Já
aprendemos com Nancy Meyers que é preciso ouvir
a mulher que existe dentro de nós, para que eventualmente
também consigamos entender o que elas realmente
querem (e não importa que esta descoberta confirme
todas as piadas machistas que ouvimos há séculos).
Depois veio a lição da maturidade, Diane
Keaton, ativista do just say no à cirurgia
plástica, provando que é possível
sim ser tudo o que a contemporaneidade exige e ainda
ter que escolher entre Keanu Reeves e Jack Nicholson
(o dilema da mulher do século XX, diga-se). Este
novo filme, é claro, vem com suas aulas de civismo
feminista na manga, mas era difícil imaginar
que uma diretora de posição tão
marcada nessa cinematografia de entretenimento esperto
e socialmente responsável que a consciência
pesada de Hollywood produz de tempos em tempos poderia
se rebelar tanto contra a estrutura doutrinária
que parecia mover seu trabalho até aqui. Porque,
de todas as lições a que somos obrigados
novamente a nos submeter, a mais importante aparece
carregada de um cretinismo tão honesto que chega
a encantar: que fique claro, de O Amor Não
Tira Férias para adiante, que apenas pessoas
muito bonitas têm direito a personalidades cativantes,
humor inteligente e dramas de algum interesse. Aos feios
do mundo restam as migalhas: amores previsíveis,
mas não-consumados, trabalho voluntário
com a terceira idade e a possibilidade de viver numa
casa fabulosa por duas semanas, como prêmio de
consolação. O nome disso não é
outro senão "revolução".
Ou "preguiça", ou "desastre de
roteiro e montagem", ou mesmo pura falta de talento
para realmente dizer alguma coisa que não
precise dos positivos temas de Natal repetidos na trilha
sonora ou da boa vontade do espectador em ignorar as
lacunas de imaginação para se efetivar
enquanto mensagem (porque a idéia de fazer
cinema com imagem já foi descartada há
muito tempo). Sim, aqui a simples oferta de elementos
dramáticos parece ser o bastante para fazer o
filme acontecer, e desse modo Nancy Meyers abdicará
de qualquer oportunidade de encenação
sempre que estes artifícios de escape estiverem
disponíveis. É desse modo que o cinema,
que não tem nada a ver com isso, é chamado
à linha de frente de O Amor Não Tira
Férias. A impossibilidade da comédia
romântica a essa altura do campeonato é
um fato conhecido por Meyers, e se é preciso
investir nesta linha uma vez mais, a única alternativa
é a metalinguagem, que num golpe só se
presta ao reconhecimento da matriz enquanto cânone
e ao atestado de inteligência do próprio
filme, afinado ao contemporâneo em toda sua sede
por referências.
Mas, de novo, metalinguagem? Não, parasita-linguagem.
Estão lá o roteirista da velha Hollywood,
que recupera os ensinamentos do drama clássico
para mostrar à jovem desiludida que sua vida
vale mais do que as baixezas a que o amor errado a submetera,
ou o candidato a namorado desta jovem desiludida, que
compõe trilhas sonoras para cinema e vai escrevendo
a música de sua própria relação
recém iniciada, tudo culminando na vida curta
e grossa da produtora de trailers, ela mesma
sujeita – por uma voz off superior, quase divina,
típica do formato – à existir como propaganda
antecipatória e reduzida de um produto muito
maior, ao qual ainda não tem acesso. Em nenhum
momento O Amor Não Tira Férias
se dispõe a efetivamente dialogar com essa fonte
de inspiração tão poderosa, criando
um monstro interior absolutamente destrutivo para suas
próprias forças: as melhores cenas do
filme não são dele, mas sim dos clássicos
do gênero que Howard Hawks e Ernst Lubitsch um
dia produziram, e que têm pequenos trechos seus
mostrados ou comentados aqui, constrangidos à
condição de "homenageados de uma
época de ouro".
Resta, então, a pequenez de toda validação
medíocre de um filme como testemunho "real"
sobre os amores e suas alegrias e decepções,
como inventário de diálogos sagazes e
sinceros sobre o que é se relacionar com alguém,
a identificação com uma situação
vivida pessoalmente e que encontra, quase por destino,
um desdobramento no cinema, "uma história
como a nossa, como aquelas que experimentamos",
sem que qualquer esforço seja feito de uma parte
e de outra: se é preciso que a diretora de trailers
seja uma workaholic durona e de coração
inabalável, que se monte logo uma personagem
que não chora desde os 15 anos de idade, e que
se faça piada a cada vez que, mãos abanando
em torno do rosto e olhos apertados, ela tente romper
a barreira da emoção (uma derivação
espirituosa do drama que, para se falar da incomunicabilidade
de uma jovem japonesa marcada pelo suicídio de
mãe e perdida na esteira da puberdade numa cidade
gigante como Tóquio, torna sua personagem uma
surda-muda, delicadeza gentilmente cedida por Alejandro
González Iñárritu).
E na confusão de se falar de tanta coisa sem
que se diga nada, na verdade, O Amor Não Tira
Férias acaba deixando essa impressão
de que existe mesmo para comprovar que é com
os Jude Laws e Cameron Diaz da vida que devemos nos
importar, porque com eles ainda é possível
se divertir um pouco (e eventualmente até vê-lo
seminus na cama). Aos Jack Blacks e Kate Winslets, longe
de qualquer discurso sobre a força da mulher
na busca de um equilíbrio saudável entre
a carreira e vida pessoal, longe das homenagens ao cinema
de ontem, resta mesmo esperar por um filme que não
faça do darwinismo e da seleção
natural sua única e mais honesta paixão.
Rodrigo de Oliveira
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