HERENCIA
Paula Hernández, Herencia, Argentina, 2001

Logo no início de Herencia, uma cena serve de exemplo de tudo que vai dar errado no filme: desde as primeiras cenas fica bem claro que as duas linhas de história que o filme acompanha (a de uma senhora dona de um restaurante de bairro afastado do Centro, e a de um jovem alemão que vaga por Buenos Aires atrás de uma paixão argentina perdida) se cruzarão muito em breve. Só que, quando isso acontece, o que impressiona mesmo é a forma inepta de encenar-se este encontro, numa cena que deveria ser cômica, mas resulta apenas patética (com a mulher atirando um prato na cabeça do rapaz). Será a primeira de várias.

Estréia em longa-metragem de sua diretora, o filme se insere, dentro das recentes correntes do cinema argentino que temos conseguido ver no Brasil, na mesma linhagem que O Filho da Noiva tornou bastante popular: a de um certo melodrama com tintas cômicas, com grande apelo de público e uma narrativa altamente conservadora. Até aí nada de errado, como deixa ver a crítica que eu mesmo escrevi do filme acima citado. A questão não é fazer-se apenas filmes inovadores, instigantes, mas saber fazer aquilo a que se propõe. E a comparação deste Herencia com O Filho da Noiva talvez seja a mais simples maneira de ver como este filme de Hernández é equivocado (e as semelhanças justificam-na, pois até um dos subplots é parecido – sobre a venda de um restaurante). Porque, para começar, é extremamente mal filmado: cheio de cortes de cena com timing completamente errado, enquadramentos incompreensíveis (mesmo na sua enorme simplicidade), péssima direção de atores. Mas, para além disso, a comédia não tem graça e o drama não emociona - ao contrário do seu antecessor, que era bem sucedido em ambas as instâncias. Tudo fica apenas no banal, no clichê do clichê (a senhora mais velha reencontrará a alegria perdida enquanto o jovem alemão se sentirá querido e em casa na Argentina), sem que haja qualquer coisa em cena para além disso. Pode vir a encontrar êxito com o público? Talvez, mas aquele êxito preguiçoso de quem se satisfaz com muito, muito pouco.

O filme ganhou o prêmio de roteiro de Opera Prima, um concurso argentino para que estreantes façam os seus primeiros filmes. Até dá para entender: o roteiro, embora óbvio, podia funcionar no papel, se bem escrito (afinal o que há de roteiros simplesmente inexistentes concorrendo nestes concursos...). O que falta a Hernández ainda (temos que dar o desconto, afinal trata-se de uma estreante) é a cancha de conseguir transformar o que está no papel em imagem (e som – uma das piores coisas do filme, disparado, é sua trilha sonora inacreditavelmente equivocada em relação ao tom do filme, em todas as suas intervenções). Certamente não será a partir de Herencia que conseguiremos saber se ela tem potencial para tanto.

Eduardo Valente