Filmografia:
2005 A Concepção
2003 Subterrâneos
2002 Um Trailer Americano (curta-metragem)
2002 Dez Dias Felizes (curta-metragem)
1999 Tepê (curta-metragem)
1997 5 Filmes Estrangeiros (curta-metragem)
1995 Três (curta-metragem)
* * *
Seus dois longas-metragens, Subterrâneos
e A Concepção, parecem participar
sobre um mesmo questionamento sobre o "viver em Brasília".
É uma questão que não creio estar
presente muito nos seus curtas-metragens, mas que é
central nos longas. Gostaria que você falasse
um pouco sobre isso.
Primeiro vou discordar das premissas. Porque acho ela
perigosa e pode reduzir o filme a isso apenas. Não
acho que os longas são um questionamento sobre
viver em Brasília. Não necessariamente,
ou melhor, não é o tema principal, apesar
de isso estar nos filmes de fato.
Quando terminei de fazer Tepê, olhei para
trás e vi que tinha tido uma carreira com três
curtas-metragens bastante boa para as minhas expectativas.
Quarenta prêmios, mídia, participação
em festivais importantes, algum nome, etc. Aí
me questionei se era isso que eu queria com o cinema.
Ou seja, tinha sido aceito, meus filmes ganhavam vários
júris – populares, inclusive –, mas e aí...?
Cinema tinha que ser mais pra mim. Bateu uma crise e
fui ver que minha busca estava muito além do
reconhecimento, do sucesso (se isso existir em cinema
nacional) das matérias de jornais, bláblá...
Tinha uma angustia, uma necessidade de revelação
que me levou ao cinema que estava abandonando em nome
de ser aceito, de sobreviver dentro do gueto do cinema
brasileiro. Junto a isso, entrei na crise dos 30 (acreditem,
ela existe) e fui pai. Era urgente pra mim fazer alguma
coisa, abrir outros caminhos de qualquer jeito. Procurei
então outras formas de fazer meu cinema. Me expus
despudoradamente, expus os outros também. Filmei
o impasse. Os dois longas são filmes sobre a
crise e em crise. Subterrâneos, que foi
filmado com míseros 40 mil reais, é sobre
se a gente (e arte da gente) dá conta da realidade.
A Concepção já é
uma radicalização nesse sentido, pois
aponta pro vazio (ideológico, existencial, estético,
ético...) após termos arriscado tantas
coisas para as crises. Como acho que esse impasse/mal
estar é generalizado, creio que se podia passar
em qualquer canto. Tanto em Quixeramobim como em Tóquio.
Creio que sua impressão vem do fato que, na crise,
assumi minhas condições, me olhei no espelho
como disse acima: Fui criado em Brasília, mas
o que é Brasília, ser de lugar nenhum,
sou daqui então. Ou seja, ser de Brasília
é basicamente ser de algum lugar de fora e morar
com outras pessoas nas mesmas condições
numa cidade sem história. É ser um desterrado.
O João Almino diz que "Brasília é
um bom lugar pra assistir ao fim do mundo como o conhecemos".
Talvez os longas sejam isso.
Me veio à cabeça também o Nicholas
Behr, que tem um poema sobre a cidade que diz: " A cidade
é isso mesmo que vocês estão vendo/mesmo
que vocês não estejam vendo nada."
Pra fechar, e pensando nisso, creio que os curtas que
foram filmados depois do Subterrâneos mas
finalizados antes – 10 Dias Felizes e Um Trailer
Americano – dão mais cabo da idéia
de viver em Brasília mesmo não falando
o nome da cidade em nenhum momento.
Como foi a repercussão de Subterrâneos
e A Concepção em Brasília?
Subterrâneos foi uma bosta em Brasília!
Poucas pessoas da cidade saíram em defesa do
filme. Não chegou a ser vaiado no festival daqui,
mas a recepção foi gélida. Recebi
dedo na cara, piadinha e o escambau. Fiquei bem deprimido.
Creio que esperavam de mim comédias ou um filme
bacaninha e por outra, o Conic é um lugar mítico
na cidade. Cada um tem sua imagem do lugar. E o filme
não era sobre o Conic. Se passava lá,
mas era sobre a impossibilidade de fazer um filme sobre
uma realidade daquelas.
A Concepção foi igual como todo
resto do pais. A única diferença é
que quando o filme acabou a platéia ficou perplexa,
não sabia o que falar. Quando digeriu começou
o FLA-FLU igual do resto do pais. Uma coisa muito esquizofrênica,
verdadeira montanha russa: De um lado, gente que me
chamava de retardado, fetichista, maneirista, presunçoso,
caipira pretensioso, babaca, moralista, adolescente
crônico e do outro que me chamavam de corajoso,
ousado, inventor, libertário, visionário,
grande diretor de ator, autor rigoroso, intelectual
de vanguarda, que tinha feito um dos melhores filmes
da retomada. Até que tinha o gênio de Glauber
eu li. Muito engraçado isso. Outra coisa engraçada
e comum foi ver as pessoas detonando e elogiando a mesma
coisa. Tipo: "Ah, o filme explica demais, ficam toda
hora se repetindo", ou gente dizendo que o filme não
explicava nada, era confuso e hermético.
Bem, estando de um lado ou do outro, tamanha divisão
prova a tese de alguns membros da equipe, de que o filme
é um jogo de armar e se faz na cabeça
de quem vê.
No sudeste, Subterrâneos só teve
exibição em festivais, e A Concepção
foi lançado num momento em que diversos filmes
brasileiros estrearam quase ao mesmo tempo, a princípio
diminuindo o alcance e o possível número
de semanas em cartaz do filme. Como você vê
a trajetória de lançamento dos dois filmes?
Novamente vou discordar da sua premissa quando diz
"diversos filmes brasileiros estrearam quase ao mesmo
tempo, a princípio diminuindo o alcance e semanas
em cartaz". Existe uma pequena porcentagem da população,
creio que do tamanho da torcida do Íbis, que
não tem tanta independência financeira
e tem interesse especifico no cinema brasileiro. Ou
seja, o cara quando abre o jornal não fica escolhendo
se vai gastar seus parcos 16 reais pra ver Árido
Movie, Achados e Perdidos ou A Concepção.
Cinema brasileiro não é gênero.
O cara vai querer ver uma comedia de costumes, uma aventura,
um filme de arte, um melodrama, ou seja lá o
que for.
Tanto discordo da suposição que se você
for ver o borderô, quase todos os filmes batem
em torno de 15 mil espectadores. Se um filme atrapalhasse
o outro, alguns iriam ter 50 mil, outros 2 mil... Teríamos
resultados discrepantes e na média estamos quase
todos na mesma merda e arremessados no mercado do mesmo
jeito há anos. Esse sim é o problema.
O que houve agora foi um refluxo do publico de cinema
como um todo no mundo. E, como o cinema brasileiro já
tem problemas culturais e industriais (falta
de regulamentação na distribuição,
por exemplo) dentro da sua própria terra, o refluxo
aconteceu mais pra gente.
Tem também o fato que houve uma política
de investimentos em produções do Governo,
só que quando ele ia asfaltar o terreno pra regularizar
a questão pra esses tanto de filmes serem exibidos,
o latifúndio da monocultura gritou. Mas, bem,
isso é uma outra história e o buraco é
mais embaixo...
Vamos enfim pra sua pergunta:
Olha, Subterrâneos nem chegou a ser exibido
em nenhuma região do país. Corrigindo:
por iniciativa do pessoal da casa de cinema exibiram
Subterrâneos em Porto Alegre apenas, ficou
4 semanas e foi legal. Tínhamos a idéia
de fazer um circuito alternativo no mesmo estilo em
cada canto do pais, mas não havia grana, saco
e, como o filme tinha vários sócios não
se chegou a um consenso operacional.
Logo, me sinto um puta vitorioso em ter exibido A
Concepção e ter conseguido o retorno
que consegui. Não era o ideal. Tudo bem. Vamos
ao terceiro filme então. Estou aprendendo com
os erros. Assim espero.
Minha única lamentação é
ver que se o filme tivesse tido a mesma média
de publico ou perto da que teve em São Paulo
estaríamos bem melhor de bilheteria. Coisa que
pra muita gente é importantíssimo pra
se construir uma carreira de cineasta. O que me faz
deduzir que, na verdade, baseado na conversa com outros
realizadores, que hoje São Paulo é um
dos poucos estados economicamente ativos do pais. No
resto, atrás dessa balela de estabilidade, temos
uma puta recessão com uma classe média
individualista, acuada financeiramente e com um puta
medo de sair na rua pra piorar. Mas isso é um
achismo, um chute, pode ser um equivoco o comentário,
eu sei, mas fica aí a idéia para ser analisada
e digerida.
Em que medida o lançamento comercial
de A Concepção se revelou como
suficiente para fazer as pessoas terem acesso ao filme?
Olha, a pergunta é bem genérica...
Bem, o filme ainda está em cartaz e não
passou por todas as janelas possíveis de exibição:
tv, dvd, etc...então não me sinto seguro
pra te dizer algo. E não conheço ninguém
que possa te dizer algo exato sobre isso por que são
coisas muito subjetivas. Números quando contextualizados
são bastante reveladores. Talvez o pai de um
amigo meu professor de marketing da FGV possa me ajudar
mais adiante .
No chute te digo que obviamente existe uma vaidade que
lá no fundo a gente sempre espera que nosso filme
seja o novo Dona Flor e Seus Dois Maridos. Que
arrebate publico e critica. Mas a vaidade é um
componente que não pode ser tão relevante
na carreira de quem faz cinema.
Entrevista concedida a Ruy Gardnier, por e-mail
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