O
dono do vocal masculino dos Magic Numbers se chama Romeo,
e não é para menos: as letras e as melodias da banda
são verdadeiros suspiros românticos. No disco de estréia
deles, as canções nos devolvem ao universo ensolarado
– e que nem por isso deixava de ser melancólico – de
Beach Boys e Mamas & The Papas. E essa influência
dos anos 60 sobre o The Magic Numbers parece não se
limitar aos ecos californianos de seus acordes: no clipe
de “I see you, you see me”, a matriz estética mais evidente
são os filmes em preto e branco da nouvelle vague
francesa, sobretudo os primeiros longas-metragens de
Godard.
O clipe mostra as andanças de uma bela moça de cabelo
curto, de ar travesso e lábios sempre sorridentes, que
sai pelas ruas como uma nova versão da Anna Karina de
Viver a Vida, ou da Jean Seberg de Acossado.
Ela se aproxima de rapazes desconhecidos e rouba deles
primeiro um beijo, e depois o semblante ao fotografá-los
com uma Polaroid. Entre uma e outra cena em que ela
“ataca” os homens, ressurge a imagem de um rapaz de
chapéu, com um charme à moda antiga, o Jean-Paul Belmondo
dessa pequena fábula nouvelle vaguiana. Ele é como o
fantasma de um amor perdido: em “I see you, you see
me”, o amor é cantado como o que ficou para trás, não
retornará – pois, no limite do romantismo, só se ama
uma vez. Como uma personagem de Wong Kar-wai, então,
ela fica zapeando de um rosto a outro quando na verdade
procura um rosto do passado, ausente, diferente daqueles
todos – o que, em contrapartida, faz com que eles se
equivalham.
Depois que o amor é dado por perdido (como no nome do
primeiro single da banda, “Forever lost”), resta se
relacionar com todos mas não se relacionar com ninguém:
sair beijando estranhos na rua, registrar seus rostos
em polaroid, compor um mosaico com essas imagens até
que nenhuma delas se diferencie da outra, e até que
elas funcionem como um espelho em que o “eu” se enxerga
no “você”. Ao final do videoclipe, ela prega na parede
do quarto todas as fotos que tirou, e aos seus olhos
todas mostram um mesmo rosto (do rapaz de chapéu), um
mesmo sorriso dirigido a ela. O último plano do videoclipe
mostra novamente a parede com as fotos, mas desta vez
não do ponto de vista dela, e o que vemos são rostos
os mais distintos, sendo que nenhum deles se parece
com o rapaz de chapéu anos cinqüenta (um ícone e não
uma pessoa?). Mas pouco importa essa implacabilidade
do instantâneo fotográfico: aos olhos dela, a câmera
tem um poder de restituição sentimental que é maior
que a própria restituição ontológica da imagem fotográfica.
O Polaroid se torna aqui um dado essencial: a etapa
de revelação da foto foi substituída por uma outra química:
é o coração dela que refrata aqueles rostos, modifica
a percepção de suas imagens, que não precisam mais coincidir
com os rostos reais, e sim com um rosto imaginado. Ingenuidade
ou autoritarismo do coração?
Aos amores perdidos, às melancolias sem fim, o clipe
dos Magic Numbers opõe um jogo em que o afeto é distribuído
pelo mundo de forma randômica, sem foco e sem exclusividade,
espalhando-se por cada hora do dia, por cada rosto visto
na rua. Porque o amor não depende somente de um, precisa
do outro. Mas se esse outro passar a ser “todos”, ou
a vida em si, ou o mundo, as eventuais perdas estarão
resolvidas. É exatamente assim que o clipe de “I see
you, you see me” dispõe em imagens a sensação despertada
pela música: uma carta de amor que erra de endereço,
mas que faz todo mundo se apaixonar ao receber.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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