Revendo
Aliens, na versão
estendida disponível em DVD... Primeiro,
o óbvio e – não à toa
– já
frisado por muitos: o planeta LV-426, palco da
expedição
infernal, é uma transmutação futurista
da selva vietnamita; os aliens (ou “presenças
xenomórficas”,
para usar o léxico do comandante da
operação
militar) são uma metáfora do inimigo
imperscrutável,
que derrota o mais equipado e treinado exército do mundo
através de “estratégias”
tão simples
quanto inimagináveis. A missão que deveria ser
feita de
modo cirúrgico, rápido e mecânico de
repente se
torna um desastre completo. No limite, a solução
encontrada é aquela que pôs um ponto final na
Segunda
Guerra e, no entanto, não pôde se repetir no
Vietnã:
uma explosão termonuclear pulveriza a
estação de
“tratamento da atmosfera” (no universo ficcional,
os
homens colonizam planetas distantes para adaptar suas atmosferas ao
metabolismo humano, tornando esses lugares habitáveis) onde
os
aliens se encontravam. A guerra perdida por razões
incalculáveis e a tangente do genocídio massivo
retornam aqui para conectar os dois traumas bélicos
norte-americanos, o da derrota (Vietnã) e o da
vitória
(Hiroshima).
Depois,
o surpreendente: Cameron puxa para baixo tudo aquilo que, no cultuado
Alien de Ridley Scott,
o primeiro da série, forjava
sofisticação. O
hiper-realismo das ambiências da nave espacial do filme
anterior está agora mesclado a um clima de filme B,
entranhado, por exemplo, em maquetes e cenários de externas que não fazem questão de
disfarçar
sua artificialidade (os interiores já são bem
mais
realistas e imersivos). Com aquele estilo prolixo no qual é
mestre, Cameron provoca um adensamento da expectativa ad
nauseam. Toda
a parte em que
eles descem ao planeta e iniciam a missão, filmada em ritmo
lento, tateante, entrando pelos túneis da
estação
abandonada, é concebida quase que puramente pelo sentimento
da
duração e por topologia. A sequência
anterior,
deles no avião, lembra um pouco a fabulosa cena em que os
soldados de Objective, Burma! (Walsh)
estão se preparando para saltar de pára-quedas em
território inimigo. Além desse foco redirecionado
para
a ação e para o suspense em sua
acepção
mais crua, Cameron rechaça também o lado chique da coisa ao investir num grupo de personagens vulgares e
estereotipados, que ora parecem tirados de um filme vagabundo sobre a
guerra do Vietnã, ora de um sci-fi
das antigas. Não há
preocupação alguma em
construir uma imagem futurista dos personagens: todos se vestem e se
comportam como seres dos anos 1980, ou mesmo de épocas
anteriores.
O
mistério da alteridade, questão central para James
Cameron (ao menos até O Exterminador
do Futuro 2),
possui em Aliens uma
sólida formulação, ainda que incompleta (O
Segredo do
Abismo, seu
filme seguinte, será
um passo adiante na questão, conforme já abordei
anteriormente). É a imprevisibilidade do Outro o que mais
assusta Ripley (Sigourney Weaver) e a tropa de fuzileiros que vai ao
planeta LV-426 em missão de reconhecimento (o contato com a
colônia havia sido perdido) e eventual resgate. O personagem
do
andróide, ou “pessoa artificial”, como
ele
prefere, é de suma relevância para o desfecho do
filme.
A princípio objeto da mais agressiva desconfiança
de
Ripley, o ser sintético se torna seu grande aliado na reta
final da narrativa. Sem ele, o não-humano, nem Ripley nem a
menina Newt (encontrada órfã no planeta e
imediatamente
adotada pela personagem de Weaver) teriam sobrevivido. Ele representa
a possibilidade de uma alteridade positiva,
não hostil.
Vasculhando
edições antigas da Cahiers
du Cinéma,
encontrei dois textos que desqualificam o filme taxando-o como
propaganda de guerra, destacando a importância do design
militar para o projeto estético de Cameron, que teria
realizado um portfólio da nova artilharia pesada
norte-americana na mesma linha de Top Gun (este
sim uma campanha publicitária do F-14). Thierry Cazals e
Paul
Virilio abominaram o filme, passando por cima de suas qualidades para
acusar uma suposta máquina de recrutamento militar dos anos
Reagan. É menosprezar demais James Cameron, que
já
havia realizado o primeiro O Exterminador do
Futuro...
É ignorar que todo o armamento e toda a
munição
se provam inúteis (como a própria Newt havia
avisado)
diante dos inimigos insondáveis... E é ignorar
também
a crítica feroz que Aliens direciona
ao poder corporativo (indissociável da indústria
bélica
num país onde a guerra é um negócio),
personificado em Burke (Paul Reiser), o almofadinha disposto a tudo,
sobretudo a trair os demais e expô-los à morte
somente
para defender os interesses comerciais de sua empresa. Apesar de
enxergar o filme de
forma meio torta, Virilio comenta algo bastante interessante: em se
tratando de uma “intervenção
cirúrgica
sobre um planeta-tumor”, é natural que
“algumas
sequências rodadas na fábrica de atmosfera, o
pulmão
do planeta Acheron [LV-426], façam pensar nas imagens de uma
endoscopia, visita medicinal ao interior das trevas viscerais, desse
mal encarnado em um objeto celeste” (“L'engin
exterminateur”, Cahiers du
Cinéma
nº 388, outubro/1986). As imagens captadas em vídeo
pelos
fuzileiros que exploram o interior da fábrica, e
transmitidas
para o comandante no veículo-base, realmente parecem a
endoscopia de um organismo tenebroso e remetem à
idéia
de guerra cirúrgica.
No
clímax final, Ripley utiliza uma espécie de
robô-empilhadeira como arma, ou melhor, como
prótese
maquínica que lhe permite entrar no confronto em
pé de
igualdade com seu oponente – no caso, a gigantesca
alien-rainha. O combate ocasiona, portanto, a
potencialização
da força física da heroína, que
“veste”
aquela empilhadeira cuja estrutura metálica funciona
à
maneira de um exoesqueleto robótico
(hibridização
mecânica do corpo anterior à
hibridização
digital do T-1000 em O Exterminador do Futuro 2).
Mais uma prova da imbatível engenhosidade de James Cameron.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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