Adam
Sandler agora é adulto. Michael, seu personagem, um
arquiteto dedicado e ambicioso, trabalha tanto que mal
tem tempo para ficar com a família. Quando ele encontra
Morty (Christopher Walken) nos fundos de uma loja de
artefatos de banho e roupas de cama, sua vida está prestes
a passar por uma reviravolta. O controle remoto oferecido
a ele por Morty permitirá não apenas que troque os canais
de sua TV, mas que todas as funções (avanço ou recuo
no tempo, pausa, câmera lenta...) sejam aplicáveis à
sua vida. O surreal da cena, e sobretudo o personagem
de Walken, já antecipam o tom de fábula que o filme
assumirá a partir de então. Há algo em Click que
nos lembra o enredo de Os Fantasmas Contra-atacam
(Scrooged, Richard Donner,1988): uma figura do
“além” interfere na vida de um homem para fazê-lo enxergar
que seu cotidiano está repleto de equívocos, até que
ocorra a transformação do personagem e seu acerto de
contas com as pessoas à volta.
Se no começo Michael adora o novo brinquedo, logo ele
vai percebendo que o controle remoto prescinde cada
vez mais de seu comando. O recurso de maior utilidade
no início, o fast-forward, torna-se o mais problemático.
Todas as situações que ele avançou para frente (o sexo
com a mulher e o jantar com os pais, por exemplo), quando
precisava ter tempo extra para trabalhar, começam a
ser adiantas automaticamente. Chega um momento em que
a vida de Michael não ocorre mais em tempo normal, e
fica saltando sem que ele possa contê-la. Enquanto está
em fast-forward, Michael age em “piloto automático”,
como Morty lhe explica. A vida passa, o casamento acaba,
a barriga cresce, os filhos se distanciam. O trabalho,
contudo, funciona a todo vapor, e Michael constrói um
verdadeiro império. Ou seja, o controle remoto potencializou
o homo laborans que sempre existiu em Michael,
mas fez isso às custas de sua vida sentimental e de
sua família.
As piadas que se sucedem ao longo do filme, a maioria
delas sendo nada mais que uma variação (por vezes cansativa)
em torno dos usos hipotéticos do tal controle remoto,
não tiram o foco do tema principal. A lição de moral
se destina a um personagem workaholic, que canaliza
toda sua energia no trabalho e que deixa de lado a vida
em família, as amizades, os afetos. Como em toda fábula,
há uma proposta de substituição – ou recuperação – de
valores. Embora deva ser realmente divertido ver uma
cena da nossa vida com trilha de comentários de James
Earl Jones, é fácil perceber como o filme condena o
uso de “aditivos” ao dia-a-dia. Os bolinhos que Michael
come até se entupir são os primeiros indícios de que
o “click” em questão é algo que ingerimos e que altera
nosso metabolismo, apenas simbolizado no controle remoto
que transforma a pessoa em zumbi nos intervalos entre
uma e outra atitude anfetaminada. Com momentos que vão
da comédia física ao melodrama e voltam, Click encontrou
uma maneira bem peculiar de alertar para os perigos
da “era farmacológica” que vivemos. Chega a haver um
excesso de compromisso com a mensagem, ameaçando emperrar
o filme, mas nada que uma seqüência cômica não consiga
atenuar ou mesmo eliminar.
Para Adam Sandler, que vem realmente aprimorando seu
trabalho, o filme é mais uma chance de reinventar seu
repertório de ação – na comédia e no drama. Chance
muito bem aproveitada, pois ele está triunfal no filme.
Em relação à atuação de Sandler, especificamente, o
controle remoto se presta a outros usos, libertando-o
da camisa de força inscrita nos códigos do trabalho
e da família e fazendo ressurgir a criança-com-corpo-de-adulto
que os filmes anteriores já trataram de construir para
o ator. O personagem pode até sofrer as conseqüências
maléficas do fast-forward, mas o ator vê no controle
remoto uma oportunidade esplêndida de experimentar com
ele mesmo, de se expandir e se retorcer para todos os
lados. Sandler alegre, triste, apático, frenético, magro,
depois gordo, depois magro de novo, grisalho, adolescente,
pálido, bronzeado, verde igual ao Incrível Hulk... Sandler
infinitamente remodelável, poderíamos dizer. Frank Coraci,
nesse sentido, mostra-se o parceiro ideal, filmando
cada plano de acordo com as características do ator
naquele dado instante – a mise en scène ondula
ao ritmo de Adam Sandler. Um bom trabalho em dupla.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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