JOSÉ EDUARDO BELMONTE

Filmografia:
2005 A Concepção
2003 Subterrâneos
2002 Um Trailer Americano (curta-metragem)
2002 Dez Dias Felizes (curta-metragem)
1999 Tepê (curta-metragem)
1997 5 Filmes Estrangeiros (curta-metragem)
1995 Três (curta-metragem)

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Seus dois longas-metragens, Subterrâneos e A Concepção, parecem participar sobre um mesmo questionamento sobre o "viver em Brasília". É uma questão que não creio estar presente muito nos seus curtas-metragens, mas que é central nos longas. Gostaria que você falasse um pouco sobre isso.


Primeiro vou discordar das premissas. Porque acho ela perigosa e pode reduzir o filme a isso apenas. Não acho que os longas são um questionamento sobre viver em Brasília. Não necessariamente, ou melhor, não é o tema principal, apesar de isso estar nos filmes de fato.

Quando terminei de fazer Tepê, olhei para trás e vi que tinha tido uma carreira com três curtas-metragens bastante boa para as minhas expectativas. Quarenta prêmios, mídia, participação em festivais importantes, algum nome, etc. Aí me questionei se era isso que eu queria com o cinema. Ou seja, tinha sido aceito, meus filmes ganhavam vários júris – populares, inclusive –, mas e aí...? Cinema tinha que ser mais pra mim. Bateu uma crise e fui ver que minha busca estava muito além do reconhecimento, do sucesso (se isso existir em cinema nacional) das matérias de jornais, bláblá... Tinha uma angustia, uma necessidade de revelação que me levou ao cinema que estava abandonando em nome de ser aceito, de sobreviver dentro do gueto do cinema brasileiro. Junto a isso, entrei na crise dos 30 (acreditem, ela existe) e fui pai. Era urgente pra mim fazer alguma coisa, abrir outros caminhos de qualquer jeito. Procurei então outras formas de fazer meu cinema. Me expus despudoradamente, expus os outros também. Filmei o impasse. Os dois longas são filmes sobre a crise e em crise. Subterrâneos, que foi filmado com míseros 40 mil reais, é sobre se a gente (e arte da gente) dá conta da realidade. A Concepção já é uma radicalização nesse sentido, pois aponta pro vazio (ideológico, existencial, estético, ético...) após termos arriscado tantas coisas para as crises. Como acho que esse impasse/mal estar é generalizado, creio que se podia passar em qualquer canto. Tanto em Quixeramobim como em Tóquio.

Creio que sua impressão vem do fato que, na crise, assumi minhas condições, me olhei no espelho como disse acima: Fui criado em Brasília, mas o que é Brasília, ser de lugar nenhum, sou daqui então. Ou seja, ser de Brasília é basicamente ser de algum lugar de fora e morar com outras pessoas nas mesmas condições numa cidade sem história. É ser um desterrado. O João Almino diz que "Brasília é um bom lugar pra assistir ao fim do mundo como o conhecemos". Talvez os longas sejam isso.

Me veio à cabeça também o Nicholas Behr, que tem um poema sobre a cidade que diz: " A cidade é isso mesmo que vocês estão vendo/mesmo que vocês não estejam vendo nada."

Pra fechar, e pensando nisso, creio que os curtas que foram filmados depois do Subterrâneos mas finalizados antes – 10 Dias Felizes e Um Trailer Americano – dão mais cabo da idéia de viver em Brasília mesmo não falando o nome da cidade em nenhum momento.

Como foi a repercussão de Subterrâneos e A Concepção em Brasília?

Subterrâneos
foi uma bosta em Brasília! Poucas pessoas da cidade saíram em defesa do filme. Não chegou a ser vaiado no festival daqui, mas a recepção foi gélida. Recebi dedo na cara, piadinha e o escambau. Fiquei bem deprimido. Creio que esperavam de mim comédias ou um filme bacaninha e por outra, o Conic é um lugar mítico na cidade. Cada um tem sua imagem do lugar. E o filme não era sobre o Conic. Se passava lá, mas era sobre a impossibilidade de fazer um filme sobre uma realidade daquelas.

A Concepção foi igual como todo resto do pais. A única diferença é que quando o filme acabou a platéia ficou perplexa, não sabia o que falar. Quando digeriu começou o FLA-FLU igual do resto do pais. Uma coisa muito esquizofrênica, verdadeira montanha russa: De um lado, gente que me chamava de retardado, fetichista, maneirista, presunçoso, caipira pretensioso, babaca, moralista, adolescente crônico e do outro que me chamavam de corajoso, ousado, inventor, libertário, visionário, grande diretor de ator, autor rigoroso, intelectual de vanguarda, que tinha feito um dos melhores filmes da retomada. Até que tinha o gênio de Glauber eu li. Muito engraçado isso. Outra coisa engraçada e comum foi ver as pessoas detonando e elogiando a mesma coisa. Tipo: "Ah, o filme explica demais, ficam toda hora se repetindo", ou gente dizendo que o filme não explicava nada, era confuso e hermético.

Bem, estando de um lado ou do outro, tamanha divisão prova a tese de alguns membros da equipe, de que o filme é um jogo de armar e se faz na cabeça de quem vê.

No sudeste, Subterrâneos só teve exibição em festivais, e A Concepção foi lançado num momento em que diversos filmes brasileiros estrearam quase ao mesmo tempo, a princípio diminuindo o alcance e o possível número de semanas em cartaz do filme. Como você vê a trajetória de lançamento dos dois filmes?

Novamente vou discordar da sua premissa quando diz "diversos filmes brasileiros estrearam quase ao mesmo tempo, a princípio diminuindo o alcance e semanas em cartaz". Existe uma pequena porcentagem da população, creio que do tamanho da torcida do Íbis, que não tem tanta independência financeira e tem interesse especifico no cinema brasileiro. Ou seja, o cara quando abre o jornal não fica escolhendo se vai gastar seus parcos 16 reais pra ver Árido Movie, Achados e Perdidos ou A Concepção. Cinema brasileiro não é gênero. O cara vai querer ver uma comedia de costumes, uma aventura, um filme de arte, um melodrama, ou seja lá o que for.

Tanto discordo da suposição que se você for ver o borderô, quase todos os filmes batem em torno de 15 mil espectadores. Se um filme atrapalhasse o outro, alguns iriam ter 50 mil, outros 2 mil... Teríamos resultados discrepantes e na média estamos quase todos na mesma merda e arremessados no mercado do mesmo jeito há anos. Esse sim é o problema.

O que houve agora foi um refluxo do publico de cinema como um todo no mundo. E, como o cinema brasileiro já tem problemas culturais e industriais (falta de regulamentação na distribuição, por exemplo) dentro da sua própria terra, o refluxo aconteceu mais pra gente.

Tem também o fato que houve uma política de investimentos em produções do Governo, só que quando ele ia asfaltar o terreno pra regularizar a questão pra esses tanto de filmes serem exibidos, o latifúndio da monocultura gritou. Mas, bem, isso é uma outra história e o buraco é mais embaixo...

Vamos enfim pra sua pergunta:

Olha, Subterrâneos nem chegou a ser exibido em nenhuma região do país. Corrigindo: por iniciativa do pessoal da casa de cinema exibiram Subterrâneos em Porto Alegre apenas, ficou 4 semanas e foi legal. Tínhamos a idéia de fazer um circuito alternativo no mesmo estilo em cada canto do pais, mas não havia grana, saco e, como o filme tinha vários sócios não se chegou a um consenso operacional.

Logo, me sinto um puta vitorioso em ter exibido A Concepção e ter conseguido o retorno que consegui. Não era o ideal. Tudo bem. Vamos ao terceiro filme então. Estou aprendendo com os erros. Assim espero.

Minha única lamentação é ver que se o filme tivesse tido a mesma média de publico ou perto da que teve em São Paulo estaríamos bem melhor de bilheteria. Coisa que pra muita gente é importantíssimo pra se construir uma carreira de cineasta. O que me faz deduzir que, na verdade, baseado na conversa com outros realizadores, que hoje São Paulo é um dos poucos estados economicamente ativos do pais. No resto, atrás dessa balela de estabilidade, temos uma puta recessão com uma classe média individualista, acuada financeiramente e com um puta medo de sair na rua pra piorar. Mas isso é um achismo, um chute, pode ser um equivoco o comentário, eu sei, mas fica aí a idéia para ser analisada e digerida.

Em que medida o lançamento comercial de A Concepção se revelou como suficiente para fazer as pessoas terem acesso ao filme?

Olha, a pergunta é bem genérica... Bem, o filme ainda está em cartaz e não passou por todas as janelas possíveis de exibição: tv, dvd, etc...então não me sinto seguro pra te dizer algo. E não conheço ninguém que possa te dizer algo exato sobre isso por que são coisas muito subjetivas. Números quando contextualizados são bastante reveladores. Talvez o pai de um amigo meu professor de marketing da FGV possa me ajudar mais adiante .

No chute te digo que obviamente existe uma vaidade que lá no fundo a gente sempre espera que nosso filme seja o novo Dona Flor e Seus Dois Maridos. Que arrebate publico e critica. Mas a vaidade é um componente que não pode ser tão relevante na carreira de quem faz cinema.


Entrevista concedida a Ruy Gardnier, por e-mail

 

 






Juliano Cazarré, Matheus Nachtergaele e
Milhem Cortaz em A Concepção