GLAUBER O FILME – LABIRINTO DO BRASIL
Sílvio Tendler, Brasil, 2003

Filme previsível no que tem de melhor e desconjuntado no que tenta trazer de novo.

Com um elogiável material em mãos e uma pesquisa eficiente de imagens de arquivo, Silvio Tendler faz um filme que carrega toda a correção e toda a limitação expressiva de um cinema de proposta didática, enciclopédica. Nesse sentido da apresentação do personagem (e da coletânea de clichês, histórias e imagens em torno da figura de Glauber Rocha), o filme constrói o que podemos chamar de um aplicado "artefato de memória". Um painel amplo de entrevistas e uma descrição cronológica (e colorida por "causos") da obra e da vida do cineasta. Infelizmente, a medida em que tenta empregar um discurso próprio, um conceito de abordagem de montagem e som, o filme só consegue derrapar feio, muito feio:

Com soluções constrangedoras de discurso (como o labirinto videográfico e as setas contrárias que tentam expressar a dicotomia entre "Hollywood" e o "Terceiro mundo" da visão glauberiana...), trilha sonora melodramática da pior espécie e citações dogmáticas de "máximas" glauberianas, o filme desperdiça a riqueza de grande parte de seu material (as imagens do enterro, por exemplo) em nome de uma comoção forçada, uma tentativa débil de inscrever o trágico num filme morno, morno, onde Glauber é, sem dúvida, muito mais "objeto" de mumificação do que "personagem".

Estão lá, é verdade, alguns depoimentos inéditos, a histórica entrevista de Glauber à Rede Globo anunciando sua morte, alguns trechos do tão pouco revisto Programa Abertura, e algumas anedotas que contribuem para pintar a persona atribulada do famigerado cineasta baiano.
É claro que há um fetiche histórico em rever a imagem da geração cinemanovista reunida em torno do caixão de seu mais eloqüente orador, reconhecer rostos ou ouvir o discurso de Darcy Ribeiro à beira do túmulo. Mas fora esse interesse pela "raridade", pelo "artefato", o que fica, de forma mais direta, é um filme, meramente, superficial; eficiente somente como cartão de visitas (ao público leigo) de um cineasta tão falado/comentado mas tão pouco assistido, hoje.

Por fim, um filme feito para museus e para escolas, que vem cumprir um nobre mas limitado papel de dar ao mito Glauber Rocha um atalho reservado na prateleira biográfica das videotecas públicas e na programação de canais educativos da TV.

De seu tom épico de vida, de seu desejo libertário pelo novo, resta (neste pequeno filme), apenas uma memória ecoada e triste, um gesto de melancolia sem qualquer inspiração.

Glauber, certamente, merece (e demanda) muito mais do que isso.


Felipe Bragança