ULTRAMAN, THE NEXT - O FILME
Kazuya Konaka, Japão, 2004

Muitas vezes, pode se transformar em um interessante exercício a experiência audiovisual de voltar à atenção para filmes ou séries de tv assistidas ao longo de nossa infância. Mais do que um simples exercício de nostalgia, tal experiência se revela válida pelo novo olhar e pelo renovado enfoque que desemboca a partir dela. Igualmente curiosa é a experiência de assistir novas versões ou “atualizadas” roupagens dessas mesmas séries que víamos quando ainda usávamos “calças curtas”. A maioria das séries, tanto as vinculadas pelo cinema quanto pela televisão (ou em ambos os meios) são geralmente lembradas dentro do contexto da época em que foram produzidas. Isso ocorre devido ao caráter grandiosamente iconográfico desses produtos. As constantes “atualizações” e novas versões que eles podem ter ao longo dos anos não eliminam ou apagam as suas origens espaciais e cronológicas.

Os exemplos de séries de tv, histórias em quadrinhos e desenhos animados produzidos nas décadas de 50/60 que ganharam no cinema uma “cara nova” nos últimos anos compõem uma extensa lista. Na grande maioria dos casos, o processo de readaptação temporal e de “modernização” do conceito visual do modelo original não deu resultado muito feliz. É muito estranho (para não fugirmos de alguns exemplos) ver Denis, o pimentinha com aquele macacãozinho, manuseando um estilingue (roupa e objeto de qualquer garoto dos anos 50) no meio da paisagem urbana da década de 90. A mesma sensação ocorre ao vermos a versão cinematográfica dos Batutinhas: o intrépido grupo de garotos vestidos de anos 20 transita por um shopping center. A questão não se resolveria apenas pela atitude de colocar figurinos contemporâneos no corpo desses personagens. Ou, para ficar ainda mais fácil, de situar a ação da narrativa na década em que eles foram criados. Nenhuma dessas alternativas seriam capazes, por elas mesmas, de garantir um bom resultado na transposição para os nossos dias de um personagem de outrora.

Ao assistirmos ao DVD de Ultraman, The Next, sentimos algo mais ou menos similar. É claro que, no caso do super-herói japonês, isso é sentido mais diretamente por nós, espectadores brasileiros. Nós tivemos a oportunidade de assistir à série de tv quando ela era exibida no SBT entre o final da década de 70 e meados da de 80. Alguns anos depois, ela voltou através de algumas reprises. A lembrança que nós temos é a daquele Ultraman precariamente dublado do SBT. No Japão, o personagem foi continuamente reeditado – logo, os espectadores japoneses puderam acompanhar a sua “evolução” através dos tempos. Dos anos 60 para cá, o Ultraman protagonizou 8 longas-metragens feitos diretamente para o cinema e mais ou menos uns seis produzidos exclusivamente para a televisão, além das várias temporadas de séries de tv dividida em episódios semanais. Sem termos tido acesso a essas produções, somos obrigados a dar um salto do velho Ultraman do SBT para esse do DVD lançado recentemente no Brasil.

E o que esse Ultraman dos anos 2000 nos revela? Apesar do super-herói ter estrelado dois longas em 1998 e um em 2000, o filme de 2004 opta por contar a saga do personagem desde o início. Nos é contada a origem do super-herói. Sabemos, pelo filme, como nasceu o Ultraman. A causa da transformação de um pacato cidadão (aqui, um aviador da força aérea japonesa) em uma quase divindade, obedece ao antigo clichê seguido por uma infinidade de super-heróis: um acidente como o detonador de tudo. Porém, no meio de todos esses lugares-comuns, o que de certa forma diferencia o super-herói japonês dos demais é que a sua fraqueza é justamente o seu maior poder. E esse ponto fraco não é um objeto específico (como a criptonita do Superman) e sim um elemento não material que está dentro dele: a sua porção humana.

Essa porção faz com que ele seja mais débil fisicamente do que os seus inimigos monstrengos. É por causa dessa metade humana que ele está sempre prestes a ser aniquilado. Porém, ela também fornece a “bondade” que existe no coração de todos os seres humanos. Graças a esse elemento, ele não é um monstro selvagem e assassino como os outros e sim um monstro “útil”, um monstro do “bem”. O autor do Ultraman acredita que o Homem é um ser essencialmente bom, que o desejo de fazer o bem está presente em todos nós e que o mal que nos destrói surge através de elementos externos, esses representados pela imagem de um monstro horrendo e deformado. Temos que matar esses elementos que não emanam da nossa natureza, essas malignas substâncias que vêm de fora, que não nos pertencem e que querem nos derrotar. Com essa moral básica, de forma convencional, a escolha estratégica da profissão do protagonista faz uma simplória analogia com a dinâmica do Ultraman, e ela é didaticamente explicada no final. Ultraman The Next, apesar de todos os seus efeitos visuais cafonas e de ser apenas mais um filme comercial japonês de “monstros”, vale a pena ser assistido, pela curiosidade.


Estevão Garcia

(DVD Impact Records)