CNT:
Sentado em sua cadeira, o homem sério, com olhos
fundos, ouve atentamente o testemunho da fiel.
Fiel: Fui vítima de um feitiço e vivia
doente. Isso me deixava infeliz. Afinal, quem gosta
de ficar doente? Eu não sabia o que fazer. Eu
me dizia: "Meu Deus, como é que eu adquiri essa
hemorragia? Meu Deus, por que estou sempre doente?"
Comecei a brigar com meu marido. Briguei com minha família.
Era uma doença atrás da outra...
– Ou seja... – atalha o homem. – Começaram a
acontecer coisas que não aconteciam antes.
– Exatamente – responde a fiel, remexendo-se na poltrona.
O homem sério olha fixo para a mulher, com seus
olhos fundos. A fiel continua:
– Eu ainda não tinha conhecido o Senhor Jesus,
ainda não era uma dizimista fiel, e estava vulnerável
aos encostos. Como eu não conhecia Jesus, eu
não sabia o que fazer. Pensei em me matar. Só
pensava no suicídio. Eu olhava pro terraço
e queria me atirar. Pedia a Deus pra ele tirar a minha
vida...
– Então era só isso – indigna-se o homem.
– Pensar em se matar, em morrer... Era só isso?
O homem sério olha para a câmera, fala
para o público:
– Estão vendo o que faz a ação
dos encostos? Nesses momentos é sempre assim...
– Ele acrescenta, poético: – Um abismo vai puxando
o outro.
– Exatamente – responde a fiel.
O homem muda de assunto:
– Agora, vamos atender uma ligação, de
outra vítima dos encostos... Alô, Dona
Juliana?
(Silêncio)
– Alô...? – repete o homem.
(Silêncio)
– Dona Juliana?
(Um bebê começa a chorar.)
– Dona Juliana?... Tudo bem?
(O bebê chora mais alto.)
O homem insiste:
– Está tudo bem?
Finalmente, do outro lado da linha, uma voz feminina
abafada responde:
– Eu tô com um probrema. Ele me bate muito...
– Pausa. – Alô? Oi... – a voz fica cada vez mais
abafada: – É que eu tenho muita vergonha de falar
nisso. Dizem que é besteira, que não é
verdade... É que eu tenho vergonha...
O homem interrompe:
– A senhora não tem que ter vergonha. A senhora
tem que abraçar o Senhor Jesus.
A voz abafada retoma:
– Conheci um rapaz que... – Ela faz uma longa pausa
e o bebê chora. O homem sério olha para
a câmera com uma cara impaciente. – Bom, eu fico
com vergonha... Conheci um rapaz que era espírito.
Um rapaz que tinha morrido... e tinha virado espírito.
E o rapaz...
O homem sério fica irritado. Ele interrompe:
– Não, olha... É melhor a senhora desligar
o telefone. A senhora não está em condições
de falar com a gente. O bebê volta a chorar.
– Olhaí, está vendo? O seu filho está
chorando, minha senhora. Agora a senhora não
tem condições. A senhora liga mais tarde,
tá bom...
– Mas...
A ligação é cortada. O homem sério
volta-se novamente para a fiel.
Shoptime: Tem um japonês de camisa
havaiana querendo me vender um produto. O japonês
é um vendedor nato. Sabe tudo de tecnologia.
No momento, ele está explicando em quantas vezes
eu posso parcelar uma placa PCTV 100e EXTERNA. Parece
que posso pagar em dez vezes. É uma oportunidade
única – explica o japonês. Talvez ele saiba
que eu não preciso de uma placa PCTV 100e EXTERNA.
Mas ele precisa tanto vender... Dá pra enxergar
em seus olhos o desespero.
O japonês de camisa havaiana está num estúdio
apertado, que simula uma casa aconchegante, um doce
lar dos vendedores. Ele não é o único
vendedor do estúdio. Assim como o japonês,
um loiro metido a engraçadinho também
apresenta seus produtos. O loiro diz: "Não adianta
assistir, tem que comprar... Tem que comprar!" E ainda:
"Vai tirando escorpião do bolso, vai tirando..."
O loiro está sempre sorrindo. Para apresentar
seus produtos, ele faz vozes múltiplas, com entonações
diferentes. De repente, sua voz fica fina, como se imitasse
uma mulher, e aí o loiro dialoga consigo mesmo:
– Bottini! – o nome do loiro é Bottini. – Que
celular pequeno! Eu quero comprar, Bottini, quero comprar!
Então sua voz volta ao normal:
– Sim, senhora, o celular é pequeno! Pequeno
e bonito. Você deve comprar.
Em seguida, o alemão Bottini mostra uma mangueira:
– Essa não é uma mangueira qualquer. Leva
muitas vantagens em relação às
outras mangueiras... – ele faz a outra voz: – O quê?
Você vai me mostrar uma mangueira, Bottini? –
Retoma a voz normal: – Sim. Uma mangueira. A mangueira
"Roll Water HN 1002." Garantia de qualidade.
Boa pra quem quer viajar. Dá pra levar pra qualquer
lugar. – Bottini encarna mais uma vez a voz feminina:
– Puxa, estou emocionada! Eu quero uma mangueira, Senhor
Bottini! – Volta a voz normal: – A mangueira vai ganhar
certificado? Vai ganhar? Claro que vai!
Ele avança em direção à
câmera. Estende a mão e levanta o polegar.
A câmera dá um close no polegar e o loiro
anuncia:
– Certificado Dedão Bottini de Qualidade! Mas
que beleza!
E, falando como mulher:
– Bottini, você é meu herói!
Com suas múltiplas vozes, o loiro engraçadinho
mostra ainda uma TV 25 polegadas, cuja imagem é
"uma pintura na tela"; um DVD portátil,
"ótimo para viajar"; e um karaokê,
para fazer um "verdadeiro show de calouros"...
Finalmente, o loiro engraçadinho fala com ar
engraçadinho:
– Vamos chamar agora o nosso amigo nipônico...
E aí volta pro japonês. Ele ressurge, apoiado
numa mesa, com ar cansado. Parece cansado de tanto vender.
Mesmo esgotado, porém, é um vendedor nato.
Ele abre o sorriso e mostra todo seu entusiasmo:
– Agora eu vou mostrar um telefone celular que...
Canal Rural: Três mulheres em torno de
uma mesa e um prato de alumínio. Uma delas veste
chapéu de cozinheira, avental e luvas. Mexe uma
gororoba estranha dentro do prato.
Ela não fala. As outras duas é que falam.
Uma delas é mais velha e explica a receita. A
outra é mais jovem e apresenta o programa. Ela
vai comandando a explicação da mais velha,
fazendo perguntas do tipo: "E como eu mexo...", "É
rápido?", "Quando eu devo fritar?.. " – até
que começam a fritar. São bolinhos. Não
parecem gostosos.
– Parece gostoso – diz a mais jovem.
A imagem mostra os bolinhos saindo da frigideira. A
mais velha continua dando explicações.
Depois a imagem volta pra mesa, com um prato cheio de
bolinhos prontos no meio. A mulher de chapéu
e luvas não está mais lá. No vídeo,
aparecem apenas a mais jovem e a mais velha, atacando
os bolinhos. A mais jovem tira um bolinho do prato e
come. A mais velha também come e a câmera
dá um close na boca dela mastigando.
– Hum... muito bom – diz a mais velha.
Shoptime: É uma chamada. Bottini, o alemão
engraçadinho, está de volta.
– Olá! Olá! Você que está
aí, zapeando de lá pra cá...
Eu?
– É! Você, mesmo! Preste atenção!
Sexta-feira, oito da noite, tem a maratona Shoptime.
Você que está querendo diversão,
muita diversão... Maratona Shoptime!
Aparece na tela:
MARATONA DE OFERTAS SHOPTIME
– Você não pode perder – insiste, com olhar
arregalado, o alemão Bottini. Então, no
seu olho arregalado, corta pra uma mulher grávida,
dentro de um estúdio-cozinha.
A mulher grávida fica sorrindo pra mim. O formato
do seu umbigo aparece sob a blusa vermelha. A barriga
enorme aponta para todo o Brasil.
– É... – diz a mulher grávida, escancarando
o sorriso. – Eu quando apareço é sempre
pra dar notícia boa. Você até deve
ficar se dizendo: lá vem de novo a redondinha
do Shoptime mostrando coisa gostosa. Pois é...
Mas eu sou assim mesmo. Eu só mostro coisa gostosa.
O que ela quer mostrar é uma churrasqueira especial,
uma churrasqueira especial que evita gordura. Uma churrasqueira
de pugilista – informa a mulher grávida. A CHURRASQUEIRA
FAMÍLIA GEORGE FOREMAN.
– Tira toda a gordura – diz a mulher-redonda, dando
ênfase a palavra gordura. – Tem coisa mais
saudável? Olha, deixa eu te mostrar...
A câmera mostra a churrasqueira. Tem uma carne
lá dentro. A mulher grávida pergunta:
– Quer dar uma olhada na minha picanha?
CNT: O homem sério, com olhos cada vez
mais fundos, pergunta:
– Então... Quer dizer que desde que você
abraçou a Igreja Universal todos seus problemas
acabaram.
– Sim – responde a fiel. – Acabaram completamente.
– Não teve mais hemorragias, mais desmaios...?
– Não. Tudo acabou. Jesus tirou a doença
de mim. Hoje, a agenda do meu marido é cheia...
O lado financeiro melhorou muito.
– Quer dizer, não foi sói a saúde...
O lado financeiro também melhorou?
– Melhorou muito. Não tenho mais dívidas,
nem nada.
– E há quanto tempo a senhora entrou na Igreja
Universal?
– Sete meses.
Há uma pausa de admiração. O homem
sério enche o peito de ar; parece feliz. Ele
olha para a câmera:
– Você vê... Você vê... Sete
meses. Apenas sete meses com o Senhor Jesus e tudo mudou...
Tudo, as hemorragias, as doenças... Ela estava
sempre doente. Sempre doente! E depois de sete meses,
apenas sete meses com o Senhor Jesus, é uma pessoa
feliz.
REDETV: A mulher de camisa trigresa disse:
– A casa é sua.
A casa dela é bem diferente da minha. Ao menos
a casa que o estúdio simula. Dentro dessa casa,
no sofá, tem um casal de meia-idade, segurando
um microfone. Na frente deles, uma mesinha de centro,
com um buquê de flores. O casal está sendo
entrevistado. Sobre o quê? O GC explica:
MEU SONHO É PODER CASAR COM MEU PRIMO NA IGREJA
De fato, o casal relata com que ferocidade a paixão
tomou conta de suas vidas. Fala sobre o preconceito,
todo o ressentimento da sociedade, que os impede de
ser felizes. Fala sobre o sofrimento, o triste destino,
de não poder casar.
A mulher de camisa tigresa os escuta atentamente. Ela
é a anfitriã dessa casa modelo e, como
toda boa anfitriã, recebe todos com cortesia
e respeito. Além de tudo, a mulher tigresa é
uma pessoa compreensiva e tolerante, uma mulher liberal.
Ela explica:
– Vocês dois sabem que nós, nós
compreendemos e respeitamos o seus sentimentos. Mas
sabemos que há outras pessoas, digamos, pessoas
que pensam de forma diferente. E nós fomos para
a rua e perguntar para as pessoas o que elas acham sobre
a história de vocês, se acham isso traz
algum problema, talvez algum problema pros filhos...
Mas antes...
Ela faz uma pausa. Prossegue:
– Antes, o recado da Joana...
Aí aparece a tal de Joana – uma moça magrinha
e frágil, de voz fina – junto com outro sujeito.
Os dois vendem remédios pra emagrecer. Eles explicam
durante dois minutos os benefícios da boa forma.
E, depois desses dois minutos, volta a mulher vestindo
tigre:
– Agora, sim, vamos ouvir a opinião das ruas...
Canal Rural: Uma furadeira furando um pedaço
de madeira.
SPORTV 1: Homens pulando.
SPORTV2: Mulheres de raquete.
GNT: Um salão cheio de gente.
Multishow: Uma praia. Uma canção.
Universal Channel: "Está oferta é
por tempo limitado..."
Nickelodeon: Desenho de um garoto ruivo com cabelo
espetado.
Universal Channel: "Nossa, minha postura era
horrível quando eu ia pra academia. Agora, tudo
mudou..."
Multishow: Madonna.
GNT: Uma parede de azulejos.
SPORTV: "Ponto do Banespa!"
SPORTV2: Um técnico gritando.
Canal rural: Ainda a furadeira.
Rede Vida: Não sei. Não sei. Acho
que o programa se chama "Pé na estrada". É
o que está escrito no boné do apresentador,
um sujeito de meia-idade, de óculos, magro, que
fala rápido, sem parar. Não dá
pra entender nada do que ele fala.
Ele está num posto de gasolina... Posto de gasolina?
Ele lê um papel. O papel balança com o
vento. Só dá pra entender algumas palavras
esparsas:
– Paulinho... Santo André... O caminhão
parou lá... Mandou um abraço... Viu?...
Caminhão!
Então ele mostra o papel pra câmera:
– Tá aqui. Vocês estão vendo o papel?
Está escrito no papel. Estão vendo?
É claro que não.
– Nossa, tá um vento danado aqui – o vento fica
balançando o papel.
Ele volta a ler:
– Escrito... O caminhão... Sua inveja acelera
minha...
A câmera se afasta e aparece um frentista ao lado
do apresentador. O frentista está enchendo um
tanque. O frentista diz...
SBT: A apresentadora pergunta:
– Por que você acha que ele mudou de comportamento?
A mulher morbidamente obesa, com um leve bigode acima
dos lábios, responde:
– Acho que é por causa da bebida.
Estimulada pela apresentadora, a mulher vai explicando
como seu marido bebe e volta irritado para casa, como
fica indiferente para com ela e com as crianças.
Explica como o marido não é mais o homem
amoroso que foi no início da relação.
Eu fico meio perdido. Mas aí o GC explica:
TEMA DE HOJE: NÃO FOI COM ESSE HOMEM QUE EU ME
CASEI
A mulher morbidamente obesa ainda diz:
– Ele me proíbe de trabalhar.
– Proíbe? – pergunta a apresentadora.
– Proíbe – repete a mulher.
A apresentadora diz:
– Bem, então nós vamos conhecer o Aílton.
O Aílton acredita que no começo de um
casamento há sempre mais carinho. E que a bebida
está estragando a sua relação.
Entra, Aílton...
O Aílton entra sob aplausos. Mas ele parece envergonhado,
visivelmente sem jeito. Graças a Deus, a voz
da apresentadora é doce, suave, fina e reconfortante.
É uma voz que acalma. Aílton senta ao
lado da mulher morbidamente obesa.
– Aílton, tudo bem?
– Tudo – o homem se mostra mesmo nervoso, mas a apresentadora
vai reconfortando ele, com sua voz doce. Ela é
boa nisso. Aos poucos, o diálogo vai fluindo
e a apresentadora começa a perguntar a Aílton
sobre o vício.
– Você quer largar a bebida?
– Bebida? Ah, quero. Quero muito.
– Por que?
– Ah, porque pra mim é até saúde...
Porque... Quando eu caio na cachaça minha cabeça
fica muito fraca.
– E você já pensou em como fazer isso?
– Já.
– Como o quê?
– Com remédio, né? É com remédio,
não é?
– Você já ouviu falar em Alcoólatras
anônimos?
Eu já vi esse programa. Volta e meia alguém
não se controla e começa a chorar, e aí
a apresentadora vai até a pessoa consolá-la.
É a parte emocionante do programa. Fico assistindo
o programa, sempre na esperança de que alguém
chore.
Só que a conversa continua e ninguém chora.
Ninguém chora. Fico esperando e ninguém
chora.
REDETV: BBB6: OS ROMANCES, AS ARMAÇÕES,
AS BRIGAS, CONFIRA O QUE ACONTECEU ONTEM.
É o mesmo programa da mulher de camisa tigresa,
só que os primos apaixonados não estão
mais lá. Agora, o programa mostra fotos do Big
Brother Brasil, enquanto uma locutora com voz marrenta
relata os acontecimentos do reality-show.
Locutora: "A Fulana perdeu definitivamente o seu
jeito inocente e religiosos de ser. Ela flertou, paquerou,
dançou e deixou os homens da casa loucos... Finalmente,
depois de muita baixaria, ela percebeu com que vulgaridade
estava agindo, mas nem por isso parou. Cada vez mais
desinibida e bêbada, Fulana agarrou Fulano, que
não se fez de rogado. Só que mais tarde
ele foi embora, deixando Fulana sozinha... Ela, por
sua vez, foi brincar com Cicrana, e a brincadeira deu
o que falar..."
Depois deste breve resumo ilustrado, volta a mulher
de camisa tigresa, dentro do estúdio, acompanhada
pela tal de Joana e pela comentarista oficial do BBB6.
A comentarista é uma mulher musculosa e grande,
com voz grossa, boca e beiços enormes. Ela começa:
– Olha, hoje tem tanta coisa pra falar sobre o BBB6
que eu nem sei por onde começar. Vi o 24 horas
direto e, olha: o que tem de cobras por lá é
brincadeira...
A comentarista é impiedosa, mas toma muito cuidado
para não ferir os sentimentos das pessoas:
– Que me desculpem os parentes de Fulana, mas ela é
uma pessoa perigosa, muito falsa. E aquele monge...
A tal de Joana, que atua como uma co-âncora do
programa, interrompe:
– O monge é gay?
– Pois é, nem ele sabe.
– Mas monge ele não é, não é?
– Claro que não – responde a comentarista. –
Isso já foi esclarecido. Os pais deles já
disseram que ele não é. Mas o certo é
que ele é muito inteligente. Impressionante como
ele joga com as pessoas...
– Ele manipula – resume a mulher com roupa de tigre.
– Isso é certo: ele manipula.
– Acontece que só quem tem o 24 horas em casa
percebe isso – explica a comentarista. – Quem só
vê a versão editada, na TV aberta, acaba
vendo apenas a visão que a Globo quer passar.
Agora que eu tô vendo o 24 horas, comecei a perceber
quem é quem...
A comentarista continua explicando as diferenças
entre a versão da TV aberta e a versão
24 horas, e alerta aos desavisados sobre os perigos
da edição:
– É a Globo tentando fazer a Santinha e a Malvadinha...
– Isso não é reality-show – acusa a mulher-tigre.
– Isso é armad-show.
– Eles induzem você a pensar aquilo que eles querem
que você pense...
Record: EXCLUSIVO – avisa o GC: – SONIA E VOCÊ
DESVENDA O MISTÉRIO: MENINO DO CÓRREGO
ERA MENTIRA
Era mentira.
O repórter explica que a história do menino
levado pelas águas saiu da imaginação
de um garoto. E ele está ao lado deste garoto.
A mãe também está ao lado dele,
chorando. O garoto está na cama, deitado de costas,
escondendo o rosto – morrendo de vergonha.
– Agora ficou tudo resolvido – explica o repórter.
– O garoto não agüentou o peso da mentira
em suas costas. Mas agora está tudo esclarecido
e ele vai mostrar para a sua mãe que ele a ama.
A mãe continua chorando. O garoto continua imóvel.
O repórter avisa:
– Ele vai abraçar a mãe.
O garoto permanece imóvel.
– Vai, abraça ela. Mostra que você ama
ela.
O garoto não se mexe.
– Ele vai abraçar – insiste o repórter.
– Vai, abraça ela. Mostra que você pode
abraçar.
O garoto parece morto. Não move um dedo. Finalmente,
o repórter levanta o garoto pelo braço
e o empurra contra a mãe.
– Isso, abraça ela... Que bonito... Que bonito...
O garoto abraça a mãe, para não
se espatifar no chão. Eles se apertam e choram
juntos, mãe e filho, fazendo um só.
– Que bonito – emociona-se o repórter. – O país
inteiro está vendo.
Shoptime: Meu Deus! Todos os vendedores estão
juntos! O alemão engraçadinho, a mulher
grávida, o japonês havaiano, uma morena
sensual e muitos outros... Todos reunidos, como um exército
de vendedores. Eles se agrupam em torno de uma máquina
estranha, espécie de chafariz de plástico,
de onde escorre litros e litros de chocolate.
É o happy-hour.
A vendedora grávida pega um waffle, aproxima-o
do chafariz, e cobre-o de chocolate. Os outros vendedores
fazem o mesmo. Cada um enche seu waffle de chocolate
e depois vai pro seu canto, encurvado, como uma hiena
satisfeita, resignada com sua parte da carcaça.
O japonês se delicia. O chocolate escorre de sua
boca. A morena engole com deleite o waffle mordido.
Por todos os lados, há vendedores comendo waffles
com cobertura de chocolate. O exército está
faminto. Eles mastigam. Mastigam.
SBT: Ninguém chora. Ninguém chora.
SPORTV2: – Ser técnico do Flamengo é
a pior profissão do mundo.
– Esse é o problema. Quando você começa
a se contentar com algo com que você não
poderia se contentar, como é o caso do Flamengo,
quer dizer...
Canal desconhecido: "Por favor, não
me deixe sozinho, não vá embora/ Não
diz adeus, não diz adeus/ (BIS)
O homem cantando veste camisa amarela apertada e calça
preta com cinto grande. Ele canta em playback, mas o
movimento da boca não acompanha a letra da música.
As dançarinas atrás também não
acompanham a música. São três dançarinas.
De repente, uma delas vai pro lado e a mão de
um corpo fora do quadro lhe entrega um CD. As outras
duas continuam dançando. A câmera (parece
uma gravação caseira) dá um zoom
no CD e mostra a capa, onde se lê:
OLÍVIO JR.
Depois do zoom, a dançarina desertora volta pro
bando. Olívio Jr continua:
"Não diz adeus, não diz adeus/ Iê-iê-iê"
O palco onde ele canta não é bem um estúdio.
Parece mais um depósito abandonado. Tem até
uma cortina vermelha ao fundo. Quando a música
é cortada bruscamente, ouve-se uns aplausos –
e depois um bebê chorando. E então entra
uma mulher com um microfone. Olívio Jr passa
pra e pro público seu telefone de contato.
Warner: No signal. Tudo preto.
CHATV: Morena of 21: Algum gato afim
de tc com uma linda morena solitária
...4845 SP: Corínthians
Dudu 24 SP: sou de Santos. Tenho 25 anos quero tc com
uma mina bem legal
MODERATRIX: Olá a todos que estão entrando
no chat. Estejam a vontade e não esqueçam
de completar o perfil, assim fica mais fácil
fazer amigos. Beijão em todos.
Carim: o alan é meu irmao e ele ama uma menina
chamada rejane e um pia chamado gean. É que ele
é guei.
Deka 14, 22, RS: Trix, sab o q e, eu n vi o post pobre
do meu krro!
Guto 34, rs: claro
Mobe RJ: Meu gostoso te adoro
Blun 2, 27, sp: ô Trix ainda nao to recebendo
msg? Viu meu caso?
REDETV: O GC explica: MULHER DIZ QUE MESMO DEPOIS
DE MORTO SEU AMANTE CONTROLA SUA VIDA
Discovery Channel: "No mais importante dos
seus casos, John Griene procura a causa verdadeira da
morte de Alexandre..."
O professor John Griene está sentado em sua mesa,
na frente do computador, devidamente engravatado, e
com uma expressão acadêmica e séria.
A câmera faz uma panorâmica em volta da
mesa. Depois, corta para uma animação
do corpo de Alexandre e o narrador explica:
"Na Índia, Alexandre quase morreu quando
uma flecha o atingiu no peito. Ele recebeu outra flechada
na coxa, durante a batalha de Ishtar..."
Warner: Sempre No signal. Sempre tudo preto.
Discovery Channel: "...Alexandre
poderia ter morrido da febre do Nilo, normalmente transmitida
por ratos e mosquitos. Mas seu sistema imunológico
poderia ter ficado altamente fragilizado devido a grandes
bebedeiras somadas a feridas de batalha."
O Professor Robert Amoit dá sua opinião:
– De fato, ele bebia demais e isso pode, sim, ter tirado
sua imunidade.
Canal desconhecido: "Galera bonita e alto-astral,
só aqui, no Disk Galera. São milhares
de gatos e gatas esperando por sua ligação.
Tá todo mundo ligando. Só falta você.
Vai ficar de bobeira?"
A bela juventude vai desfilando na tela. Rapazes e mocinhas
saudáveis, fortes, corados e confiantes. Eles
aparecem na praia, patinando, surfando, conversando.
Aparecem no shopping. Aparecem dirigindo um belo carro.
Uma menina charmosa fala no telefone. A locutora continua:
"Aqui tá cheio de gatas e gatos esperando
24 horas para encontrar você. Não fique
fora dessa. Ligue agora para o número que está
na sua tela e conheça uma galera divertida e
animada. Liga, vai!"
Um rapaz musculoso nada na piscina. Ele se apóia
numa das bordas e fala para a câmera:
– O mais legal do Disk Galera é que você
vai fazer amizades com pessoas diferentes. Você
pode encontrar a galera que você não encontra
no shopping, na boate e na academia.
Depois, uma adolescente toma banho de chuveiro, de biquini.
As gotas escorrem lentamente do seu corpo molhado. Uma
outra aparece na sala, falando toda feliz num telefone
sem fio:
– Alô, quem tá falando?
– Ah – responde um garotão com voz de galã,
– você é nova por aqui.
– Sou sim. É a primeira vez que eu ligo.
– Como você se chama? – pergunta o garotão.
– Eu me chamo Manoela.
– Manoela – fala uma moça, numa outra linha,
– você ligou na hora certa. Estamos combinando
uma reunião com toda a galera.
– Que legal! – exclama Manoela. – Mas vamos combinar
num lugar público, não é?
– Isso – concorda o garotão. – Vamos combinar
na praia.
"Viu como é fácil. Com o Disk Galera
você vai encontrar pessoas bonitas, inteligentes
e interessantes. É diversão e azaração
o dia todo."
SBT: Ninguém chora. Por que será
que ninguém chora?
CNT: O homem sério, de olhos fundos,
foi embora. Chega de conselhos espirituais. Dessa vez,
o que o canal mostra é uma sessão do Banho
de Descarrego.
– E o que ele fez para separá-la do marido? –
pergunta o exorcista, segurando a cabeça da possuída.
A possuída avança sobre o exorcista, a
testa baixa, como um touro. Ela responde com voz diabólica:
– Cocaína, maconha, droga...
– E o que ele ganhou com isso?
– Boi, muito boi.
– Que mais?
– Dinheiro – a voz da possuída é rouca
e destemida. Ela dá uma risadinha satânica
depois de tudo que diz: – Ganhou dinheiro...
O exorcista, no entanto, tem tudo sobre controle. É
um exorcista experiente. Ele avisa que o Diabo não
pode nada contra o Senhor Jesus.
– Sai, Satanás, vai embora! Vai pra longe, Satanás!
– Vou, não – responde a possuída, com
a risadinha satânica. – Vou, não.
Nisso, corta pro apresentador. Ele deblatera:
– Você que está aí, todo tempo mudando
de canal. Pare de mudar e me escuta. O que tem que mudar
não é o canal, é a sua vida. O
que adianta mudar de canal? Você que está
aí sofrendo, você que está carente,
Deus vai trabalhar na sua vida. A nossa equipe de pastores
vai ajudar você. Você que está sofrendo,
preste atenção: é daqui a pouco.
Olha, é daqui a pouco, a grande Sessão
de Descarrego. A grande Sessão de descarrego!
Seus problemas vão acabar...
O apresentador convoca:
– Vá à Sessão do Descarrego...
Agora! O que você está esperando?
Shoptime: O happy-hour acabou. Não mais
waffles. Não mais chocolates. Adeus, exército
de vendedores, adeus.
Estamos no estúdio. Aquele que simula o doce
lar dos vendedores. Agora, sobrou apenas o alemão
metido a engraçadinho: Bottini, glorioso Bottini.
Ele aparece, em frente à câmera, em mais
uma luta solitária.
Ele não pára. É como o coelhinho
das pilhas Duracell.
– E agora eu vou mostrar um "Notebook Wide Screen
Amazon", tela estendida, quinze ponto quatro de
tela – mas que tela, bonita, Bottini! – É,
é, muito bonita.
Bottini não desmancha o sorriso. Ele nunca vai
parar de sorrir.
– Essa é uma história sem fim – assegura
Bottini. Ele olha para mim, e eu não sei mais
se é isso mesmo que ele fala: – É uma
história sem fim! Eu vou estar sempre vendendo...
Ahaha!... Sempre vendendo – vende pra mim, Bottini,
vende pra mim!...
Bolívar Torres
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