Uma
semi-final histórica. Itália e Alemanha
ficaram no vazio no tempo regular, partindo para a prorrogação.
A Alemanha, que nunca havia perdido uma disputa por
pênaltis em copas do mundo, já esperava
pelo embate em que sua frieza triunfaria. A Itália,
que nunca havia vencido uma disputa por pênaltis
em copas, ousou: Lippi, conhecido retranqueiro que tanto
defendeu a Juventus de Turim, La Vecchia Signora, substituiu
arrojadamente, colocando seu time no ataque pela primeira
vez na copa. Não que a Itália fosse incapaz
de atacar, pelo contrário, seus contra-ataques
eram quase mortais, com cinco ou seis avançando
em velocidade formando uma flecha incisiva no campo
do adversário. Mas as substituições
mais comuns operadas pelo técnico eram de ordem
mais cautelosa, tipo tirar um atacante para colocar
um volante, ou coisa parecida.
Já no tempo derradeiro da prorrogação,
quando a ousadia parecia infrutífera, justiça
foi feita, e, aos 13 minutos, Pirlo encontra Grosso
na área, que chuta com efeito petrificando os
incrédulos alemães. Klinsmann, surfista
boa gente, californiano por adoção, a
grande figura da copa, o bonachão que tinha feito
com que simpatizássemos com o time alemão,
teve três pétreos segundos captados pela
câmera, antes de começar a bater freneticamente
palmas de incentivo para o time. Sua face mostrou o
susto, um "o que aconteceu, que será de nós
agora?" momentâneo, mas que não impossibilitou
um fio de esperança de retomar a situação
do minuto anterior, quando o empate parecia ser 99%
de passagem do time para a final, certeiros de um novo
sucesso na bola parada. O time foi pra frente com tudo,
como nunca havia feito na partida. O 14º minuto lembrou
alguns momentos do jogo contra a fechada Polônia
na primeira fase. Parecia o início de um Blitzkrieg
na área da Itália.
Cannavaro, o antagonista de um determinismo germânico,
desarmou garbosamente o ataque. Com pinta de Beckembauer,
estufou o peito, cabeceou para si mesmo, para imediatamente
ligar o contra-ataque mortal. Gilardino recebe, ginga
para a direita e encontra Del Piero livre para fazer
mais um golaço na saída de Lehmann. Mal
se viu a comemoração dos italianos, vitoriosos
com grande justiça. A câmera mostrava Klinsmann,
novamente petrificado por três segundos. Novamente
impelido a bater palmas de incentivo. Mas desta vez
seu rosto, por mais que parecesse idêntico ao
da reação anterior, deixava notar bolsas
de lágrimas prestes a explodir, antes que ele
conseguisse buscar de suas entranhas a força
para impelir novamente o time ao ataque. Não
dava mais tempo. O jogo já atingia os 15 minutos
do segundo tempo da prorrogação, era hora
de se acostumar ao fim de um sonho que parecia mesmo
distante demais, mesmo que tivesse ficado a dois minutos
de se concretizar.
Não seria a graça de um ator, a técnica
de interiorização praticada ali, sem possibilidade
de ensaio, pelo técnico loiro? Seria uma técnica,
controlar suas emoções para que seus jogadores
pudessem absorver a adversidade? Ou seria apenas instinto
paternal, um instinto que, ao mesmo tempo em que escondia
uma fragilidade enorme diante de milhões de espectadores,
poupava o torcedor alemão da imagem mais patética
e nobremente humana de um rotundo fracasso: o choro
desesperado, belo e vulnerável, incômodo
a um anfitrião que tanto lutou para que seus
méritos fossem reconhecidos. Um mundo de hesitações
se passou na cabeça de Klinsmann, um universo
recheado de sensações de impotência,
misturadas, ainda que em doses minúsculas, de
um sentimento de alívio, por não ter mais
que prosseguir na luta quase impossível pelo
campeonato. Um alívio que deveria ser calado,
pois não aceito por ninguém, mas que pode
acontecer a todos. O alívio dos que, como todos
os seres com espírito, se cansam de tanto lutar,
de tanto ansear, de tanto esperar pelo melhor ou pelo
pior.
Nada fará com que eu me esqueça de seu
rosto depois do segundo gol. Não havia nada,
absolutamente nenhum detalhe que fosse sensivelmente
diferente à primeira reação. No
entanto, a diferença era clara. Klinsmann sentiu
o baque. Ameaçou se derramar diante de seus comandados.
Mas recuou. Como um paizão, sentiu que era mais
nobre e urgente consolar, abraçar, dar o ombro
amigo aos choros. Foi o personagem da copa, o craque
dos sentimentos, um autêntico herói romântico,
afinal.
Sérgio Alpendre
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