A PROVA
John Madden, Proof, EUA, 2005
 

Os personagens principais de A Prova são matemáticos. A narrativa, em níveis mínimos de suspense, é um problema que precisa ser solucionado. O que interessa, então, não é exatamente o enunciado do problema ou o resultado final, e sim o desenvolvimento, o caminho que se faz para chegar a uma solução. O resultado em si não basta: nenhum professor de matemática valida a questão sem ver no papel a prova de que o aluno desenvolveu um raciocínio. E qual é a prova a se alcançar no filme de John Madden? Entender o quão fluida é a fronteira entre genialidade e loucura? Falar de uma relação entre pai e filha? De uma genialidade hereditária? De um romance entre jovens perto dos trinta anos? Ou discorrer sobre o medo da loucura?

Nada disso: o filme gira em torno de um caderno. A princípio, ele não estaria tão distante de um daqueles objetos-pretexto que, em Hitchcock, permitiriam uma série de atalhos e desvios narrativos, confundindo-se ao todo do filme mas não tomando o lugar de seu verdadeiro “tema”. Madden, contudo, dedica-se a uma embalagem de suspense que no início parece estar ali somente para salvar o filme da sonolência do público, mas que pouco a pouco parasita a narrativa e esvazia todas as relações entre os personagens. O ponto de virada em A Prova se dá quando Catherine (Gwyneth Paltrow) mostra a Hal (Jake Gyllenhaal) o caderno em que resolveu um teorema que pode estremecer a matemática moderna. Mas há uma dúvida: os complexos cálculos são de autoria dela mesma ou do falecido pai, um matemático gênio que enlouqueceu nos últimos anos de vida? Esta dúvida, despertada nos personagens e alastrada aos espectadores, acabará sendo a única coisa a conduzir o filme. O procedimento escolhido é um irritante jogo de revelação gradativa, por meio de idas e vindas no tempo. Madden alterna tensão e distensão através dos flashbacks não por acreditar que a mistura de tempos seria uma forma de entrar no universo confuso dos personagens: a sanfona narrativa serve tão-somente para manter a dúvida sempre no ar, para insistir num suspense frouxo, enquanto havia toda uma constelação de coisas potencialmente interessantes rodeando os personagens. O filme ignora todo o resto porque quer se valorizar por sua construção, pelo desenvolvimento.

Mas essa saliência da arquitetura interna do filme implicaria uma habilidade que Madden definitivamente não tem: sua veia de dramaturgo não o deixa tratar os atores como peças de xadrez, assim como sua capacidade para inserir truques de encenação não é das maiores. A vacuidade do filme vem dessa dupla anulação: os personagens lutam para oferecer algo mais do que pretextos para um teorema narrativo que qualquer criança de oito anos resolveria; a mise en scène, por sua vez, tem medo de desperdiçar os personagens somente para atingir sua cambaleante meta de suspense (mas nem por isso o filme desiste de ser esquemático).

No começo, após a aparição fantasmagórica do pai, cena que entregava rapidamente – e sem medo – a matriz teatral do filme, era possível pensar em vários caminhos para A Prova. A partir daquela cena, entrecortada por belas imagens de paisagens “riscadas” como se fossem vistas da janela de um carro em movimento ou como se ilustrassem breves fluxos do pensamento, não seria absurda a hipótese de um estudo de personagem. Gwyneth Paltrow, com seu semblante melancólico por natureza afundado na solidão, poderia estar sugerindo que nos entreteria com um interessante tour de force teatral fechado na penumbra e na frieza daquela casa assombrada (ela é uma atriz talentosa, embora muitos discordem). Mas as cenas posteriores tratam a personagem de Paltrow com um descaso fora do comum. E a trama a acompanha, parecendo não sair do mesmo ponto, à espera de um desenlace narrativo sem qualquer surpresa ou qualidade especial de encenação.


Luiz Carlos Oliveira Jr.