ALIENS
James Cameron, EUA, 1986




Revendo Aliens, na versão estendida disponível em DVD... Primeiro, o óbvio e – não à toa – já frisado por muitos: o planeta LV-426, palco da expedição infernal, é uma transmutação futurista da selva vietnamita; os aliens (ou “presenças xenomórficas”, para usar o léxico do comandante da operação militar) são uma metáfora do inimigo imperscrutável, que derrota o mais equipado e treinado exército do mundo através de “estratégias” tão simples quanto inimagináveis. A missão que deveria ser feita de modo cirúrgico, rápido e mecânico de repente se torna um desastre completo. No limite, a solução encontrada é aquela que pôs um ponto final na Segunda Guerra e, no entanto, não pôde se repetir no Vietnã: uma explosão termonuclear pulveriza a estação de “tratamento da atmosfera” (no universo ficcional, os homens colonizam planetas distantes para adaptar suas atmosferas ao metabolismo humano, tornando esses lugares habitáveis) onde os aliens se encontravam. A guerra perdida por razões incalculáveis e a tangente do genocídio massivo retornam aqui para conectar os dois traumas bélicos norte-americanos, o da derrota (Vietnã) e o da vitória (Hiroshima).

Depois, o surpreendente: Cameron puxa para baixo tudo aquilo que, no cultuado Alien de Ridley Scott, o primeiro da série, forjava sofisticação. O hiper-realismo das ambiências da nave espacial do filme anterior está agora mesclado a um clima de filme B, entranhado, por exemplo, em maquetes e cenários de externas que não fazem questão de disfarçar sua artificialidade (os interiores já são bem mais realistas e imersivos). Com aquele estilo prolixo no qual é mestre, Cameron provoca um adensamento da expectativa ad nauseam. Toda a parte em que eles descem ao planeta e iniciam a missão, filmada em ritmo lento, tateante, entrando pelos túneis da estação abandonada, é concebida quase que puramente pelo sentimento da duração e por topologia. A sequência anterior, deles no avião, lembra um pouco a fabulosa cena em que os soldados de Objective, Burma! (Walsh) estão se preparando para saltar de pára-quedas em território inimigo. Além desse foco redirecionado para a ação e para o suspense em sua acepção mais crua, Cameron rechaça também o lado chique da coisa ao investir num grupo de personagens vulgares e estereotipados, que ora parecem tirados de um filme vagabundo sobre a guerra do Vietnã, ora de um sci-fi das antigas. Não há preocupação alguma em construir uma imagem futurista dos personagens: todos se vestem e se comportam como seres dos anos 1980, ou mesmo de épocas anteriores.

O mistério da alteridade, questão central para James Cameron (ao menos até O Exterminador do Futuro 2), possui em Aliens uma sólida formulação, ainda que incompleta (O Segredo do Abismo, seu filme seguinte, será um passo adiante na questão, conforme já abordei anteriormente). É a imprevisibilidade do Outro o que mais assusta Ripley (Sigourney Weaver) e a tropa de fuzileiros que vai ao planeta LV-426 em missão de reconhecimento (o contato com a colônia havia sido perdido) e eventual resgate. O personagem do andróide, ou “pessoa artificial”, como ele prefere, é de suma relevância para o desfecho do filme. A princípio objeto da mais agressiva desconfiança de Ripley, o ser sintético se torna seu grande aliado na reta final da narrativa. Sem ele, o não-humano, nem Ripley nem a menina Newt (encontrada órfã no planeta e imediatamente adotada pela personagem de Weaver) teriam sobrevivido. Ele representa a possibilidade de uma alteridade positiva, não hostil.

Vasculhando edições antigas da Cahiers du Cinéma, encontrei dois textos que desqualificam o filme taxando-o como propaganda de guerra, destacando a importância do design militar para o projeto estético de Cameron, que teria realizado um portfólio da nova artilharia pesada norte-americana na mesma linha de Top Gun (este sim uma campanha publicitária do F-14). Thierry Cazals e Paul Virilio abominaram o filme, passando por cima de suas qualidades para acusar uma suposta máquina de recrutamento militar dos anos Reagan. É menosprezar demais James Cameron, que já havia realizado o primeiro O Exterminador do Futuro... É ignorar que todo o armamento e toda a munição se provam inúteis (como a própria Newt havia avisado) diante dos inimigos insondáveis... E é ignorar também a crítica feroz que Aliens direciona ao poder corporativo (indissociável da indústria bélica num país onde a guerra é um negócio), personificado em Burke (Paul Reiser), o almofadinha disposto a tudo, sobretudo a trair os demais e expô-los à morte somente para defender os interesses comerciais de sua empresa. Apesar de enxergar o filme de forma meio torta, Virilio comenta algo bastante interessante: em se tratando de uma “intervenção cirúrgica sobre um planeta-tumor”, é natural que “algumas sequências rodadas na fábrica de atmosfera, o pulmão do planeta Acheron [LV-426], façam pensar nas imagens de uma endoscopia, visita medicinal ao interior das trevas viscerais, desse mal encarnado em um objeto celeste” (“L'engin exterminateur”, Cahiers du Cinéma nº 388, outubro/1986). As imagens captadas em vídeo pelos fuzileiros que exploram o interior da fábrica, e transmitidas para o comandante no veículo-base, realmente parecem a endoscopia de um organismo tenebroso e remetem à idéia de guerra cirúrgica.

No clímax final, Ripley utiliza uma espécie de robô-empilhadeira como arma, ou melhor, como prótese maquínica que lhe permite entrar no confronto em pé de igualdade com seu oponente – no caso, a gigantesca alien-rainha. O combate ocasiona, portanto, a potencialização da força física da heroína, que “veste” aquela empilhadeira cuja estrutura metálica funciona à maneira de um exoesqueleto robótico (hibridização mecânica do corpo anterior à hibridização digital do T-1000 em O Exterminador do Futuro 2). Mais uma prova da imbatível engenhosidade de James Cameron.

Luiz Carlos Oliveira Jr.