Muitas
vezes, pode se transformar em um interessante exercício
a experiência audiovisual de voltar à atenção para filmes
ou séries de tv assistidas ao longo de nossa infância.
Mais do que um simples exercício de nostalgia, tal experiência
se revela válida pelo novo olhar e pelo renovado enfoque
que desemboca a partir dela. Igualmente curiosa é a
experiência de assistir novas versões ou “atualizadas”
roupagens dessas mesmas séries que víamos quando ainda
usávamos “calças curtas”. A maioria das séries, tanto
as vinculadas pelo cinema quanto pela televisão (ou
em ambos os meios) são geralmente lembradas dentro do
contexto da época em que foram produzidas. Isso ocorre
devido ao caráter grandiosamente iconográfico desses
produtos. As constantes “atualizações” e novas versões
que eles podem ter ao longo dos anos não eliminam ou
apagam as suas origens espaciais e cronológicas.
Os exemplos de séries de tv, histórias em quadrinhos
e desenhos animados produzidos nas décadas de 50/60
que ganharam no cinema uma “cara nova” nos últimos anos
compõem uma extensa lista. Na grande maioria dos casos,
o processo de readaptação temporal e de “modernização”
do conceito visual do modelo original não deu resultado
muito feliz. É muito estranho (para não fugirmos de
alguns exemplos) ver Denis, o pimentinha com
aquele macacãozinho, manuseando um estilingue (roupa
e objeto de qualquer garoto dos anos 50) no meio da
paisagem urbana da década de 90. A mesma sensação ocorre
ao vermos a versão cinematográfica dos Batutinhas:
o intrépido grupo de garotos vestidos de anos 20 transita
por um shopping center. A questão não se resolveria
apenas pela atitude de colocar figurinos contemporâneos
no corpo desses personagens. Ou, para ficar ainda mais
fácil, de situar a ação da narrativa na década em que
eles foram criados. Nenhuma dessas alternativas seriam
capazes, por elas mesmas, de garantir um bom resultado
na transposição para os nossos dias de um personagem
de outrora.
Ao assistirmos ao DVD de Ultraman, The Next,
sentimos algo mais ou menos similar. É claro que, no
caso do super-herói japonês, isso é sentido mais diretamente
por nós, espectadores brasileiros. Nós tivemos a oportunidade
de assistir à série de tv quando ela era exibida no
SBT entre o final da década de 70 e meados da de 80.
Alguns anos depois, ela voltou através de algumas reprises.
A lembrança que nós temos é a daquele Ultraman precariamente
dublado do SBT. No Japão, o personagem foi continuamente
reeditado – logo, os espectadores japoneses puderam
acompanhar a sua “evolução” através dos tempos. Dos
anos 60 para cá, o Ultraman protagonizou 8 longas-metragens
feitos diretamente para o cinema e mais ou menos uns
seis produzidos exclusivamente para a televisão, além
das várias temporadas de séries de tv dividida em episódios
semanais. Sem termos tido acesso a essas produções,
somos obrigados a dar um salto do velho Ultraman
do SBT para esse do DVD lançado recentemente no
Brasil.
E o que esse Ultraman dos anos 2000 nos revela?
Apesar do super-herói ter estrelado dois longas em 1998
e um em 2000, o filme de 2004 opta por contar a saga
do personagem desde o início. Nos é contada a origem
do super-herói. Sabemos, pelo filme, como nasceu o Ultraman.
A causa da transformação de um pacato cidadão (aqui,
um aviador da força aérea japonesa) em uma quase divindade,
obedece ao antigo clichê seguido por uma infinidade
de super-heróis: um acidente como o detonador de tudo.
Porém, no meio de todos esses lugares-comuns, o que
de certa forma diferencia o super-herói japonês dos
demais é que a sua fraqueza é justamente o seu maior
poder. E esse ponto fraco não é um objeto específico
(como a criptonita do Superman) e sim um elemento
não material que está dentro dele: a sua porção humana.
Essa porção faz com que ele seja mais débil fisicamente
do que os seus inimigos monstrengos. É por causa dessa
metade humana que ele está sempre prestes a ser aniquilado.
Porém, ela também fornece a “bondade” que existe no
coração de todos os seres humanos. Graças a esse elemento,
ele não é um monstro selvagem e assassino como os outros
e sim um monstro “útil”, um monstro do “bem”. O autor
do Ultraman acredita que o Homem é um ser essencialmente
bom, que o desejo de fazer o bem está presente em todos
nós e que o mal que nos destrói surge através de elementos
externos, esses representados pela imagem de um monstro
horrendo e deformado. Temos que matar esses elementos
que não emanam da nossa natureza, essas malignas substâncias
que vêm de fora, que não nos pertencem e que querem
nos derrotar. Com essa moral básica, de forma convencional,
a escolha estratégica da profissão do protagonista faz
uma simplória analogia com a dinâmica do Ultraman,
e ela é didaticamente explicada no final. Ultraman
The Next, apesar de todos os seus efeitos visuais
cafonas e de ser apenas mais um filme comercial japonês
de “monstros”, vale a pena ser assistido, pela curiosidade.
Estevão Garcia
(DVD Impact Records)
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