Certa
vez, Tag Gallagher observou que Joseph L. Mankiewicz
seria um grande cineasta, se não fosse um péssimo roteirista.
Há este curioso paradoxo no centro do cinema de Mankiewicz:
um cineasta cuja senso natural de cinema é freqüentemente
desequilibrado por suas noções do que seria bom cinema.
Quando trabalha num filme de encomenda – em particular
o excepcional Eles e Elas – o resultado final
tende para uma rara riqueza visual capaz de levar uma
teatralidade de encenação cinematográfica a tal limite
que podemos até mesmo vê-lo como um antecessor de certos
experimentos do cinema dos anos 60.
De certa forma esta mesma sofisticação está presente
neste Quem é o Infiel?. O problema é que ela
está soterrada sob uma camada grossa de noções do que
seria um filme sofisticado em Hollywood de 1949 e estas
rendem tudo menos um bom filme. Agora que o filme está
disponível em DVD, é possível realizar a experiência
de retirar-lhe o som e observar como com o filme mudo
há uma inteligência de organização visual, de disposição
de ator no quadro, e olhar para o menor dos movimentos
dentro da imagem que revela toda a extensão da sensibilidade
cinematográfica de Mankiewicz. Então devolve-se o som
e do nada o que parecia quase experimental no rigor
de encenação magicamente se transforma num filme
de chá de titias do Unibanco.
Como tal coisa pode tão facilmente acontecer? Afinal,
todo cinéfilo está mais do que acostumado a fazer certas
concessões para limitações que acabam vindo no pacote
de determinados cineastas (a má dublagem da maior parte
do cinema de gênero italiano, por exemplo). O que torna
tão difícil aceitar Quem é o Infiel? Mankiewicz
é, no fundo, um talento natural cujos instintos acabam
traídos pela sua má consciência; ele precisa desesperadamente
afirmar sua arte sem perceber que ela já lhe vem naturalmente.
Resultado: tudo parece afetado e enfadonho, com cada
fala escrita demais e lida sempre um tanto fora do tom
exato, como se cada ator estivesse preocupado demais
em destacar que estavam trabalhando com diálogos muito
refinados. A fragilidade da estrutura do filme termina
aos poucos tomando conta de tudo, ao mesmo tempo em
que fica claro que um pouco mais de coragem de assumir
a vulgaridade inerente ao projeto melhoraria muito o
resultado geral. Quem é o Infiel, a despeito
de suas inegáveis qualidades, termina se desfazendo.
Talvez seja o filme mais curioso de Mankiewicz, aquele
em que suas qualidades e defeitos sejam mais visíveis.
Um olhar preciso que termina confirmando os elementos
mais pobres e desinteressantes do seu material.
Filipe Furtado
(DVD Fox)
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