Mais
uma vez guerra dos sexos? É a aposta de Se
Eu Fosse Você, mais uma comédia da
Globo Filmes assinada por Daniel Filho. O começo
do filme até leva a crer que a direção
do filme não será tão desleixada
e inócua quanto nos filmes anteriores: uma grua
desloca a câmera e reenquadra os personagens vertiginosamente
enquanto eles acordam e fazem a primeira higiene diária.
Andaria Daniel Filho vendo muito Brian De Palma, ou
simplesmente o diretor de fotografia resolveu fazer
uma pequena gracinha para iniciar o filme? Seja como
for, logo o filme volta para os mesmos padrões
de A Partilha e A Dona da História,
ou seja, a pura ilustração de um roteiro,
e os primeiros movimentos iniciais de câmera do
filme se revelam muito mais um gimmick do que
algo incorporado esteticamente à expressividade
do filme. Mesmo porque uma relação ousada
com a câmera implicaria, a princípio, uma
noção arrojada de narrativa e, principalmente,
uma recolocação a sério dos papéis
atribuídos a cada sexo na partilha das tarefas
de casal. Se Eu Fosse Você, que fique bastante
claro, caminha em sentido oposto: começa e termina
ratificando os lugares-comuns.
O filme não se dá apenas o trabalho de
dividir as funções em torno dos hábitos,
digamos, "naturais" de homem e mulher: maquiar-se
para a mulher, barbear-se para o homem (como advoga
o cartaz de divulgação do filme). O filme
dá o passo seguinte, trabalhando sempre na esfera
do lugar comum: Tony Ramos, o marido, é todo
cheio de si, grosseirão mas de boa índole,
afobado, mantenedor financeiro da família com
um emprego estressante e inibidor dos marmanjos que
tentam chegar perto de sua filha (que, curiosamente,
fala com sotaque paulistano mesmo morando no Recreio
dos Bandeirantes, com pais cariocas); já Glória
Pires, a esposa, é prestativa, controla a casa,
é de uma lerdeza só no trânsito,
tem um emprego aerado que ela mal domina e é
uma boa conselheira para a filha. Reconheceu? Porque
é mesmo questão de reconhecimento daquilo
que é mais banal, mais clichê, do que está
mais arraigado numa determinada cultura de classe média
abastada, que naturalmente é irrigada como ideologia
para as outras classes menos privilegiadas. O objetivo?
Fazer sempre a boa separação.
Mas aí entra o dispositivo do filme, colocar
a mulher no corpo do homem e o homem no corpo da mulher.
Finda a passagem, o que se ganha? Uma versão
dance medonha de Beethoven graças a um
"toque masculino", a conta publicitária
de uma empresa de lingeries por causa de um "toque
feminino"? A ambição do filme é
maior, sem dúvida: reside na idéia de
que os homens deveriam prestar mais atenção
na sensibilidade feminina e em certas características
específicas, e que as mulheres deveriam fazer
o mesmo com as características femininas. O que
seria até simpático, não fosse
o filme inteiramente moldado para tirar risadas de Tony
Ramos rebolando, desmunhecando ou falando fino, de Glória
Pires falando grosso e contando piada pornográfica,
enfim fazendo o humor de mais baixo calão (do
nível de Zorra Total, diríamos)
que no fundo nada mais é do que o contrário
do que seria a "mensagem" do filme, sua "moral
da história". Se um alienígena aparecesse
na Terra no ano de 3549 e quisesse saber como era a
ideologia dos papéis sexuais no Brasil nos primeiros
anos do século XXI, é certamente a esse
filme que ele vai recorrer. Mas a nós, meros
habitantes desse planeta em 2006, esse filme só
tem o triste papel de nos fazer constatar que o riso
do brasileiro continua sendo um de seus aspectos mais
reacionários. A partilha dos lugares muito bem
determinados ainda é a dona da história.
Ruy Gardnier
|