Scrubs,
a série feita por Bill Lawrence – também
criador de Spin City , poderia ser definida,
com algum descaso, apenas como uma paródia ao
seriado dramático de maior sucesso da década
de 90, ER. O ambiente de hospital, a decupagem
que prioriza os planos-seqüências decorrentes
de seus corredores, as piadas em relação
aos procedimentos médicos e o "drama" dos doutores
em relação a si mesmos e aos seus pacientes,
tudo que compõe, à primeira vista, Scrubs,
é ligado àquele seriado que obviamente
serviu de grande inspiração para Bill.
Se assim fosse, já mereceria créditos:
o ritmo de humor é ágil, a quantidade
de piadas altíssima, os atores estão sintonizados,
a direção tem uma decupagem um pouco mais
refinada que a maior parte das séries cômicas,
a paródia pura e simples é e sempre será
bem-vinda. Mas há algo que separa a série
protagonizada por Zach Braff de um episódio de
Saturday Night Live, e que, a cada temporada,
parece mais presente. Em Scrubs, o limite entre
paródia e homenagem, entre drama e comédia,
entre fantasia e realidade não é assim
tão bem definido, e aí está a graça
singular da série.
Há, em cada episódio, um tema, uma linha-mestra,
uma moral que é desenvolvida. Nos últimos
minutos, um monólogo de J.D. (o protagonista)
acompanha todos os personagens principais, resumindo
a lição de vida "aprendida" naquele episódio.
A lição de vida, como em qualquer série
cômica que se preze, é naturalmente ridícula,
e freqüentemente engraçada. Às vezes
feliz, às vezes triste (ou pelo menos consciente
de que a felicidade para alguns não é
sempre a mesma que para outros). Enfim, uma lição
de vida como as outras. Mas, mesmo ridícula,
Bill se recusa a ridicularizá-la. Os personagens
sofrem, e sofremos com eles, brigam, e brigamos com
eles, choram, e choramos com eles, e assim por diante.
Aquilo que é motivo de riso, estranhamente, também
não é.
É claro que essa postura está longe de
ser nova, e grande parte do sucesso de Friends
se devia a essa interseção. Mas, enquanto
em Friends nossa identificação
era dada pelos personagens serem, basicamente, pessoas
como a gente, vivendo situações que poderíamos
também estar vivendo, em Scrubs esta identificação
é muito mais estranha, e portanto também
mais interessante (não necessariamente melhor,
que fique claro). A todo momento a narrativa é
interrompida, implodida, deixada de lado para que um
humor absurdo surja à tona, que carrega o espectador
para fora daquele espaço e, portanto, daqueles
personagens. Nenhum dos atores tem medo de se expor
ao ridículo, e um acontecimento crítico
pode ser deixado de lado em questão de segundos.
Neste sentido, o humor de Scrubs lembra a outra
série cômica de maior sucesso nos anos
90, Seinfeld. Mas, se em Seinfeld, todos
os caminhos levavam única e simplesmente ao humor
(e portanto não havia qualquer espécie
de pudor na condução da narrativa), e
em Friends o humor estava sempre preso a uma
estrutura superior (que, em certa instância, condicionava
o caráter "humano" de seus personagens, como
o amor de Ross e Rachel), Scrubs consegue unir
os dois mundos sem a menor dificuldade. É como
se um fio dramático fosse ao longo do episódio
esquecido, cortado, mas no fim se mantivesse ali, resistente,
sabe-se lá de onde, sabe-se lá a razão.
Uma série livre dos códigos dominantes
– a ponto de independer das risadas falsas da live
audience –, que, talvez por parodiar os mesmos códigos,
acaba, por fim, os homenageando. Dessa indefinição
constante entre ser um Friends amalucado ou um
Seinfeld com sentimento é que Scrubs
dá um passo adiante no percurso das séries
americanas (o mesmo passo que, no sistema de grandes
estúdios, é dado atualmente pelos irmãos
Farrelly ou pela frat pack). Os códigos
estão ali, e já não basta saber
usá-los. É preciso rir deles para que
eles voltem com a força e a intensidade que merecem.
Leonardo Levis
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