SE EU FOSSE VOCÊ
Daniel Filho, Brasil, 2006

Mais uma vez guerra dos sexos? É a aposta de Se Eu Fosse Você, mais uma comédia da Globo Filmes assinada por Daniel Filho. O começo do filme até leva a crer que a direção do filme não será tão desleixada e inócua quanto nos filmes anteriores: uma grua desloca a câmera e reenquadra os personagens vertiginosamente enquanto eles acordam e fazem a primeira higiene diária. Andaria Daniel Filho vendo muito Brian De Palma, ou simplesmente o diretor de fotografia resolveu fazer uma pequena gracinha para iniciar o filme? Seja como for, logo o filme volta para os mesmos padrões de A Partilha e A Dona da História, ou seja, a pura ilustração de um roteiro, e os primeiros movimentos iniciais de câmera do filme se revelam muito mais um gimmick do que algo incorporado esteticamente à expressividade do filme. Mesmo porque uma relação ousada com a câmera implicaria, a princípio, uma noção arrojada de narrativa e, principalmente, uma recolocação a sério dos papéis atribuídos a cada sexo na partilha das tarefas de casal. Se Eu Fosse Você, que fique bastante claro, caminha em sentido oposto: começa e termina ratificando os lugares-comuns.

O filme não se dá apenas o trabalho de dividir as funções em torno dos hábitos, digamos, "naturais" de homem e mulher: maquiar-se para a mulher, barbear-se para o homem (como advoga o cartaz de divulgação do filme). O filme dá o passo seguinte, trabalhando sempre na esfera do lugar comum: Tony Ramos, o marido, é todo cheio de si, grosseirão mas de boa índole, afobado, mantenedor financeiro da família com um emprego estressante e inibidor dos marmanjos que tentam chegar perto de sua filha (que, curiosamente, fala com sotaque paulistano mesmo morando no Recreio dos Bandeirantes, com pais cariocas); já Glória Pires, a esposa, é prestativa, controla a casa, é de uma lerdeza só no trânsito, tem um emprego aerado que ela mal domina e é uma boa conselheira para a filha. Reconheceu? Porque é mesmo questão de reconhecimento daquilo que é mais banal, mais clichê, do que está mais arraigado numa determinada cultura de classe média abastada, que naturalmente é irrigada como ideologia para as outras classes menos privilegiadas. O objetivo? Fazer sempre a boa separação.

Mas aí entra o dispositivo do filme, colocar a mulher no corpo do homem e o homem no corpo da mulher. Finda a passagem, o que se ganha? Uma versão dance medonha de Beethoven graças a um "toque masculino", a conta publicitária de uma empresa de lingeries por causa de um "toque feminino"? A ambição do filme é maior, sem dúvida: reside na idéia de que os homens deveriam prestar mais atenção na sensibilidade feminina e em certas características específicas, e que as mulheres deveriam fazer o mesmo com as características femininas. O que seria até simpático, não fosse o filme inteiramente moldado para tirar risadas de Tony Ramos rebolando, desmunhecando ou falando fino, de Glória Pires falando grosso e contando piada pornográfica, enfim fazendo o humor de mais baixo calão (do nível de Zorra Total, diríamos) que no fundo nada mais é do que o contrário do que seria a "mensagem" do filme, sua "moral da história". Se um alienígena aparecesse na Terra no ano de 3549 e quisesse saber como era a ideologia dos papéis sexuais no Brasil nos primeiros anos do século XXI, é certamente a esse filme que ele vai recorrer. Mas a nós, meros habitantes desse planeta em 2006, esse filme só tem o triste papel de nos fazer constatar que o riso do brasileiro continua sendo um de seus aspectos mais reacionários. A partilha dos lugares muito bem determinados ainda é a dona da história.

Ruy Gardnier

 

 





Quem é o homem e quem é a mulher?
Na resposta, o lugar-comum