O “4.0” do título se prova bastante
oportuno, pois a aventura que faz o detetive John McClane
retornar ao cinema é como uma obra de engenharia, um
modelo de carro atualizado. Duro de Matar em novo design, novo motor, mais peças, quatro cilindros
extras de impacto visual. As principais cenas se destacam
pelos efeitos de hipérbole que os filmes anteriores
já traziam, e Len Wiseman
mostra surpreendente desenvoltura nas gags de ação (a
seqüência no túnel, a luta entre McClane
e Mai no fosso do elevador, a perseguição do caça aéreo). À
medida que o herói pula de um meio de transporte a outro,
a narrativa vai se construindo. De helicóptero a caminhão,
passando por uma viatura da polícia e um carro velho,
McLane pilota de tudo, mostra
sua adaptabilidade ao mundo mecânico – até surfar
um jato F-35 ele consegue. Já quando o assunto é computador,
Internet, era digital/virtual, sua ignorância é completa e confessa (ele
até se orgulha disso, de certa maneira). “Um relógio
de corda perdido no mundo digital”, o vilão provoca.
Duro de Matar
4.0 segue o princípio de expansão da série, que
se deslocou de um modelo de aventura condensada no tempo-espaço
– toda a ação se dando em uma única noite num arranha-céu
– para uma trama pipocada no mapa. No terceiro filme,
a invasão terrorista já era extrapolada à cidade de
Nova York como conjunto. Agora é toda a América que
está ameaçada, por meio de uma pane geral que um grupo
de terrorismo provoca nos sistemas de energia, telecomunicação
e defesa do país. John McClane
já não é mais um herói por acidente, não cai na aventura
tão de pára-quedas assim, ainda que ele continue brincando
de estar sempre no lugar errado na hora errada. O filme
sabe que ele é o cara. McClane
é um mito. Sua missão é proteger o hacker Matt
(Justin Long) dos inimigos que querem
matá-lo a qualquer preço, da mesma forma que fizeram
antes com outros ratos de computador que poderiam ajudar
o governo. Matt é a última
esperança de tirar a rede informática norte-americana
do caos. Desse modo, como nos outros filmes, McClane
conta com um cúmplice, alguém para dividir a injeção
de adrenalina. A relação entre o policial durão e o
jovem assustadiço é o ingrediente buddy movie, que sempre foi um dos traços característicos
da franquia Die Hard. Completando
os “movimentos obrigatórios” do enredo, McClane
aproveita a situação-limite para resolver questões familiares,
dessa vez com a filha (Mary Elizabeth Winstead,
de Premonição 3,
posando aqui de tough girl).
Na metade do filme, Matt pede
a ajuda de um outro hacker, Warlock
(Kevin Smith, escalado para o papel por razões óbvias).
Warlock é algo como um estereótipo
mor do hacker. Ele é gordo, nerd,
anti-social e mora com a mãe esquisita. No porão da
sua casa, há um acervo evolutivo da era eletrônica,
onde coleciona desde heróis das primeiras ficções científicas
a videogames de última geração, e opera desde antigos
rádios transmissores a computadores de ponta. Ele conecta
as duas épocas representadas pelos protagonistas do
filme, preenchendo a lacuna entre a geração de McClane,
old school, e a
de Matt, que vive radicalmente
nos signos do presente.
O mais clássico personagem de Bruce
Willis continua afiado nos comentários engraçadinhos à beira
da morte, assim como sua resistência física está mais
inverossímil que nunca. O roteirista foi cuidadoso ao
manter essas marcas registradas do personagem sem transformá-lo
em dinossauro, utilizando as piadas internas com moderação.
Há alguns clichês de thriller político pós-11/9, a exemplo
do inimigo que tem sotaque estrangeiro
mas é cria da casa, perigo endógeno, essa idéia
de que o Mal se dissemina como um vírus etc e tal. Mas
a abordagem do terrorismo virtual rende passagens interessantíssimas,
como a mixagem de discursos de vários presidentes dos
EUA, bela cena de pirataria audiovisual, ou aquela outra,
tão forte quanto algumas colisões de carro do filme,
da implosão virtual da Casa Branca, um terrorismo psicológico
que mexe de forma bem assustadora com o trauma do ataque
ao WTC (grande ponto de mutação da ficção paranóica,
situado no meio do intervalo entre Duro de Matar – A Vingança, de 1995, e este novo retorno de John McClane). Duro de Matar
4.0 é na maior parte do tempo um blockbuster de ação mediano, mas com momentos em que surge um algo mais.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
|