CLICK
Frank Coraci, EUA, 2006

Adam Sandler agora é adulto. Michael, seu personagem, um arquiteto dedicado e ambicioso, trabalha tanto que mal tem tempo para ficar com a família. Quando ele encontra Morty (Christopher Walken) nos fundos de uma loja de artefatos de banho e roupas de cama, sua vida está prestes a passar por uma reviravolta. O controle remoto oferecido a ele por Morty permitirá não apenas que troque os canais de sua TV, mas que todas as funções (avanço ou recuo no tempo, pausa, câmera lenta...) sejam aplicáveis à sua vida. O surreal da cena, e sobretudo o personagem de Walken, já antecipam o tom de fábula que o filme assumirá a partir de então. Há algo em Click que nos lembra o enredo de Os Fantasmas Contra-atacam (Scrooged, Richard Donner,1988): uma figura do “além” interfere na vida de um homem para fazê-lo enxergar que seu cotidiano está repleto de equívocos, até que ocorra a transformação do personagem e seu acerto de contas com as pessoas à volta.

Se no começo Michael adora o novo brinquedo, logo ele vai percebendo que o controle remoto prescinde cada vez mais de seu comando. O recurso de maior utilidade no início, o fast-forward, torna-se o mais problemático. Todas as situações que ele avançou para frente (o sexo com a mulher e o jantar com os pais, por exemplo), quando precisava ter tempo extra para trabalhar, começam a ser adiantas automaticamente. Chega um momento em que a vida de Michael não ocorre mais em tempo normal, e fica saltando sem que ele possa contê-la. Enquanto está em fast-forward, Michael age em “piloto automático”, como Morty lhe explica. A vida passa, o casamento acaba, a barriga cresce, os filhos se distanciam. O trabalho, contudo, funciona a todo vapor, e Michael constrói um verdadeiro império. Ou seja, o controle remoto potencializou o homo laborans que sempre existiu em Michael, mas fez isso às custas de sua vida sentimental e de sua família.

As piadas que se sucedem ao longo do filme, a maioria delas sendo nada mais que uma variação (por vezes cansativa) em torno dos usos hipotéticos do tal controle remoto, não tiram o foco do tema principal. A lição de moral se destina a um personagem workaholic, que canaliza toda sua energia no trabalho e que deixa de lado a vida em família, as amizades, os afetos. Como em toda fábula, há uma proposta de substituição – ou recuperação – de valores. Embora deva ser realmente divertido ver uma cena da nossa vida com trilha de comentários de James Earl Jones, é fácil perceber como o filme condena o uso de “aditivos” ao dia-a-dia. Os bolinhos que Michael come até se entupir são os primeiros indícios de que o “click” em questão é algo que ingerimos e que altera nosso metabolismo, apenas simbolizado no controle remoto que transforma a pessoa em zumbi nos intervalos entre uma e outra atitude anfetaminada. Com momentos que vão da comédia física ao melodrama e voltam, Click encontrou uma maneira bem peculiar de alertar para os perigos da “era farmacológica” que vivemos. Chega a haver um excesso de compromisso com a mensagem, ameaçando emperrar o filme, mas nada que uma seqüência cômica não consiga atenuar ou mesmo eliminar.

Para Adam Sandler, que vem realmente aprimorando seu trabalho, o filme é mais uma chance de reinventar seu repertório de ação – na comédia e no drama. Chance muito bem aproveitada, pois ele está triunfal no filme. Em relação à atuação de Sandler, especificamente, o controle remoto se presta a outros usos, libertando-o da camisa de força inscrita nos códigos do trabalho e da família e fazendo ressurgir a criança-com-corpo-de-adulto que os filmes anteriores já trataram de construir para o ator. O personagem pode até sofrer as conseqüências maléficas do fast-forward, mas o ator vê no controle remoto uma oportunidade esplêndida de experimentar com ele mesmo, de se expandir e se retorcer para todos os lados. Sandler alegre, triste, apático, frenético, magro, depois gordo, depois magro de novo, grisalho, adolescente, pálido, bronzeado, verde igual ao Incrível Hulk... Sandler infinitamente remodelável, poderíamos dizer. Frank Coraci, nesse sentido, mostra-se o parceiro ideal, filmando cada plano de acordo com as características do ator naquele dado instante – a mise en scène ondula ao ritmo de Adam Sandler. Um bom trabalho em dupla.


Luiz Carlos Oliveira Jr.

 

 






Adam Sandler controla o filme ao lado de Frank Coraci