Qualquer
criança sabe que se houvesse uma luta entre todos os
heróis do universo DC, o Super-Homem venceria. Seja
no ambiente dos quadrinhos, dos desenhos animados ou
do cinema, o Homem de Aço é quase sempre representado,
mesmo que em alguns casos ironicamente, como o herói
idealizado, não somente pelos seus poderes invencíveis,
mas também por ser um verdadeiro estandarte da moral
e da justiça. No que diz respeito a adaptações cinematográficas,
nunca houve um diretor ingênuo o suficiente para contar
uma história em que a única fraqueza de seu protagonista
fosse a kriptonita, como boa parte dos gibis originais
fazia. A fragilidade do herói está na sua dificuldade
de se encaixar na sociedade, de se reconhecer humano.
Não à toa, oposto ao super-homem está Lex Luthor, um
homem sem nenhuma força física sobre-humana, armado
apenas com seu intelecto e com sua capacidade de manipulação.
Superman – O Retorno estabelece uma forte relação
entre esses dois personagens desde as primeiras cenas
através da montagem em paralelo, como que afirmando
uma condição de existência dialética para eles. Se,
durante o período de 5 anos em que o herói esteve fora,
Lois Lane escreveu um artigo intitulado “Por que o mundo
não precisa do Super-Homem” foi porque não havia um
Lex Luthor em atividade para ser combatido. O super-herói
se justifica na existência de um super-vilão e não na
existência de pequenas maldades no mundo.
É aqui que se torna importante uma pequena cena em que
Clark Kent assiste no noticiário, ao voltar a terra,
imagens de guerras e conflitos ao redor do mundo. Além
de manter uma constante nas recentes adaptações dos
quadrinhos para as telas – a de trabalhar com questões
da realidade em um mundo tradicionalmente fantasioso
–, Brian Singer apresenta um lado importante da relação
de seu protagonista com a raça humana. As cenas de calamidade
assistidas por ele na TV não foram causadas por sua
longa ausência e, sim, pela natureza auto-destrutiva
dos seres humanos. Durante todo o resto do filme, veremos
um melancólico Super-Homem – em uma atuação precisa
do novato Brandon Routh – realizar salvamentos no piloto
automático, sem demonstrar saber um motivo de estar
fazendo isso, afinal, ele nem pertence à raça que está
salvando e nem parece fazer diferença nos problemas
reais do mundo. Quase todas as situações em que ele
interfere são causadas por Lex Luthor, um vilão completamente
fora do comum com o poder de trazer o caos súbito ao
planeta. Porém, mesmo constatando que o problema existe
na cena da TV, super-homem não combate, pois não pode
combater, a essência imperfeita – em oposição a perfeição
dele – dos humanos, que geram guerras, degradação do
meio ambiente e todo os tipo de injustiças.
Essa dúvida existencial cujo personagem busca resposta
durante o filme – como se encaixar em uma espécie que
não é sua? Como ser um humano? - já foi manifestada
nos outros da série. A principal diferença deles para
esse último filme é que a resposta oferecida pelos outros
sempre rodava em torno de um senso de dever de salvar
a humanidade, da existência dos Kent como maior ligação
dele com a Terra e de seu amor por Lois, um sentimento
genuinamente humano por uma humana genuína. Em Superman
– O Retorno, o herói inicia o filme tendo passado
5 anos ausente em seu planeta natal, buscando sua essência
que, para Singer, definitivamente não foi encontrada
nos outros filmes. Já vemos que todas as respostas anteriores,
aqui, não farão sentido – sua mãe é praticamente nula
dentro do filme, Jimmy e seus companheiros do planeta
diário não causam mais do que mera simpatia nele, a
humanidade parece não ter salvação como um todo e, enfim,
Lois está casada e tem um filho, ainda por cima sentindo
raiva do super-homem (por ter se sentido usada por ele,
pelo que o filme indica). Clark Kent é um zero à esquerda
desajeitado para ela e para todos os outros (é, aliás,
o grande motivo de ninguém associar Clark com o Super-Homem,
o jornalista aqui não é nem notado como pessoa e não
tem função no mundo), o que mostra a dificuldade que
Kal-El tem de ser um humano normal, algo muito longe
de sua verdadeira existência.
É depois dessa contextualização que o filme toma rumos
pouco pensados, como se Singer não tivesse idéia da
força dos elementos que ele está manipulando. Embora
só fique evidente lá pro final do filme, não demora
a ficar claro que o filho de Lois com Richard, na verdade,
é filho do Superman, herdeiro dos poderes do pai. Ao
dar um filho humano para o Homem de Aço, Brian Singer
parece ter encontrado a resposta definitiva para a busca
de todos os filmes da série, dando ao herói uma extensão
humana e uma razão para salvar o mundo. No entanto,
a existência desse garoto (um fator definitivo para
os próximos filmes) acabou com todo o lado frágil e
depressivo do herói tão forte no filme. Agora, como
aliás mostra muito bem o final – quando quem já é super
se supera e destrói um bloco gigante de kriptonita (!!!)
–, o Superman é só e unicamente um herói idealizado,
sem arqui-inimigos à sua altura, sem questões existenciais.
Resumindo: enfadonho.
Outra decisão mal-calculada foi a de ridicularizar durante
todo o filme o personagem de Lex Luthor junto sua trupe
desastrada do mal. Seu plano mesquinho e mirabolante
a prova de super-homem esquece de cogitar a possibilidade
de se jogar uma bomba atômica no seu pedaço de terra
ou de invadi-la com um exército qualquer. Tornar Lex
Luthor um alivio cômico é o mesmo que questionar a existência
do herói que só existe para combatê-lo, negando a relação
de proximidade estabelecida pela a montagem em paralelo.
Isso porque, como o filme deixa claro na cena já mencionada
em que Clark assiste na TV o caos fora do micro-cosmos
de Metropolis, o Superman não pode tornar os humanos
melhores, nem evitar conflitos entre eles. Todas as
pessoas que o apoiaram durante o filme (tomaram alguma
consciência) poderiam ter feito o mesmo antes e, 5 anos
depois, a humanidade continuou igual. Seu lugar é combatendo
o mal fora do ordinário, que pode dominar o mundo ou
aniquilá-lo subitamente, ou seja, ele não tem lugar
dentro do filme já que Luthor não é realmente uma ameaça.
No entanto, o filme termina com todos os problemas resolvidos:
a humanidade gosta do Superman e ele agora é humano
pois tem um filho humano, Lex Luthor, o único mal que
super-homem pode realmente aniquilar, está servindo
de palhaço para nós em uma ilha deserta e, mesmo casada,
Lois ainda ama o Superman (ah bom!). A musica toca alto,
o nosso herói sai da terra para olhá-la de fora e solta
um sorrisinho (o segundo do filme!), como se tudo estivesse
resolvido. Ele agora é perfeito, mesmo sem uma razão
clara para ser herói e sem poder ajudar a humanidade
em guerra que lhe rendeu um olhar decepcionado diante
da TV, mas tudo está bem, como nos avisa o final atirado
nos espectadores.
Bernardo Barcellos
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