PIRATAS DO CARIBE 2: O BAÚ DA MORTE
Gore Verbinski, Pirates of the Caribbean: Dead Man’s Chest, EUA, 2006

É natural, e até saudável, um sentimento de confusão em alguns momentos de Piratas do Caribe 2. Isso ocorre porque o filme se liberta consideravelmente das constrições narrativas, pormenorizando a função causa-conseqüência da montagem e afrouxando os nós explicativos. A ação, acompanhada da gag, é o que verdadeiramente importa: os planos se juntam para integrar menos uma cadeia de eventos do que um longo frenesi de efeitos cinéticos que parecem inesgotáveis. É a idéia de fantasia-total que toma as rédeas de vez neste segundo filme. A duração do entretenimento se esgarça ainda mais (agora são 154 minutos) e encontra sua tradução sensível na suspeita, a certa altura despertada no espectador, de que a aventura não terá fim. Uma cena chega para desafiar a capacidade de movimento e velocidade da cena anterior; há momentos em que o filme parece desejar um moto-perpétuo de ação (a cena do duelo na grande roda desenfreada é sintomática). A trama se recusa a se fechar, e o espectador é convidado – ou amaldiçoado, para fazer jus ao enredo do filme – a embarcar numa aventura projetada em looping.

Gore Verbinski busca potencializar a fantasia na abstração do espaço e no uso meramente pretextual da trama. Esse é um lado curioso da estratégia empregada pelo filme para se diferenciar da atração original da Disney. Se o parque temático consiste, basicamente, na construção de um espaço que é ele mesmo a ficção – a fantasia em escala 1:1 –, Verbinski, ao trocar mise-en-espace por mise-en-scène, elimina o termo estruturante, ou seja, dissolve o espaço e faz a narrativa pipocar pelas páginas de um catálogo com todos os cenários icônicos das aventuras de piratas. A ação pula de um pano de fundo a outro, facilitada pela fluidez da montagem, que encurta os trajetos para fazer o filme chegar mais rápido aos locais de agitação, mostrando um certo desprezo pelos entreatos. O diretor arrisca pouco, prefere o “fazer bem” ao “fazer além”, mas o burlesco somado à ação, em paralelo ao sopro de farsa que atravessa todas as aparições posadas dos personagens, dá a graça característica de Piratas do Caribe 2. Folheando o álbum de figurinhas que o filme compõe, o espectador reconhece os códigos e as convenções em jogo como se usasse uma lente de aumento que destaca ao mesmo tempo o lúdico e o grotesco do projeto.

Quando três personagens lutam pela posse de um objeto ou pelo coração de uma mulher, não há exatamente para quem torcer. Todos são vilões ou heróis em potencial: resta simpatizar não com as causas, mas com as “habilidades” de um ou de outro. Escolher o personagem predileto em Piratas do Caribe 2 é escolher com quem jogar (como se faz no videogame). Na narrativa em montanha russa, quem está em cima por um momento estará embaixo logo depois, por pura lei da física. E uma vez que os números são desiguais (três homens querendo uma mesma mulher, vários piratas atrás de um mesmo baú), alguém deve sobrar, inevitavelmente.

Esse alguém não é qualquer um, mas sim Jack Sparrow, o grande atrativo do filme, o personagem de Johnny Depp que se apodera da imagem tão-logo aparece. Ele não pára de gesticular com as mãos, com os dedos, com os olhos, com os lábios, cada elemento agindo de forma independente mas ainda assim fazendo parte de uma orquestra de cacoetes. Ápice da pirâmide cômica do filme, Jack transforma todo e qualquer outro personagem em papel secundário ou, quem sabe, dispensável. Ele não fica com a mocinha no final pelo mesmo motivo que o leva a ser engolido pelo Kraken (o polvo gigante, o monstro mitológico): uma questão de compensar, de uma só vez, os pequenos triunfos acumulados por Jack/Depp ao longo do filme – roubando as cenas, subjugando os demais personagens por intermédio de olhares atravessados, plenos de ambigüidade (nunca se sabe ao certo o que se passa na cabeça de Jack). Mas o filme precisa dele como de nenhum outro personagem, e por isso todos irão à sua procura no próximo “capítulo”. Jack agora mergulhou de vez no universo sobrenatural – ele de certo modo já representava uma interseção entre o mundo dos homens e o das almas penadas. No próximo Piratas do Caribe, podem ter certeza: aplaudiremos o retorno de um fantasma.


Luiz Carlos Oliveira Jr.

 

 






Johnny Depp vive novamente o pirata clown


O duelo sobre a roda: imagem-síntese da ação do filme