Os
personagens principais de A Prova são matemáticos.
A narrativa, em níveis mínimos de suspense, é um problema
que precisa ser solucionado. O que interessa, então,
não é exatamente o enunciado do problema ou o resultado
final, e sim o desenvolvimento, o caminho que se faz
para chegar a uma solução. O resultado em si não basta:
nenhum professor de matemática valida a questão sem
ver no papel a prova de que o aluno desenvolveu um raciocínio.
E qual é a prova a se alcançar no filme de John Madden?
Entender o quão fluida é a fronteira entre genialidade
e loucura? Falar de uma relação entre pai e filha? De
uma genialidade hereditária? De um romance entre jovens
perto dos trinta anos? Ou discorrer sobre o medo da
loucura?
Nada disso: o filme gira em torno de um caderno. A princípio,
ele não estaria tão distante de um daqueles objetos-pretexto
que, em Hitchcock, permitiriam uma série de atalhos
e desvios narrativos, confundindo-se ao todo do filme
mas não tomando o lugar de seu verdadeiro “tema”. Madden,
contudo, dedica-se a uma embalagem de suspense que no
início parece estar ali somente para salvar o filme
da sonolência do público, mas que pouco a pouco parasita
a narrativa e esvazia todas as relações entre os personagens.
O ponto de virada em A Prova se dá quando Catherine
(Gwyneth Paltrow) mostra a Hal (Jake Gyllenhaal) o caderno
em que resolveu um teorema que pode estremecer a matemática
moderna. Mas há uma dúvida: os complexos cálculos são
de autoria dela mesma ou do falecido pai, um matemático
gênio que enlouqueceu nos últimos anos de vida? Esta
dúvida, despertada nos personagens e alastrada aos espectadores,
acabará sendo a única coisa a conduzir o filme. O procedimento
escolhido é um irritante jogo de revelação gradativa,
por meio de idas e vindas no tempo. Madden alterna tensão
e distensão através dos flashbacks não por acreditar
que a mistura de tempos seria uma forma de entrar no
universo confuso dos personagens: a sanfona narrativa
serve tão-somente para manter a dúvida sempre no ar,
para insistir num suspense frouxo, enquanto havia toda
uma constelação de coisas potencialmente interessantes
rodeando os personagens. O filme ignora todo o resto
porque quer se valorizar por sua construção, pelo desenvolvimento.
Mas essa saliência da arquitetura interna do filme implicaria
uma habilidade que Madden definitivamente não tem: sua
veia de dramaturgo não o deixa tratar os atores como
peças de xadrez, assim como sua capacidade para inserir
truques de encenação não é das maiores. A vacuidade
do filme vem dessa dupla anulação: os personagens lutam
para oferecer algo mais do que pretextos para um teorema
narrativo que qualquer criança de oito anos resolveria;
a mise en scène, por sua vez, tem medo de desperdiçar
os personagens somente para atingir sua cambaleante
meta de suspense (mas nem por isso o filme desiste de
ser esquemático).
No começo, após a aparição fantasmagórica do pai, cena
que entregava rapidamente – e sem medo – a matriz teatral
do filme, era possível pensar em vários caminhos para
A Prova. A partir daquela cena, entrecortada
por belas imagens de paisagens “riscadas” como se fossem
vistas da janela de um carro em movimento ou como se
ilustrassem breves fluxos do pensamento, não seria absurda
a hipótese de um estudo de personagem. Gwyneth Paltrow,
com seu semblante melancólico por natureza afundado
na solidão, poderia estar sugerindo que nos entreteria
com um interessante tour de force teatral fechado
na penumbra e na frieza daquela casa assombrada (ela
é uma atriz talentosa, embora muitos discordem). Mas
as cenas posteriores tratam a personagem de Paltrow
com um descaso fora do comum. E a trama a acompanha,
parecendo não sair do mesmo ponto, à espera de um desenlace
narrativo sem qualquer surpresa ou qualidade especial
de encenação.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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