Leonardo
Luiz Ferreira é crítico do tablóide
carioca Acontece na Cidade e do site Almanaque
Virtual. Como profissão de fé, segue
avidamente os lançamentos nacionais, e por ter
sido a pessoa que melhor conseguiu seguir a maratona
das estréias nacionais desse semestre, pedimos
a ele um testemunho entre o subjetivo e o judicioso-analítico
sobre como foi viver esses seis meses seguindo e perseguindo
os filmes brasileiros. (RG)
* * *
Desde que comecei,
em 1999, a trabalhar com crítica cinematográfica,
sempre me pautei pelo princípio pauloemiliano
– o que não significa que não acompanhasse
antes o cinema nacional nem que não dê
importância as cinematografias de outros países,
pelo contrário – de tentar acompanhar o máximo
de produções nacionais possíveis.
Ainda que meus editores desse período até
os dias de hoje não exigissem, normalmente, as
matérias, sempre procurei entrevistar os realizadores,
um material que no futuro espero editar e lançar
em formato de livro, e documentar assim esse agora do
cinema brasileiro para futuras pesquisas. Essa troca,
na qual aprofundei reflexões e revi conceitos,
é importante para entender o lado de quem realiza
cinema no país, independente de ser uma grande
produção como Olga, de Jayme Monjardim,
ou um filme que poucos viram, como Iremos a Beirute,
de Marcus Moura. Ao partir desses contrastes, percebe-se
o estágio da sétima arte tupiniquim que
vai desde o pensamento mercadológico de Diler
Trindade – para o qual nunca existiu momento melhor
que esse para lançamento de películas,
tanto que recentemente ele vem engatilhando diversas
produções – à constatação
franca de Sergio Rezende de que no Brasil um cineasta
leva muitos anos para lançar um novo projeto
e isso faz com que ele não possa errar como realizadores
em Hollywood, já que pode ser que nunca mais
dirija. Pensar em forma dialética parece ser
mesmo uma das possíveis saídas para se
compreender a cena nacional.
O primeiro semestre de 2006 apresentou uma característica
inusitada: 31 estréias nacionais. Um número
elevado que suscitou uma reflexão discutida tanto
em mesas de bar quanto em salas de aula: há muito
tempo não se tinha três estréias
nacionais em uma sexta-feira, o que aconteceu em dois
fins de semana seguidos no Rio de Janeiro no mês
de maio. Essa surpresa parece concretizar aquele sonho
utópico e até pueril de diversos filmes
brasileiros sendo lançados, e não mofando
nas gavetas. Mas, ao mesmo tempo, em uma formação
óbvia de faca de dois gumes, se instaurou a dúvida
de como acompanhá-los.
Em conversas no decorrer desse período, percebi
que cinéfilos, universitários e críticos
estavam com dificuldade em assistir a todas as obras
da chamada prata da casa. O que gerou um debate antigo
sobre o circuito exibidor e o número de salas.
A principal razão para o fracasso nas bilheterias
(do qual os números baixos são a prova
irrefutável), seria porque esse grupo formador
de opinião não compareceu as salas ou
porque com estréias em demasia fica difícil
para um filme ganhar um boca-a-boca positivo e superar
a expectativa? As respostas para essas questões
geram outras perguntas e conjecturas. Entretanto, o
debate está aberto e isso é positivo.
Por intermédio de minha via crucis para
tentar assistir o máximo de longas possíveis
farei um passeio não só pelo semestre
como pela história do cinema brasileiro recente,
denominado com a discutível terminologia de retomada.
* * *
A linha cronológica para entender a atual realidade
deve ser retrocedida até ao nefasto período
Collor, em que o cinema nacional sofreu vias de extinção
e se limitou ao esforço coletivo de alguns para
sobreviver. O panorama só atinge uma melhora
devido ao surpreendente êxito, contrário
a maioria dos prognósticos, de Carlota Joaquina
– Princesa do Brazil, de Carla Camurati, em 1995.
Foi a primeira tentativa desse novo período de
reencontrar o público em um cinema comercial
com qualidade, que depois foi melhor desenvolvido por
Guel Arraes e sua trinca de filmes formada por O
Auto da Compadecida, Caramuru – A Invenção
do Brasil e Lisbela e o Prisioneiro. O casamento
entre cinema e televisão se firma de vez com
a criação da Globo Filmes, que hoje é
para alguns a única maneira de se imaginar uma
indústria de cinema no país. Essa ambição
passou a se tornar próxima dos executivos da
empresa ao conferir os auspiciosos números de
2003, em que, num fim de semana histórico de
outubro, o cinema nacional superou Hollywood. Porém,
passados três anos, nada semelhante se concretizou
em um ganho significativo, apesar da produção
em série planejada. Os longas produzidos pela
Globo Filmes são, em sua maioria, pilotos ou
versões cinematográficas de seriados televisivos,
muitas vezes com qualidade técnica abaixo do
medíocre. A mão de obra qualificada deveria
ser a tônica, afinal diretores e técnicos
de televisão conhecem seu ofício, mas
cinema é uma outra categoria e são raros
aqueles que conseguiram desenvolver uma boa carreira
nas duas mídias. "Não há uma fórmula
para o sucesso": esse deveria ser o pensamento recorrente.
A concepção de um blockbuster de
verão, um filme de grande produção
que é aguardado pelo público no mundo
todo, teve início com Steven Spielberg e seu
Tubarão. Diminuindo as proporções,
uma estratégia de marketing parecida é
utilizada por aqui com relação aos lançamentos
de Xuxa e Renato Aragão, que ainda têm
um público cativo, mas atraem muito menos pagantes
do que na fase áurea de ambos. Fora dessa esfera,
duas outras obras obtiveram sucesso na época
de férias escolares: Sexo, Amor & Traição,
de Jorge Fernando, e Se Eu Fosse Você,
de Daniel Filho. Esta última é a única
película com um número expressivo de ingressos
vendidos neste primeiro semestre de 2006. O sucesso
do filme foi uma raridade nesse período de vacas
magras em que as pretensões do péssimo
e sub-Guel Arraes A Máquina, de João
Falcão – que antes da estréia alardeou
sobre seu suposto (mas já dado como certo) sucesso,
mas se esqueceu de produzir sequer um pôster ou
trailer decente – e do mediano Irma Vap –
O Retorno, de Carla Camurati – que sonhava repetir
a façanha de seu longa de estréia –, acabaram
por naufragar no circuito, o primeiro com críticas
positivas e o segundo massacrado. Esse choque da apreciação
crítica junta-se ao pensamento de que em cinema
popular não se pode esquecer do principal: o
público. É ele que vai ditar o fracasso
ou estouro de bilheteria com comentários entusiasmados
em suas rodas de amigos. E nenhum estudo de mercado
pode prevenir totalmente as escolhas acertadas de um
projeto. Em 2007, será a vez de Polaróides
Urbanos, de Miguel Falabella, tentar a sorte e dividir
a atenção com lançamentos americanos
e uma infinidade de atrações que surgem
em períodos de férias.
* * *
A pornochanchada é o formato típico de
produção cinematografica da época
da ditadura militar. Nesse período, era mais
fácil passar pela censura uma película
com diversas cenas de sexo do que uma obra alegórica
com críticas ao mandato dos militares. Ao tomar
conhecimento do projeto de transpor as tirinhas de jornal
de O Gatão de Meia Idade, uma criação
de Miguel Paiva, para o cinema, não imaginei
que seria um retorno ao formato de sexo com comédia,
mas que ao menos poderia ser um avanço no sentido
da caretice costumeira das propostas dos filmes mais
comerciais. Mas o veterano Antonio Carlos da Fontoura
fez exatamente o contrário e contaminou o filme
com piadas sem graça, sexo para menores, uma
direção de fotografia com enquadramentos
pobres e uma imagem abaixo da televisiva, estarrecedora,
que confirma a tese de que para a produção
o que importa é o lucro final e não a
qualidade empregada. Nesse caso, felizmente, o fracasso
retumbante predominou, algo que eu já havia pressentido
ao assistir ao longa no Cine Palácio, no Centro
do Rio, um dos redutos no passado de cinema popular
de sucesso e que reúne diferentes tipos de público,
do executivo entre uma reunião e outra até
o operário que acabou seu serviço. Nem
um nem o outro conseguiram esboçar gargalhadas.
Já Tapete Vermelho, de Luiz Alberto Pereira,
que foi obrigado a transferir sua data de estréia
carioca por causa de Missão Impossível
III, tenta de maneira frustrada revisitar o universo
caipira de Mazzaroppi – um dos fenômenos de bilheterias
nacionais do passado. Se fosse apenas uma homenagem
ao brejeiro e ingênuo, o que em poucos momentos
acontece, o filme até poderia ser aceitável,
mas o roteiro está impregnado de um ranço
passadista, chorando sobre a substituição
dos cinemas de rua por outros estabelecimentos, sem
construir um pensamento mais amplo que tente dar conta
ou ao menos problematizar esta passagem. Além
disso, o filme quer abrigar diversas problemáticas
atuais, como movimento dos sem terra, urbanização
e igreja evangélica – o que, naturalmente, não
consegue fazer.
Sobre a esfera de cinema comercial, há ainda
dois projetos que devem entrar no debate: Depois
Daquele Baile, de Roberto Bomtempo, e Boleiros
2 – Vencedores e Vencidos, de Ugo Giorgetti. Bomtempo
conseguiu realizar um filme com uma faixa etária
estipulada, no caso, a terceira idade. Ainda que o roteiro
esbarre em todos os lugares-comuns possíveis,
como a dificuldade de envelhecer e a aposentadoria,
ele traz uma sinceridade, aliada a uma boa direção
de atores – fruto da experiência de Bomtempo como
ator –, que faz com que o filme dialogue diretamente
com seu público-alvo. Nada melhor, então,
do que lançá-lo no cinema Roxy, em Copacabana,
bairro que abriga a maior concentração
demográfica de idosos por metro quadrado do mundo.
A panfletagem foi realizada em frente à sala,
mas nada surtiu efeito no fim de semana de estréia,
nem aqui nem em outras salas do país. Geralmente,
um filme depende essencialmente dos três primeiros
dias de exibição para emplacar as semanas
seguintes. Depois Daquele Baile, ao contrário,
só com o tempo foi encontrando seu público,
e ainda continua em cartaz em algumas capitais, um dos
fatos raros dentro desse período em que a maioria
é defenestrada das salas em menos de duas semanas.
Já o caso de Giorgetti não é tão
feliz. Boleiros 2 foi mal lançado, quase
sem divulgação, justamente em um período
pré-Copa do Mundo simplesmente para capitalizar
o público potencial que ama o esporte. É
um longa para revisão, já que foi tão
pouco visto, e amargou salas vazias. Um trabalho com
claros problemas de produção, mas que
o diretor consegue ultrapassar e termina por realizar
o máximo que podia com os recursos escassos que
teve. A ação, assim como no primeiro,
é situada em um bar que homenageia o futebol.
Essa característica de centralizar a narrativa
em um espaço específico permeia a sua
obra: apartamento em Jogo Duro, sala em Festa
e prédio em Sábado, com a única
exceção de O Príncipe. Em
comum, além das discussões futebolísticas,
os dois longas contêm as melhores elaborações
dentro da ficção nacional, há o
humor, as questões sociais sem discursos humanistas
e, sobretudo, o choque da modernidade com o clássico
a partir de uma tese estruturada na ausência de
memória do povo e no olhar decadentista sobre
a sociedade atual.
* * *
O fato de ser jornalista e de trabalhar com crítica
de cinema faz com que o profissional receba através
de mailing avisos de notificação
sobre cabines de imprensa (sessões fechadas em
cinemas ou em salas com projetor). Normalmente, elas
ocorrem às 10:30 da manhã, o que para
muitos é um sacrifício, mas confesso que
criei uma metodologia para tentar comparecer ao máximo
delas. Isso acabou facilitando o processo de acompanhar
as estréias nacionais. Pois, de outra forma,
dificilmente teria assistido a Outra Memória,
de Chico Faganello, um arremedo de aula de história,
com imagens raras de arquivo desperdiçadas, que
remetem ao trabalho iconográfico de Luiz Thomas
Reis e Humberto Mauro, por intermédio de uma
dramaturgia constrangedora na porção ficcional.
O filme só estreou em dois horários em
duas salas localizadas em Guadalupe e Santa Teresa,
no Rio de Janeiro, em duas salas relativamente recentes
e localizadas em bairros com nenhuma tradição
de exibição cinematográfica nos
últimos anos. Durante a cabine, esse sentido
de ter contato com uma obra nacional que será
pouco vista prevaleceu e me relembrou da sessão
solitária de Vida e Obra de Ramiro Miguez,
de Alvarina Souza Silva, na atualmente fechada Laura
Alvim, em Ipanema. O que era um fato inusitado – filmes
nacionais que poucos assistiam, pois passavam como meteoros
no circuito – se tornou freqüente no primeiro semestre
de 2006. Esse processo começou a ser deflagrado
no fim de 2005, quando o Arteplex, um cinema localizado
em Botafogo, lançou longas que estavam sem janela
de exibição, como O Signo do Caos,
de Rogério Sganzerla, e Harmada, de Maurice
Capovilla, que mal completaram duas semanas em cartaz.
Isso aumentou com a questão dos horários
fracionados, em que um filme nacional divide a sala
com uma produção estrangeira. O fenômeno
da sessão lotada de um multiplex, em que o espectador
pode acabar assistindo a outro filme que não
o previsto, apenas por causa da lotação
do filme a que iria inicialmente assistir, não
reverteu em termos de bilheteria nesse caso.
* * *
Os documentários são um capítulo
à parte. Ao lado de nomes consagrados como Eduardo
Coutinho, Vladimir Carvalho e João Moreira Salles,
surgiu uma nova geração capitaneada por
Paulo Sacramento e seu excelente O Prisioneiro da
Grade de Ferro, que foram beneficiados com a explosão
da câmera digital. Mas a maior parte dos filmes
passa ao largo dessa excelência, ora copiando
estilos – Coutinho, principalmente – ora acreditando
que é só ligar a câmera que o filme
se faz sozinho. Alguns desses novos documentários
padecem de talento em sua realização,
e não apresentam tanta qualidade quanto imaginam
para além do tema e do público direcionado:
surfe em Fábio Fabuloso, de Ricardo Bocão,
Pedro Cezar e Antonio Ricardo; olhar estrangeiro sobre
o país em Rio de Jano, de Anna Azevedo,
Renata Baldi e Eduardo Souza Lima, e Moro no Brasil,
de Mika Kaurismaki; música em Samba Riachão,
de Jorge Alfredo; biográfico no decepcionante
Glauber, o Filme – Labirinto do Brasil, de Silvio
Tendler, entre tantos outros. Se em 2005 foram 11 documentários
lançados em circuito no Rio de Janeiro, até
o momento, em 2006 já figuraram dez longas. E
para assisti-los foi uma missão árdua,
algo que não consegui em sua totalidade, já
que alguns entraram em cartaz com apenas duas sessões,
como A Mochila do Mascate, de Gabriela Greeb,
e uma sessão, caso de O Dia em Que o Brasil
Esteve Aqui, de Caíto Ortiz e João
Dornellas. Há, como sempre, destaques positivos,
como Meninas, de Sandra Werneck, que surpreende
por tratar de um tema complicado, a gravidez na adolescência,
com depoimentos francos, que comprovam que a realidade
pode, muitas vezes, ser mais aterradora que a ficção.
Já por outro lado Toni Venturi, em co-direção
com Paulo Georgieff, em Dia de Festa faz um panfleto
apaixonado pelo movimento dos sem teto, mas que não
consegue extrair muito do cinema de encontro, tão
utilizado por Coutinho, dos entrevistados e ganha mais
com o observacional, como na impactante seqüência
de invasão de um prédio abandonado. O
trabalho do documentarista, que pode se beneficiar por
não ter um roteiro pré-definido totalmente,
está em ficar preparado para capturar o inesperado.
Quanto mais se aproxima daquilo que deseja filmar vai
se distanciando de um resultado sem julgamentos. A paixão
nesse caso é prejudicial, como acontece em muitos
documentários biográficos, que colocam
o biografado em um pedestal ao não apontar suas
falhas, como em Dom Hélder Câmara –
O Santo Rebelde, de Erika Bauer. Ao assistir o filme
ao lado de uma defensora do trabalho de Dom Hélder,
que vibrava a cada seqüência, percebi quão
maniqueísta e longe do realismo o registro documental
pode ser.
* * *
Em termos de ousadia, houve um exagero por parte de
alguns com relação a exaltação
de Árido Movie, de Lírio Ferreira,
e A Concepção, de José Eduardo
Belmonte. Este último traz aquele jorrar de idéias
para buscar a qualquer custo o incômodo; tentar
ser provocador no pior sentido do termo, como na cena
grotesca de sexo grupal entre homens. As ressonâncias
com obras recentes também se acumulam: Domino
– A Caçadora de Recompensas, de Tony Scott,
que já desponta como pior filme da década,
em que o diretor em uma simples cena de conversa em
óbvio plano/contraplano consegue a proeza de
fazer mais de 40 cortes – o pós-moderno, hype
de momento, agora é fugir de planos estáticos
e parecer diferente; Os Idiotas, de Lars von
Trier, no sentido de sociedade alternativa com mandamentos
dogmáticos; Cama de Gato, de Alexandre
Stockler, pela natural filiação ao manifesto
de juventude perdida com a mescla de sexo, drogas e
humor negro; e Geração Maldita,
de Gregg Araki, pela mesma combinação
citada anteriormente, só que com um viés
de violência mais centralizador – o tédio
é catalisador para uma libertação
focada na disfunção sexual e alimentícia.
Já Árido Movie não é
um esperado retorno ao nordestern – termo que foi cunhado
para filmes nos anos 50, 60 e 70, incluindo O Cangaceiro,
Deus e o Diabo na Terra do Sol e A Morte Comanda
o Cangaço, entre muitos outros – como a trama
de vingança e sertão poderia indicar,
porém só fica na ambientação,
nem mesmo como atualização, pois soa confuso
em suas micro-narrativas. Lírio Ferreira
apresenta muitas idéias e acompanha aquela velha
máxima de aproveitar a oportunidade para tentar
fazer tudo em uma obra. Mas o longa encerra em si mesmo
qualquer possibilidade de aproveitar suas potencialidades.
Nesse sentido, quem acerta é Beto Brant com o
provocador Crime Delicado, em que reflete sobre
o que é arte, alguma coisa que não precisa
ser explicada, mas sim sentida: "o resultado me agrada
bastante, sobretudo por dialogar com a subjetividade
do público e não buscar verdades absolutas.
O filme recebe opiniões diferentes de quem assiste
e ainda está aberto para a possibilidade de entrada
e não-entrada do espectador. Se é uma
mudança de interesse e rumo dentro da minha trajetória
só poderá ser percebida posteriormente.
A feitura de Crime Delicado foi uma viagem coletiva
ao íntimo de cada um desde o roteiro até
a finalização na montagem", afirmou o
diretor em entrevista concedida a mim no foyer
do Arteplex na semana de seu lançamento. E isso
diz bastante sobre a importância da obra no cenário
atual.
* * *
Os veteranos Ruy Guerra e Nelson Pereira dos Santos
decepcionaram com seus novos projetos, intitulados respectivamente
O Veneno da Madrugada e Brasília 18%.
Ruy Guerra está cada vez mais preso dentro de
um hermetismo impossível de ser classificado
e que gera um distanciamento máximo e um crescente
desinteresse por parte do espectador. Está dominado
pela concepção de "filme de arte", sendo
que de arte se percebe muito pouco na obra, que ainda
traz o afastamento pelo belo da fotografia de Walter
Carvalho, e que fracassa em criar um estranho amálgama
com a direção de arte lúgubre.
Mesmo com acolhida da crítica, que nesses casos
pode fazer a diferença, o filme teve uma baixa
bilheteria, abaixo dos 3500 pagantes. Já Nelson
Pereira dos Santos, após o hiato de 12 anos longe
da ficção, retornou com um thriller
político superficial, com direção
de elenco claudicante, que evidencia a falta de esmero
dramatúrgico, e que traz apenas uma boa seqüência,
em que o motorista particular conta em flashback
armações do passado com o plano sendo
direcionado para o retrovisor. Muito pouco para um cineasta
de sua relevância, que levou anos na feitura do
roteiro. A sessão de imprensa trouxe a particularidade
da sua presença com amigos e parte da equipe.
A nota satírica foi a de um ronco em algumas
partes e do já conhecido aplauso sem entusiasmo
devido ao diretor estar na sala de exibição
ao desfecho da projeção.
Esses são apenas alguns episódios de um
semestre repleto de acontecimentos para o cinema nacional.
E para o segundo já há expectativa com
relação às estréias de Cleópatra,
de Julio Bressane, Eu me Lembro, de Edgar Navarro,
e Estamira, de Marcos Prado. Além da chegada
de um Olga II, a Missão – pelo menos é
isso que o trailer sugere – com Zuzu Angel, de
Sergio Rezende. O ideal seria que se firmasse essa base
de lançamentos nacionais, até para se
criar, cada vez mais, o costume de se enxergar na tela,
e acompanhar os novos passos do cinema brasileiro.
Leonardo Luiz Ferreira
(crítico )
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