O AMOR NÃO TIRA FÉRIAS
Nancy Meyers, The Holiday, EUA, 2006

Já aprendemos com Nancy Meyers que é preciso ouvir a mulher que existe dentro de nós, para que eventualmente também consigamos entender o que elas realmente querem (e não importa que esta descoberta confirme todas as piadas machistas que ouvimos há séculos). Depois veio a lição da maturidade, Diane Keaton, ativista do just say no à cirurgia plástica, provando que é possível sim ser tudo o que a contemporaneidade exige e ainda ter que escolher entre Keanu Reeves e Jack Nicholson (o dilema da mulher do século XX, diga-se). Este novo filme, é claro, vem com suas aulas de civismo feminista na manga, mas era difícil imaginar que uma diretora de posição tão marcada nessa cinematografia de entretenimento esperto e socialmente responsável que a consciência pesada de Hollywood produz de tempos em tempos poderia se rebelar tanto contra a estrutura doutrinária que parecia mover seu trabalho até aqui. Porque, de todas as lições a que somos obrigados novamente a nos submeter, a mais importante aparece carregada de um cretinismo tão honesto que chega a encantar: que fique claro, de O Amor Não Tira Férias para adiante, que apenas pessoas muito bonitas têm direito a personalidades cativantes, humor inteligente e dramas de algum interesse. Aos feios do mundo restam as migalhas: amores previsíveis, mas não-consumados, trabalho voluntário com a terceira idade e a possibilidade de viver numa casa fabulosa por duas semanas, como prêmio de consolação. O nome disso não é outro senão "revolução".

Ou "preguiça", ou "desastre de roteiro e montagem", ou mesmo pura falta de talento para realmente dizer alguma coisa que não precise dos positivos temas de Natal repetidos na trilha sonora ou da boa vontade do espectador em ignorar as lacunas de imaginação para se efetivar enquanto mensagem (porque a idéia de fazer cinema com imagem já foi descartada há muito tempo). Sim, aqui a simples oferta de elementos dramáticos parece ser o bastante para fazer o filme acontecer, e desse modo Nancy Meyers abdicará de qualquer oportunidade de encenação sempre que estes artifícios de escape estiverem disponíveis. É desse modo que o cinema, que não tem nada a ver com isso, é chamado à linha de frente de O Amor Não Tira Férias. A impossibilidade da comédia romântica a essa altura do campeonato é um fato conhecido por Meyers, e se é preciso investir nesta linha uma vez mais, a única alternativa é a metalinguagem, que num golpe só se presta ao reconhecimento da matriz enquanto cânone e ao atestado de inteligência do próprio filme, afinado ao contemporâneo em toda sua sede por referências.

Mas, de novo, metalinguagem? Não, parasita-linguagem. Estão lá o roteirista da velha Hollywood, que recupera os ensinamentos do drama clássico para mostrar à jovem desiludida que sua vida vale mais do que as baixezas a que o amor errado a submetera, ou o candidato a namorado desta jovem desiludida, que compõe trilhas sonoras para cinema e vai escrevendo a música de sua própria relação recém iniciada, tudo culminando na vida curta e grossa da produtora de trailers, ela mesma sujeita – por uma voz off superior, quase divina, típica do formato – à existir como propaganda antecipatória e reduzida de um produto muito maior, ao qual ainda não tem acesso. Em nenhum momento O Amor Não Tira Férias se dispõe a efetivamente dialogar com essa fonte de inspiração tão poderosa, criando um monstro interior absolutamente destrutivo para suas próprias forças: as melhores cenas do filme não são dele, mas sim dos clássicos do gênero que Howard Hawks e Ernst Lubitsch um dia produziram, e que têm pequenos trechos seus mostrados ou comentados aqui, constrangidos à condição de "homenageados de uma época de ouro".

Resta, então, a pequenez de toda validação medíocre de um filme como testemunho "real" sobre os amores e suas alegrias e decepções, como inventário de diálogos sagazes e sinceros sobre o que é se relacionar com alguém, a identificação com uma situação vivida pessoalmente e que encontra, quase por destino, um desdobramento no cinema, "uma história como a nossa, como aquelas que experimentamos", sem que qualquer esforço seja feito de uma parte e de outra: se é preciso que a diretora de trailers seja uma workaholic durona e de coração inabalável, que se monte logo uma personagem que não chora desde os 15 anos de idade, e que se faça piada a cada vez que, mãos abanando em torno do rosto e olhos apertados, ela tente romper a barreira da emoção (uma derivação espirituosa do drama que, para se falar da incomunicabilidade de uma jovem japonesa marcada pelo suicídio de mãe e perdida na esteira da puberdade numa cidade gigante como Tóquio, torna sua personagem uma surda-muda, delicadeza gentilmente cedida por Alejandro González Iñárritu).

E na confusão de se falar de tanta coisa sem que se diga nada, na verdade, O Amor Não Tira Férias acaba deixando essa impressão de que existe mesmo para comprovar que é com os Jude Laws e Cameron Diaz da vida que devemos nos importar, porque com eles ainda é possível se divertir um pouco (e eventualmente até vê-lo seminus na cama). Aos Jack Blacks e Kate Winslets, longe de qualquer discurso sobre a força da mulher na busca de um equilíbrio saudável entre a carreira e vida pessoal, longe das homenagens ao cinema de ontem, resta mesmo esperar por um filme que não faça do darwinismo e da seleção natural sua única e mais honesta paixão.


Rodrigo de Oliveira