SUPERMAN - O RETORNO
Bryan Singer, Superman Returns, EUA, 2006

Qualquer criança sabe que se houvesse uma luta entre todos os heróis do universo DC, o Super-Homem venceria. Seja no ambiente dos quadrinhos, dos desenhos animados ou do cinema, o Homem de Aço é quase sempre representado, mesmo que em alguns casos ironicamente, como o herói idealizado, não somente pelos seus poderes invencíveis, mas também por ser um verdadeiro estandarte da moral e da justiça. No que diz respeito a adaptações cinematográficas, nunca houve um diretor ingênuo o suficiente para contar uma história em que a única fraqueza de seu protagonista fosse a kriptonita, como boa parte dos gibis originais fazia. A fragilidade do herói está na sua dificuldade de se encaixar na sociedade, de se reconhecer humano. Não à toa, oposto ao super-homem está Lex Luthor, um homem sem nenhuma força física sobre-humana, armado apenas com seu intelecto e com sua capacidade de manipulação.

Superman – O Retorno estabelece uma forte relação entre esses dois personagens desde as primeiras cenas através da montagem em paralelo, como que afirmando uma condição de existência dialética para eles. Se, durante o período de 5 anos em que o herói esteve fora, Lois Lane escreveu um artigo intitulado “Por que o mundo não precisa do Super-Homem” foi porque não havia um Lex Luthor em atividade para ser combatido. O super-herói se justifica na existência de um super-vilão e não na existência de pequenas maldades no mundo.

É aqui que se torna importante uma pequena cena em que Clark Kent assiste no noticiário, ao voltar a terra, imagens de guerras e conflitos ao redor do mundo. Além de manter uma constante nas recentes adaptações dos quadrinhos para as telas – a de trabalhar com questões da realidade em um mundo tradicionalmente fantasioso –, Brian Singer apresenta um lado importante da relação de seu protagonista com a raça humana. As cenas de calamidade assistidas por ele na TV não foram causadas por sua longa ausência e, sim, pela natureza auto-destrutiva dos seres humanos. Durante todo o resto do filme, veremos um melancólico Super-Homem – em uma atuação precisa do novato Brandon Routh – realizar salvamentos no piloto automático, sem demonstrar saber um motivo de estar fazendo isso, afinal, ele nem pertence à raça que está salvando e nem parece fazer diferença nos problemas reais do mundo. Quase todas as situações em que ele interfere são causadas por Lex Luthor, um vilão completamente fora do comum com o poder de trazer o caos súbito ao planeta. Porém, mesmo constatando que o problema existe na cena da TV, super-homem não combate, pois não pode combater, a essência imperfeita – em oposição a perfeição dele – dos humanos, que geram guerras, degradação do meio ambiente e todo os tipo de injustiças.

Essa dúvida existencial cujo personagem busca resposta durante o filme – como se encaixar em uma espécie que não é sua? Como ser um humano? - já foi manifestada nos outros da série. A principal diferença deles para esse último filme é que a resposta oferecida pelos outros sempre rodava em torno de um senso de dever de salvar a humanidade, da existência dos Kent como maior ligação dele com a Terra e de seu amor por Lois, um sentimento genuinamente humano por uma humana genuína. Em Superman – O Retorno, o herói inicia o filme tendo passado 5 anos ausente em seu planeta natal, buscando sua essência que, para Singer, definitivamente não foi encontrada nos outros filmes. Já vemos que todas as respostas anteriores, aqui, não farão sentido – sua mãe é praticamente nula dentro do filme, Jimmy e seus companheiros do planeta diário não causam mais do que mera simpatia nele, a humanidade parece não ter salvação como um todo e, enfim, Lois está casada e tem um filho, ainda por cima sentindo raiva do super-homem (por ter se sentido usada por ele, pelo que o filme indica). Clark Kent é um zero à esquerda desajeitado para ela e para todos os outros (é, aliás, o grande motivo de ninguém associar Clark com o Super-Homem, o jornalista aqui não é nem notado como pessoa e não tem função no mundo), o que mostra a dificuldade que Kal-El tem de ser um humano normal, algo muito longe de sua verdadeira existência.

É depois dessa contextualização que o filme toma rumos pouco pensados, como se Singer não tivesse idéia da força dos elementos que ele está manipulando. Embora só fique evidente lá pro final do filme, não demora a ficar claro que o filho de Lois com Richard, na verdade, é filho do Superman, herdeiro dos poderes do pai. Ao dar um filho humano para o Homem de Aço, Brian Singer parece ter encontrado a resposta definitiva para a busca de todos os filmes da série, dando ao herói uma extensão humana e uma razão para salvar o mundo. No entanto, a existência desse garoto (um fator definitivo para os próximos filmes) acabou com todo o lado frágil e depressivo do herói tão forte no filme. Agora, como aliás mostra muito bem o final – quando quem já é super se supera e destrói um bloco gigante de kriptonita (!!!) –, o Superman é só e unicamente um herói idealizado, sem arqui-inimigos à sua altura, sem questões existenciais. Resumindo: enfadonho.

Outra decisão mal-calculada foi a de ridicularizar durante todo o filme o personagem de Lex Luthor junto sua trupe desastrada do mal. Seu plano mesquinho e mirabolante a prova de super-homem esquece de cogitar a possibilidade de se jogar uma bomba atômica no seu pedaço de terra ou de invadi-la com um exército qualquer. Tornar Lex Luthor um alivio cômico é o mesmo que questionar a existência do herói que só existe para combatê-lo, negando a relação de proximidade estabelecida pela a montagem em paralelo.

Isso porque, como o filme deixa claro na cena já mencionada em que Clark assiste na TV o caos fora do micro-cosmos de Metropolis, o Superman não pode tornar os humanos melhores, nem evitar conflitos entre eles. Todas as pessoas que o apoiaram durante o filme (tomaram alguma consciência) poderiam ter feito o mesmo antes e, 5 anos depois, a humanidade continuou igual. Seu lugar é combatendo o mal fora do ordinário, que pode dominar o mundo ou aniquilá-lo subitamente, ou seja, ele não tem lugar dentro do filme já que Luthor não é realmente uma ameaça.

No entanto, o filme termina com todos os problemas resolvidos: a humanidade gosta do Superman e ele agora é humano pois tem um filho humano, Lex Luthor, o único mal que super-homem pode realmente aniquilar, está servindo de palhaço para nós em uma ilha deserta e, mesmo casada, Lois ainda ama o Superman (ah bom!). A musica toca alto, o nosso herói sai da terra para olhá-la de fora e solta um sorrisinho (o segundo do filme!), como se tudo estivesse resolvido. Ele agora é perfeito, mesmo sem uma razão clara para ser herói e sem poder ajudar a humanidade em guerra que lhe rendeu um olhar decepcionado diante da TV, mas tudo está bem, como nos avisa o final atirado nos espectadores.


Bernardo Barcellos