Jack
Mosley (Bruce Willis) não é um policial decadente, mas
um indivíduo cuja vida já se encontra em ruínas há tempos.
Alcoólatra, manco e moroso, enfrenta mais um dia de
serviço – em um dos breves momentos em que 16 Quadras
não se rende à obviedade dos clichês, Mosley não está
prestes a se aposentar. É-lhe passada então a seguinte
tarefa: transportar da cadeia até o tribunal uma testemunha,
que, conforme seus superiores, é um zé-ninguém. Um trabalho
simples, ao gosto do preguiçoso. Que a carona vai se
transformar em tour de force ele descobre apenas
um pouco mais tarde. Longe de ser ficha pequena, a tal
testemunha, Eddie Bunker (Mos Def), é peça-chave num
processo contra um enorme esquema de corrupção policial.
Transportá-lo por meras 16 quadras torna-se quase impossível,
já que os participantes da quadrilha – que incluem o
capitão do distrito – usam de toda a sua força e influência
para matar Bunker e impedi-lo de chegar a seu destino.
Mosley, até ali conivente com as trapaças dos colegas,
resolve que essa é sua cruzada, o movimento capaz de
redimi-lo. A partir daí, sua vagarosidade passa a entremear-se
com uma argúcia espantosa. Bola planos astutos, mira
com destreza, movimenta-se bem apesar da perna. Nem
mesmo o travesseiro que leva por baixo da blusa e que
faz as vezes de barriga é capaz de pará-lo. Bunker,
a seu lado, segue fazendo gracinhas e falando em ebonics
sobre a vida que pretende levar como dono de padaria
depois que for solto. Carrega consigo um caderno de
receitas recheado de desenhos de bolos confeitados.
Juntos, os dois atravessam um pequeno pedaço de Nova
York por entre túneis de lavanderias de Chinatown e
balas de policias.
A promotora pública responsável pelo caso (Brenda Pressley)
não só é incapaz de informar a algum órgão ou responsável
na polícia sobre a situação de sua testemunha e daquele
que a acompanha, como também falha em prover algum tipo
de reforço/segurança para eles. A Justiça, única esperança
de salvação, tem pés e mãos atados nas ruas. Resulta
disso que toda a força policial da cidade fica à procura
de Mosley que, de acordo com o falso relato dos policiais
bandidos, enlouqueceu e seqüestrou a testemunha, tendo
até mesmo atirado em um colega.
16 Quadras guarda grande semelhança com Rota
Suicida (The Gauntlet, 1977), Clint Eastwood.
Nele, Ben Shockley (Eastwood), policial medíocre, precisa
levar a prostituta Gus Mally (Sondra Locke) de uma cidade
a outra para que ela testemunhe. Além da intriga – vulgar
–, há pelo menos uma seqüência comum: aquela em que
a dupla enfrenta, de dentro de um ônibus, toda a força
policial da cidade. No filme de Richard Donner, porém,
a ação é mais comedida e cede espaço ao drama: o ônibus
chega a ser parado, os passageiros tornam-se reféns.
Mosley então tenta sacrificar-se por sua testemunha,
mas Bunker fica ao lado de seu protetor até o fim. Entre
eles, um assunto constante: as pessoas podem mudar?
O policial acha que não, o ladrão arrependido, que sim.
Entre Willis, que brinca com sua própria idade e trajetória,
encarnando uma figura deprimente, e Mos Def, cujas piadas
e atitude não suscitam nem um leve sorriso, não há química
nenhuma. O enredo, lugar comum que pode – e costuma
– render boas piadas e seqüências de ação, é mal explorado.
A opção parece ser pela carga dramática dos personagens,
a mudança por que passarão. Ambos são pobres coitados
a quem fazer o certo – justo ou legal, o bem – há de
transformá-los em pessoas melhores. O problema é que
o drama, que deixa tanto a ação quanto a comédia para
trás, não se sustenta em personagens tão superficiais.
16 Quadras é, sobretudo, um filme entediante.
O final do filme é uma boa ilustração de suas más escolhas.
Mosley de fato sacrifica-se por Eddie: torna-se ele
mesmo testemunha e exige em troca – ato final da que
toda a ficha criminal de Bunker seja apagada. Que o
rapaz tenha uma segunda chance. Ele é escoltado pela
promotora e tudo se resolve fora do filme. Apenas dois
anos depois o reencontramos, feliz e já em condicional,
assoprando as velinhas do bolo de aniversário enviado
pelo ex-bandido tornado padeiro. Junto do bolo, uma
foto, tirada em frente à confeitaria "Eddie’s and
Jack’s", confirma a boa situação. Moral da história:
Eddie mudou, Jack também. E isso lhes fez bem. Pena
que não aos espectadores.
Juliana Fausto
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