16 QUADRAS
Richard Donner, 16 Blocks, EUA, 2006

Jack Mosley (Bruce Willis) não é um policial decadente, mas um indivíduo cuja vida já se encontra em ruínas há tempos. Alcoólatra, manco e moroso, enfrenta mais um dia de serviço – em um dos breves momentos em que 16 Quadras não se rende à obviedade dos clichês, Mosley não está prestes a se aposentar. É-lhe passada então a seguinte tarefa: transportar da cadeia até o tribunal uma testemunha, que, conforme seus superiores, é um zé-ninguém. Um trabalho simples, ao gosto do preguiçoso. Que a carona vai se transformar em tour de force ele descobre apenas um pouco mais tarde. Longe de ser ficha pequena, a tal testemunha, Eddie Bunker (Mos Def), é peça-chave num processo contra um enorme esquema de corrupção policial. Transportá-lo por meras 16 quadras torna-se quase impossível, já que os participantes da quadrilha – que incluem o capitão do distrito – usam de toda a sua força e influência para matar Bunker e impedi-lo de chegar a seu destino.

Mosley, até ali conivente com as trapaças dos colegas, resolve que essa é sua cruzada, o movimento capaz de redimi-lo. A partir daí, sua vagarosidade passa a entremear-se com uma argúcia espantosa. Bola planos astutos, mira com destreza, movimenta-se bem apesar da perna. Nem mesmo o travesseiro que leva por baixo da blusa e que faz as vezes de barriga é capaz de pará-lo. Bunker, a seu lado, segue fazendo gracinhas e falando em ebonics sobre a vida que pretende levar como dono de padaria depois que for solto. Carrega consigo um caderno de receitas recheado de desenhos de bolos confeitados. Juntos, os dois atravessam um pequeno pedaço de Nova York por entre túneis de lavanderias de Chinatown e balas de policias.

A promotora pública responsável pelo caso (Brenda Pressley) não só é incapaz de informar a algum órgão ou responsável na polícia sobre a situação de sua testemunha e daquele que a acompanha, como também falha em prover algum tipo de reforço/segurança para eles. A Justiça, única esperança de salvação, tem pés e mãos atados nas ruas. Resulta disso que toda a força policial da cidade fica à procura de Mosley que, de acordo com o falso relato dos policiais bandidos, enlouqueceu e seqüestrou a testemunha, tendo até mesmo atirado em um colega.

16 Quadras guarda grande semelhança com Rota Suicida (The Gauntlet, 1977), Clint Eastwood. Nele, Ben Shockley (Eastwood), policial medíocre, precisa levar a prostituta Gus Mally (Sondra Locke) de uma cidade a outra para que ela testemunhe. Além da intriga – vulgar –, há pelo menos uma seqüência comum: aquela em que a dupla enfrenta, de dentro de um ônibus, toda a força policial da cidade. No filme de Richard Donner, porém, a ação é mais comedida e cede espaço ao drama: o ônibus chega a ser parado, os passageiros tornam-se reféns. Mosley então tenta sacrificar-se por sua testemunha, mas Bunker fica ao lado de seu protetor até o fim. Entre eles, um assunto constante: as pessoas podem mudar? O policial acha que não, o ladrão arrependido, que sim.

Entre Willis, que brinca com sua própria idade e trajetória, encarnando uma figura deprimente, e Mos Def, cujas piadas e atitude não suscitam nem um leve sorriso, não há química nenhuma. O enredo, lugar comum que pode – e costuma – render boas piadas e seqüências de ação, é mal explorado. A opção parece ser pela carga dramática dos personagens, a mudança por que passarão. Ambos são pobres coitados a quem fazer o certo – justo ou legal, o bem – há de transformá-los em pessoas melhores. O problema é que o drama, que deixa tanto a ação quanto a comédia para trás, não se sustenta em personagens tão superficiais. 16 Quadras é, sobretudo, um filme entediante.

O final do filme é uma boa ilustração de suas más escolhas. Mosley de fato sacrifica-se por Eddie: torna-se ele mesmo testemunha e exige em troca – ato final da que toda a ficha criminal de Bunker seja apagada. Que o rapaz tenha uma segunda chance. Ele é escoltado pela promotora e tudo se resolve fora do filme. Apenas dois anos depois o reencontramos, feliz e já em condicional, assoprando as velinhas do bolo de aniversário enviado pelo ex-bandido tornado padeiro. Junto do bolo, uma foto, tirada em frente à confeitaria "Eddie’s and Jack’s", confirma a boa situação. Moral da história: Eddie mudou, Jack também. E isso lhes fez bem. Pena que não aos espectadores.


Juliana Fausto