O
único motivo cabível de se assistir a
Casseta & Planeta Seus Problemas Acabaram
é se despedir do sujeito que, à pergunta
"Qual foi o lugar mais estranho onde vocë
fez amor?" respondeu: "Sâo Paulo",
e à pergunta "A psicanálise cura?"
respondeu: "Cura. O dinheiro que a minha mãe
ganhou como psicanalista me curou de sarampo, bronquite,
etc.". Porque, afora isso, o filme é de
uma falta de graça e de uma desnecessidada atrozes.
Desnecessidade porque não há em Seus
Problemas Acabaram nada que singularize positivamente
aquilo que vemos em relação ao programa
das terças-feiras na Globo, e falta de graça
porque as duas tiradas acima são muito mais inteligentes
e engraçadas do que todos os esforços
somados na criação e filmagem desse segundo
longa-metragem do grupo.
Já diferenças negativas em relação
à série original vemos muitas. A maior
e mais clara entre elas é a continuidade narrativa
que, por preguiça dos que concebem mais do que
por exigência do espectador, acaba se tornando
uma espécie de obrigação quando
se adapta programas de tv, desenhos animados e outros
objetos audiovisuais de pouca duração
para o formato do longa-metragem. A princípio,
essa estrutura é aquilo que serve como desculpa
para justificar o longa, mas no fundo é aquilo
que, como regra geral, faz com que a maioria dos espectadores
saia do cinema preferindo ver seu seriado, desenho ou
programa de tv como ele é na tv. Em Seus Problemas
Acabaram, vemos uma narrativa fragmentada que não
sabe para onde ir, e que por fim acaba não indo
muito para lugar nenhum. Poderia ser uma boa estratégia
para colocar todos os departamentos da Globo em atividade
temos seqüências de efeitos visuais
em CG, desenho animado, e até dubladores! ,
mas no fundo acaba sendo apenas uma gambiarra narrativa
que não consegue substituir com eficiência
a lógica de esquetes com a qual o programa de
televisão é construído. A sensação
é de um filme terrivelmente lento e longo.
Num dado momento, coube à turma saída
da Casseta Popular e do Planeta Diário renovar
o humor brasileiro, com toques de Mad e Monty Python
e uma pronunciada compreensão dos códigos
culturais e sociais brasileiros. Acrescente-se a isso
uma grosseria que peitava a censura e você tinha
um coquetel ácido, inovador e inventivo dentro
do panorama do humor brasileiro. Mas lá se vão
mais de vinte anos que testemunharam a mudança
de registro da independência para o mainstream,
e principalmente um certo assentamento e a simples repetição
de padrões, cada vez mais inócuos e empobrecidos.
Assim, é com tristeza que ouvimos cada palavra
como "acostumar" ser flexionada como "aCUstumar",
supondo que o mero falar de um palavrão fosse
naturalmente engraçado, ou a banal brincadeira
com a composição dos personagens de Murilo
Benício advogado idealista com cabelo
desgrenhado e óculos remendado e de Maria
Paula gostosa que faz stripper por prazer e é
secretária por obrigação. No melhor
momento do filme, os protagonistas vão à
favela e acabam tirando um sarro com Zé Pequeno:
"Zé Pequeno é o caralho",
diz o personagem de Cidade de Deus, interpretado
por Helio de la Peña;
"É disso mesmo que estávamos
falando", respondem os protagonistas.
É uma pena que, em matéria de humor, os
cassetas tenham tenham andado tão Pequenos quanto
o Zé.
Ruy Gardnier
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