That
70s Show chegou ao fim. É uma pena, mas também
a conseqüência lógica para uma série
que já estava mais do que desgastada, procurando
caminhos estranhos para compensar seu esgotamento. À
medida que a década em questão acabava
(os anos 70, é claro), acabavam também
as belas idéias que fizeram a graça do
programa, e que muito nos seduziram durante as primeiras
temporadas, mas que agora já começavam
a cansar, como uma boa piada muito tempo repetida.
A graça e originalidade de That 70s Show
foi, desde o início, evitar o tom nostálgico
tão comum neste novo século (estilo almanaque
anos 70, 80, 90), preferindo uma brincadeira lúdica,
que captava o espírito vivo da época –
sem deixar, é claro, de fazer uma certa homenagem.
O que logo chamava a atenção e criava
de cara uma empatia com o público (de todas as
idades, diga-se de passagem, tanto aqueles que viveram
quanto os que não viveram os anos 70), era a
capacidade de resgatar ícones do passado (os
programas de TV, as roupas, as músicas, os bombons
e salgadinhos) de forma ao mesmo tempo paródica
e sentimental, ou seja, sem passadismo. Em relação
às outras séries, That 70s Show
também apresentava ótimas piadas visuais
(a mais clássica delas é a câmera
em círculo dos momentos de fumo, tão clássica,
aliás, que foi usada como abertura para a última
temporada), que lhe davam uma energia jovem e empolgante.
Os personagens eram razoáveis, com boa personalidade,
mas talvez não suficientemente flexíveis.
Em seriados como Seinfeld, por exemplo, os protagonistas
tinham características arqui-marcadas (a tal
ponto que os atores nunca conseguiram se livrar delas),
mas que permitiam variações ao longo das
temporadas, e por isso nunca se esgotavam. Em That
70s Show, ao contrário – e foi certamente
este o motivo de sua ruína –, os personagens
começaram a cansar e os conflitos foram ficando
repetitivos: Donna nunca dava para Eric; Donna brigava
com Eric por qualquer coisa; Kelso fazia idiotices e
Jackie aceitava; Fez era tarado e nunca conseguia namoradas;
Eric brigava com a irmã vagabunda; Eric sofria
com a educação fria e severa do pai Red...
E mesmo depois, quando os conflitos se resolviam (Donna
finalmente transou com Eric, Fez arranjou uma namorada
psicopata e Kelso e Jackie romperam), a série
não conseguia apresentar novidades com rapidez
e dinamismo. Claro que That 70s Show nunca chegou
a ser tediosa: era uma série bem escrita e com
episódios engraçados, mas acompanhá-la
às vezes parecia uma experiência repetitiva
– uma visão agradável, mas sem grandes
surpresas.
Se fossemos fazer um balanço final, juntando
todas as temporadas e calculando uma média, diríamos
que trata-se, sim, de um bom seriado (duas estrelas
e meia na média, três estrelas em seus
melhores momentos). É provável que no
futuro ela se torne uma série cultuada. Mas nesse
caso seus fãs deverão considerar esta
última temporada (que teve fim nesse mês
de julho) como a mancha negra do programa. Quem viu,
está de testemunha: foi uma temporada tapa-buraco,
realizada de qualquer maneira, com alguns episódios
até razoáveis, mas na maioria constrangedores.
As soluções encontradas para a saída
de duas estrelas (Kelso, o ator mais popular, e Eric,
o protagonista) foram das mais infelizes. Eric Forman
acabou substituído por Randy, um personagem apático,
sem nenhum interesse, e cujo romance com Donna não
acrescentou em nada. A tentativa de colocar o formidável
Leo (aquele carismático e seqüelado riponga)
num papel de mais destaque também não
deu certo. Sem falar no casamento de Hyde com uma stripper
– um força-barra desesperado dos roteiristas...
A solução mais interessante de compensar
as perdas talvez fosse dar um espaço ainda maior
para Red e Kitty – representados por dois dos melhores
atores americanos em atividade, respectivamente Kurtwood
Smith e Debra Jo Rupp, injustamente esnobados por emmys,
golden globes e outras porcarias –, mas é
provável que nem isso funcionasse, na medida
que o próprio Red começava a se esgotar
("Dumb ass!" é mesmo genial, mas chega uma hora
que cansa). Na verdade, os roteiristas preferiram alçar
Jackie e Fez à condição de protagonistas,
forçando-os a um romance absolutamente sem sentido
(aliás, Jackie é a encarnação
do desespero dos roteiristas: ela é o sabonete
de exército da série, já passou
na mão de quase todos os personagens). A verdade
é que esta última temporada chegou a ter
bons episódios (o primeiro episódio arrancou
boas risadas, e a despedida de Kelso – no terceiro –
fez correr algumas lágrimas), mas no geral foi
mal planejada, transformando-se numa série convencional,
nem sempre bem dirigida.
Enfim, os anos 70 acabaram. Que venham os anos 80.
Bolívar Torres
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