem da geração cinemanovista
reunida em torno do caixão de seu mais eloqüente
orador, reconhecer rostos ou ouvir o discurso de Darcy
Ribeiro à beira do túmulo. Mas fora esse
interesse pela "raridade", pelo "artefato",
o que fica, de forma mais direta, é um filme,
meramente, superficial; eficiente somente como cartão
de visitas (ao público leigo) de um cineasta
tão falado/comentado mas tão pouco assistido,
hoje.
Por fim, um filme feito para museus e para escolas,
que vem cumprir um nobre mas limitado papel de dar ao
mito Glauber Rocha um atalho reservado na prateleira
biográfica das videotecas públicas e na
programação de canais educativos da TV.
De seu tom épico de vida, de seu desejo libertário
pelo novo, resta (neste pequeno filme), apenas uma memória
ecoada e triste, um gesto de melancolia sem qualquer
inspiração.
Glauber, certamente, merece (e demanda) muito mais do
que isso.
Felipe Bragança
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