sombras elétricas
Jiang Xiao, Meng Ying Tong Nian, China, 2004

Jiang Xiao cria seu Sombras Elétricas partindo de elementos familiares aos espectadores. Que são acima de tudo figuras que guardam afinidades entre si, sejam eles chineses, compatriotas do diretor, ou brasileiros, freqüentadores de um festival de cinema. Desde a primeira apresentação dos protagonistas, um simpático ciclista entregador de água, e uma garota muda e problemática, o filme transita por terrenos previamente explorados, sem nunca pensar em se direcionar por vias mais arriscadas.

Quando os incidentes programados pelo roteiro levam Mao Dabing, o entregador, a visitar o apartamento-cinemateca da moça Ling Ling (presa após agredi-lo), encontrando escritos que o levam de volta ao passado, o filme se instala definitivamente no campo de arquétipos consagrados do melodrama: a opressão da figura feminina, amizade entre crianças, incontáveis perdas e separações. Coroa tudo isso uma recorrente evocação do próprio cinema, velhos filmes resguardados na memória afetiva da audiência. E mesmo que os filmes chineses citados em Sombras Elétricas venham a ser desconhecidos de uma platéia estrangeira como a nossa, eles não deixam em nenhum momento de resguardar uma familiaridade, o que consagra o cinema popular, independente de sua origem, como elemento de um inconsciente coletivo universal.

É assim que, sem ousar, sempre “jogando para a galera”, Jiang Xiao vai usando do poder da sedução. Seu melodrama, mesmo sem um pingo de originalidade, consegue cativar e manter um interesse. O diretor sabe bem o que faz, domina suas pretensões. No entanto, ao se aproximar do terço final, os elementos melodramáticos passam a transcender os limites do tolerável. Excessos tomam conta da trama e Sombras Elétricas perde parte de seu encanto meio naif. Cabe ao espectador discernir entre os limites de se deixar levar pela emoção rasteira, ou manter a frieza do senso crítico. Mas, pensando bem, essas duas experiências aparentemente diversas podem na verdade não ser nada incompatíveis. E acima de tudo essenciais para uma fruição deste Sombras Elétricas.

Gilberto Silva Jr.