IRMA VAP - O RETORNO
Carla Camurati, Brasil, 2006

Antes mesmo de qualquer crédito inicial, como se fosse mais um dos muitos trailers, vemos a diretora Carla Camurati entre os atores Marco Nanini e Ney Latorraca. Não sabemos ao certo onde estão, eles surgem ali do nada, a princípio meio sem propósito. A diretora se apresenta e apresenta também os dois atores e em seguida ensaia com eles os agradecimentos aos patrocinadores do filme. Aos poucos, eles vão um a um agradecendo alguns dos maiores investidores da obra. Mas as palavras não saem fácil da boca de Nanini ou de Ney Latorraca, e ainda que ambos se saiam muito bem, levando com humor a situação, fica claro que por trás daquela brincadeira está em jogo uma séria questão a respeito da “indústria” cinematográfica brasileira. No meio dos muitos nomes citados, entre empresas públicas e privadas, em nenhum momento vem à tona as leis de incentivo, que propiciam o abatimento em impostos, revertendo o dinheiro para a produção de cinema. A indústria brasileira, mesmo com apoio da iniciativa privada, não se sustenta, e está sempre dependente de editais de fomento oferecidos pelos órgãos públicos. É sintomático que se recorra ao espectador, levando o nome dos investidores de maneira direta, seguindo a risca a tradição teatral, em que tal prática é bastante comum. Carla Camurati se aproveita do diálogo entre cinema e teatro que está presente ao longo do filme, e insere tal questão de maneira sutil. Uma boa jogada, mas que mascara a dependência do cinema junto aos órgãos públicos. Pois, nessa “indústria”, quase todo dinheiro aplicado decorre dos tais editais.

Passados os créditos “oficiais”, a primeira seqüência de Irma Vap – O Retorno se dá no cemitério, com a morte de um produtor teatral. A crítica à dificuldade de produção agora é feita de maneira mais direta, e os personagens, bastidores do teatro, comentam sobre a dificuldade em ganhar dinheiro com essa arte. É evidente que, após a introdução de Carla Camurati, qualquer associação com o cinema pode ser feita, e podemos estender essa dificuldade do teatro para ele. Ainda neste clima fúnebre, começam algumas especulações sobre um ressurgimento do teatro, a partir da remontagem de um grande sucesso do passado, O Mistério de Irma Vap. Mérito de Carla Camurati que, menos preocupada em levar uma adaptação da peça para as telas, criou uma nova trama, uma história independente, em que se aproveita de maneira honesta do sucesso obtido pela montagem teatral. Assim, a diretora cria um diálogo entre teatro e cinema, trazendo para as telas algumas das características do primeiro.

Em determinado momento, referindo-se a Irma Vap, Darci (um dos muitos personagens de Ney Latorraca) comunica: “É uma mistura de terror e comédia – um terrir”. E assim nos insere neste universo que transita entre o assombroso e o obscuro, tratados com escracho e humor. As opções de Carla Camurati são bastante inteligentes. Traz para a tela, num ótimo trabalho de som, algumas das características do cinema e do teatro burlesco, criando uma interação com a imagem. A valorização de cada barulho, que se distancia de qualquer realismo, imprime um tom cômico. O mesmo non-sense predomina nos demais elementos do filme, que sempre se aproximam do teatro: as interpretações supervalorizadas, o cenário que funciona muito mais como alegoria do que como simulação da realidade, as maquiagens e figurinos extremamente exagerados, e o próprio fato de papéis femininos serem interpretados por homens. Ao mesmo tempo em que dialoga com o teatro, se aproxima com o cinema de gênero – o já citado “terrir”. Mas apesar de algumas escolhas acertadas, o filme peca em sua questão principal: não é engraçado. O texto não ajuda, as tiradas são bastante desinteressantes, não há qualquer tentativa de ironia, duplas interpretações, ou mesmo certa inteligência. O que há é um texto qualquer, que colocado na boca de grandes atores ganha corpo, e o espectador, já predisposto a se divertir a partir da imagem emblemática da dupla protagonista, acaba tendo a impressão da comédia.

O aproveitamento no filme da peça O Mistério de Irma Vap, ainda que honesto, é totalmente deslocalizado. Algumas cenas da peça são inseridas em um considerável intervalo de tempo, sem, no entanto, estabelecer alguma interação com o restante do filme. Ficam perdidas, não permitindo que adentremos na obra, deixando somente um gostinho do que se trata, principalmente apoiado nas interpretações. E este aproveitamento dos atores utilizados por Carla Camurati parece também ser uma crítica aos novos modelos vigentes. Ao longo de Irma Vap (a peça dentro do filme), os novos atores se mostram incapazes de trazer a intensidade e agilidade da interpretação antes conseguida pelos grandes atores. A substituição no universo diegético do filme, dos atores novos e bonitinhos pelos grandes talentos, parece ser uma crítica ao novo padrão, que valoriza mais os corpinhos do que o talento. Pode não ter sido esta a opção da diretora, mas o fato em si está presente no filme, e não funciona, visto que uma nova gama de talentos se apresenta no cenário contemporâneo.

E se Carla Camurati recorreu ao apego popular, seja através da linguagem adotada, da temática abordada, do gênero consagrado, ou mesmo através do compartilhamento das dificuldades e dos problemas enfrentados pela indústria do cinema, o filme não proporciona ao espectador momentos de diversão, tornando-se um tanto monótono, ainda que com apenas 80 minutos de duração. O desfecho da trama torna-se um tanto bobo, distanciando-se do terror e conseqüentemente do humor. Há sim uma certa dramatização em torno dos objetivos individuais dos personagens, que acabam humanizados, como visto no fim (nada engraçado) de Cleide (interpretada por Marco Nanini) que canta seu sucesso de infância, Banho de Lua, para uma platéia inexistente. Por outro lado, o filme apresenta-se otimista, pois soa a impressão de que o sucesso da peça, tão desacreditada, corresponde a um suposto ressurgimento do teatro e, por analogia, do cinema, o que infelizmente não tem sido constatado nas salas de exibição de IrmaVap – O Retorno. Ao contrário dos 11 anos que O Mistério de Irma Vap permaneceu em cartaz, o filme deve durar pouquíssimas semanas.


Raphael Mesquita