A GRANDE FAMÍLIA
Maurício Farias, Brasil, 2007

Que lição tirar de A Grande Família além da confirmação da máxima de H. L. Mencken de que nunca ninguém foi à falência subestimando a inteligência das massas? Pois o filme de Maurício Farias, se tem ao menos o mérito de manter o charme dos personagens e, em alguma medida, a fluência da série televisiva que cativa os espectadores da Globo, é cheio de inoperâncias, recheado de problemas técnicos, desastradamente concebido e realizado. Num momento, é como se parecesse que basta colocar atores conhecidos interpretando papéis conhecidos do público que não é mais necessário ter cuidado com o enquadramento, com a iluminação, com a continuidade, com a lógica interna dos personagens, com o equilíbrio narrativo, com o acabamento, que dirá com a construção de uma visualidade criteriosa que constrói e toma partido do mundo (o que queremos dizer sempre que usamos a palavra mise en scène): basta que se entregue numa bandeja de lata amassada o feijão com arroz de todos os dias que, magnificado pela tela do cinema, parece um banquete. Ganham os produtores, ganha o público, perde o cinema. Quem se importa?

Em todo caso, não dá pra simplesmente estender um programa de televisão para o tamanho de um longa-metragem e pronto. É preciso uma lustrada geral, uma desculpinha para justificar aos ligeiramente teimosos a passagem para a tela grande. A saída encontrada é a bem batida fórmula das três possibilidades, do efeito de "e se..." que deriva naturalmente de uma influência longínqua do conto de natal de Dickens. Lineu, o patriarca interpretado por Marco Nanini, vai ao médico e é defrontado com uma ameaça de câncer. Primeiro caminho: revolta, interiorização, antecipação da morte – dá tudo errado. Segundo caminho: esbórnia, tentar aproveitar o pouco tempo de vida fazendo tudo que não se fez, bebida, mulheres, oba-oba. Terceiro caminho: aceitação, glorificação do próprio cotidiano, valorização daquilo que se tem. Claro, em se tratando de um registro da oficialidade (de e para), A Grande Família termina como uma grande celebração do status quo, com o elogio da moderação e da doce vida cheia de neuroses das pequenas famílias de classe média de subúrbio. Nada além do esperado, claro. Seria até um tanto inapropriado pedir um registro diferente. Mas, nesse elogio da estagnação e da manutenção de um processo – a lógica narrativa e a "mensagem" do filme parecem corroborar um desejo de autocomplacência e a ideologia do "se funciona está bom" –, resta em todo caso o sabor amargo de notar que o célebre mote dos "biscoitos finos para as massas" de outrora dá hoje lugar ao mais do mesmo feito de qualquer forma. O pobre Lineu coração de ouro ao menos teve três oportunidades para rever sua vida e tomar as decisões que devia. Talvez se tivesse três oportunidades de dirigir o mesmo filme, Maurício Farias tivesse na terceira se saído de maneira menos lamentável.

Ruy Gardnier