The
Expendables,
o mais novo filme de Sylvester Stallone, só tem data de
estréia prevista nos EUA para agosto. Vai demorar a chegar
aqui. A única coisa que, a princípio, garante sua
presença nos nossos cinemas é
ele ter filmado algumas cenas no Brasil. Do contrário,
não me espantaria se o filme viesse direto para DVD e
ocupasse
a fatia menos nobre do mercado: as bancas de jornal, as bancas de DVD
pirata no centro da cidade, os horários de domingo
à
noite na TV aberta. Stallone se juntaria de vez a Steven Seagal,
Dolph Lundgren e toda uma escória do cinema que ainda
insiste
em resolver na porrada coisas que na verdade deveriam ser
resolvidas... na porrada. O legal é que não
há
luto nessa história. Esses brutamontes, outrora no centro do
cinema de ação, souberam encontrar seu lugar de
maneira
exemplar depois que foram relegados ao limbo. Eles teriam bastante a
ensinar a todos os “amantes da sétima
arte” que
os ignoram, pessoas em geral sensíveis e sérias
demais,
que certamente não desconfiam que uma cena escrota de um
filme
escroto que está passando no Domingo Maior pode sim gerar
alguma reflexão que os filmes da vitrine do “bom
cinema”
não estão gerando, pelo próprio fato
de que a
predisposição das pessoas sensíveis e
sérias
aos filmes já reconhecidos como arte é
só
intelectual, e a apreensão puramente intelectual/conceitual
filtra sempre alguma parte essencial da
“intuição”,
sem a qual não existe arte nem pensamento vigorosos.
Mas
voltemos ao
assunto: Stallone. Dentre os melhores filmes que protagonizou quando
estava no auge, destaco Rambo (notadamente o
primeiro, mas há
méritos também no segundo, enquanto o terceiro
é
lamentável e o quarto merece uma revisão), Condenação
Brutal (John
Flynn, 1989) e
Risco Total (Renny
Harlin, 1993). Quanto aos filmes que dirigiu, tive uma grata surpresa
com Rocky II (1979),
revisto recentemente.
Segunda
experiência de Stallone na direção (a
primeira
foi Paradise Alley, de
1978), Rocky II é
um filme sobre um cara tentando arrumar um emprego. Um cara que
não
é inteligente e não possui nenhuma habilidade
específica, e que portanto bate de porta em porta
inutilmente
(ele chega a retornar ao frigorífico em que trabalhava no
primeiro filme da série), até perceber que
só
lhe resta aceitar a revanche proposta por Apollo e voltar ao ringue.
Dá para entender perfeitamente por que Stallone dirigiria a
continuação de Os Embalos
de Sábado à
Noite: seu
interesse pelas cenas
de rua sem maquiagem cenográfica, por personagens
precocemente
divididos entre o sucesso e a decadência, por uma certa
tristeza da classe trabalhadora (diferente de melancolia: a
melancolia é um estado afetivo, a tristeza é um
sentimento existencial), tudo isso que pauta Os
Embalos de
Sábado à Noite pode ser encontrado em
Rocky II, o filme em
que o personagem-título descobre de fato que é um
lutador de boxe, que essa é sua profissão, sua
ocupação, seu trabalho. Stallone prepara
também
o terreno para o início da amizade entre Rocky e Apollo, que
se consolidará em Rocky III.
Parece um pouco com o universo de Howard Hawks: a melhor forma de
fazer amizade é trocar uns socos (lembrar do final de Rio
Vermelho, ou
do começo de
Rio Bravo).
A
mise en scène
de Stallone é direta e simples. Ele precisa mostrar, no
começo
do filme, que Rocky ainda mora num bairro pobre. A câmera faz
uma panorâmica da linha do trem até a
calçada
suja e mal iluminada onde o herói vem andando trazendo sua esposa
nos braços. Isso basta.
Estamos no coração do pragmatismo do realismo
concreto
americano. O cineasta sabe o que quer naquele plano e o executa
reduzindo a técnica ao estritamente necessário.
Rocky
II
é um filme com “assunto”, e é
isso que
torna tudo mais completo e mais interessante. Em sua crítica
de Invictus, Tatiana
Monassa falou de uma questão crucial: “filmes
sobre um
assunto se tornaram algo absolutamente raro”. Eu
complementaria
dizendo que ter um assunto é basicamente saber o que guardar
e
o que excluir, o que mostrar e o que esconder, o que enunciar e o que
subentender (essas escolhas fundamentais no cinema). É ter
um
ponto de vista a
partir do qual o sentido é construído, o mundo
é
refletido. É estar menos preocupado em exibir um estilo e um
conceito do que em se posicionar face aos eventos mostrados;
é
buscar nas relações com o outro um acordo ou
enfrentar
seu eventual conflito. “Conceber
uma forma constitui justamente um ato de
aceitação ou
de rejeição” (Jean Douchet).
Stallone,
em Rocky II, esclarece
o óbvio: não precisa ser gênio para
fazer um
grande filme. Basta já ter tido empregos ruins antes de ter
se
tornado cineasta.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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