Se
pensarmos nos chamados “gêneros” de filmes enquanto
rótulos usados para classificá-los e aprisioná-los em
prateleiras de locadoras, Babel seria inevitavelmente
considerado um “drama”. Mas, ao se assistir ao filme,
ficam patentes as intenções do diretor Iñárritu e de
seu roteirista Guillermo Arriaga em criar algo que transcenda
os limites do drama, e até mesmo da tragédia, em termos
de dramaturgia e concepção cinematográfica. Desde Amores
Brutos (2000), a obra da dupla vem impregnada por
uma noção de fatalismo a partir do qual pequenos atos
ou ocorrências acabariam por determinar eventos drásticos
nas vidas dos personagens. Já em Babel, os feitos
dramáticos que antes se restringiam aos limites de uma
cidade atingem proporções universais.
Assim Babel se sustenta principalmente como a
defesa por seus criadores da tese – desde o início frágil
e discutível, diga-se logo – de um “fatalismo globalizado”.
Com isso, um tiro disparado dentro daquilo que não passaria
de uma mera brincadeira de garotos, geraria conseqüências
extremas nas vidas de indivíduos espalhados por três
continentes. Na verdade, Babel acaba por se configurar
num redundante tratado sobre as mazelas do mundo moderno
(ou seriam mazelas atemporais): intolerância, preconceito,
desamor. Para Iñárritu e Arriaga, o mundo está condenado
a naufragar caso homens e mulheres não abram os olhos
e atendam ao chamado do amor e da compreensão. O filme
trabalha com três histórias conectadas e paralelas para
desaguar em um clímax com seqüências de dramaticidade
hiperbólica. O grito por socorro da babá mexicana no
deserto e o uivo da japonesinha surda acabam soando
como se resumissem um pedido de socorro vindo de toda
a humanidade. A reconciliação do casal Brad Pitt/Cate
Blanchett às portas da morte e em meio a sangue e urina
sintetiza toda uma possibilidade de redenção da espécie
perante a derrocada total. Tudo transcende os limites
suportáveis do exagero, calcando-se na desculpa de construir
um chamado à tolerância.
Iñárritu e Arriaga acreditam de forma bastante convicta
em sua proposta e não poupam esforços para seduzir o
espectador em aderir a ela. Não há como negar que ao
diretor e ao roteirista não falta um domínio artesanal
em manter a atenção de quem assiste às 2 horas e 20
de projeção, mesmo que não se compactue com aquilo que
se vê na tela. E sua convicção contagia o elenco, que
se entrega fervorosamente, em especial Brad Pitt, com
uma atuação que impressiona. Porém um olhar mais atento
e cético certamente levará à constatação de que os recursos
narrativos apresentados em Babel quase sempre
não passam de fáceis estratégias de sedução e manipulação.
Não só pelo seu sentimentalismo humanista, mas também
pelas opções estéticas da direção. Iñárritu vai filmar
os diferentes espaços onde situa o filme partindo de
modelos já familiares e consagrados. Assim a parte do
Marrocos é filmada de modo a reproduzir um estilo bem
próximo ao visual de um filme iraniano. Da mesma forma,
as imagens de Tóquio vão trazer a lembrança de como
a cidade foi filmada por Sofia Coppola em Encontros
e Desencontros. Iñárritu não poupa clichês nem mesmo
quando retrata seu México natal. Costura seus fragmentos
através de uma edição que transmite um clima que pode
ser definido como um “caos estudado”, segundo o modelo
incorporado em Traffic, de Steven Soderbergh,
trabalhando inclusive com o mesmo montador, Stephen
Mirrione.
Toda a falta de sutileza e reiteração apelativa pode
ser resumida em uma seqüência: aquela em que a jovem
japonesa vai a uma festa na qual a profusão excessiva
de luzes e cores, somada a cortes abruptos e a uma edição
de som que alterna música estridente e silêncios que
reproduzem o ponto de vista da menina surda; tudo parecendo
alertar de forma agressiva que algo está errado, que
algum tipo de bomba está prestes a explodir. Com isso,
Iñárritu extravasa sua intenção de conceber Babel
como um tapa na cara que funcionaria para acordar
seu interlocutor de uma apatia perante questões pertinentes
às quais ele permaneceria cego. Só que o efeito atingido
é justamente o oposto, como o de se tomar um potente
e dolorido coice; experiência traumática que pretendemos
simplesmente esquecer e não mais repetir.
Gilberto Silva Jr.
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