Que
lição tirar de A Grande Família
além da confirmação da máxima
de H. L. Mencken de que nunca ninguém foi à
falência subestimando a inteligência das
massas? Pois o filme de Maurício Farias, se tem
ao menos o mérito de manter o charme dos personagens
e, em alguma medida, a fluência da série
televisiva que cativa os espectadores da Globo, é
cheio de inoperâncias, recheado de problemas técnicos,
desastradamente concebido e realizado. Num momento,
é como se parecesse que basta colocar atores
conhecidos interpretando papéis conhecidos do
público que não é mais necessário
ter cuidado com o enquadramento, com a iluminação,
com a continuidade, com a lógica interna dos
personagens, com o equilíbrio narrativo, com
o acabamento, que dirá com a construção
de uma visualidade criteriosa que constrói e
toma partido do mundo (o que queremos dizer sempre que
usamos a palavra mise en scène): basta
que se entregue numa bandeja de lata amassada o feijão
com arroz de todos os dias que, magnificado pela tela
do cinema, parece um banquete. Ganham os produtores,
ganha o público, perde o cinema. Quem se importa?
Em todo caso, não dá pra simplesmente
estender um programa de televisão para o tamanho
de um longa-metragem e pronto. É preciso uma
lustrada geral, uma desculpinha para justificar aos
ligeiramente teimosos a passagem para a tela grande.
A saída encontrada é a bem batida fórmula
das três possibilidades, do efeito de "e
se..." que deriva naturalmente de uma influência
longínqua do conto de natal de Dickens. Lineu,
o patriarca interpretado por Marco Nanini, vai ao médico
e é defrontado com uma ameaça de câncer.
Primeiro caminho: revolta, interiorização,
antecipação da morte dá
tudo errado. Segundo caminho: esbórnia, tentar
aproveitar o pouco tempo de vida fazendo tudo que não
se fez, bebida, mulheres, oba-oba. Terceiro caminho:
aceitação, glorificação
do próprio cotidiano, valorização
daquilo que se tem. Claro, em se tratando de um registro
da oficialidade (de e para), A Grande Família
termina como uma grande celebração do
status quo, com o elogio da moderação
e da doce vida cheia de neuroses das pequenas famílias
de classe média de subúrbio. Nada além
do esperado, claro. Seria até um tanto inapropriado
pedir um registro diferente. Mas, nesse elogio da estagnação
e da manutenção de um processo
a lógica narrativa e a "mensagem" do
filme parecem corroborar um desejo de autocomplacência
e a ideologia do "se funciona está bom"
, resta em todo caso o sabor amargo de notar que
o célebre mote dos "biscoitos finos para
as massas" de outrora dá hoje lugar ao mais
do mesmo feito de qualquer forma. O pobre Lineu coração
de ouro ao menos teve três oportunidades para
rever sua vida e tomar as decisões que devia.
Talvez se tivesse três oportunidades de dirigir
o mesmo filme, Maurício Farias tivesse na terceira
se saído de maneira menos lamentável.
Ruy Gardnier
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