ORGULHO E PRECONCEITO
Joe Wright, Pride & Prejudice, França/Inglaterra, 2005

Na primeira seqüência de Orgulho e Preconceito vemos Elizabeth (Keira Knightley) fechar um livro após um passeio no campo e entrar em sua agitada casa. Mrs. Bennet (Brenda Blethyn) convence o marido a levar as filhas, em idade de casamento, a um baile realizado na cidade. Mary Bennet (Talulah Riley) toca piano, e as outras filhas correm pra todos os lados, ouvem a conversa dos pais atrás da porta e ficam alvoroçadas pela idéia do baile que ocorrerá. Com longos travellings, a câmera vai se infiltrando na casa de Mr. Bennet (Donald Sutherland), trazendo o espectador pra junto daquele ambiente simples e acolhedor, inserindo-o na conturbada vida social da família. Após um passeio no universo privado dos Bennet, somos conduzidos ao universo público do interior da Inglaterra. Já na seqüência seguinte estamos no baile. Música alta, muita gente, e uma ainda agitada movimentação de câmera. Com longos planos somos inseridos no ambiente de festa, e também apresentados à sociedade local, sempre conduzidos pelas irmãs Bennet.

A construção narrativa utilizada pelo diretor Joe Wright é bastante convencional. Ainda na seqüência da festa, junto das irmãs Bennet, o espectador é apresentado a Mr. Bingley (Simon Woods) e Mr. Darcy (Matthew Macfadyen). Uma vez localizado espaço, tempo (a Inglaterra do século XIX), e personagens, como numa apresentação, os conflitos começam a se desenvolver, centrados na figura da protagonista Elizabeth, a segunda das cinco irmãs. A estrutura clássica já aponta, desde o princípio do filme, as personalidades (muitas vezes calcadas em cima de estereótipos), e a opção é menos pela surpresa de caráter psicológico ou sociológico, e sim pelo desenvolver de acontecimentos, que remontam a uma época marcada por tradições, segmentação social e, por que não, rupturas.

Ainda que numa primeira leitura Elizabeth pareça ser o contraponto de uma sociedade, essa visão tende a se diluir quando pensamos nas demais personagens presentes no filme. Se por um lado Mr. Darcy representa a austeridade e a postura inglesa, por outro Mr. Bingley é a inocência e espontaneidade, sendo ambos representantes de uma classe abastada, que nem por isso sofre diferenciação no tratamento dentro do filme (o balanço da câmera nas coreografias no baile não pende para nenhum lado, e atinge a mesma altura independente de fatores externos). Bem como na literatura de Jane Austen, autora do livro homônimo que deu origem ao filme, o interesse é mais pela particularidade do indivíduo inserido no contexto social (com barreiras rompíveis) e menos por um embate de classes. Pois se a irmã de Mr. Bingley pode ser vista como vilã, o contrário se faz valer quando se trata da irmã de Mr. Darcy, aparentemente amável. Essa contraposição de personalidades, construída com freqüência, obtém seu ápice no duelo estabelecido entre Elizabeth e Lady Catherine de Bourg (Judi Dench). Se a segunda é a incorporação do preconceito, a primeira é do orgulho. Lady Catherine ataca sem escrúpulos a família, a postura, os costumes e atitudes de Elisabeth. Esta, no entanto, através de respostas ácidas e dotadas de ironia, demarca seu território, propondo uma força de sua personalidade, tomando partido e defendendo, com orgulho, seus princípios e interesses. O orgulho de Elizabeth é elemento bastante controverso no filme, e trabalhado com sutileza, pois se por ora ela defende sua origem, em determinados momentos é vencida pelo amor, pela simplicidade e mesmo pelas circunstâncias (vide o envolvimento com Mr. Darcy), deixando seu orgulho de lado e tomando decisões que a aproximam mais da felicidade, em detrimento de uma falsa representação. É através de Elizabeth que o diretor rui com as barreiras sociais, fugindo da esfera pública e de uma representação de povo, e apelando para sentimentos pessoais e envolvimentos amorosos, pois em Orgulho e Preconceito é o sentimento dos personagens que se faz determinante.

Num filme em que o lado emocional se faz valer, é curioso pensar que no ambiente privado da família Bennet ele é representado pela figura paterna. É Mr. Bennet que está do lado das suas filhas, que pensa suas vontades, que não julga suas atitudes. O lado racional, incorporado na figura de Mrs. Bennet, é o lado interessado no dinheiro, patrimônio, fortuna, prosperidade. E é ela que de certo modo impulsiona as filhas para a vida, contrapondo-se à figura pacata do pai. A partir da própria casa dos Bennet, podemos pensar a figura feminina no século XIX.

São as mulheres que conduzem a sociedade e paralelamente (ou conjuntamente) o filme (inclusive pela presença de Jane Austen e da roteirista Deborah Moggach). A força motriz de Orgulho e Preconceito está toda centrada na figura da mulher. São elas, como protagonistas, a alavanca que desenvolve os acontecimentos diegéticos e narrativos. Mas Joe Wright parece pouco preocupado em criar conflito nas relações de poder homem-mulher, e desmistifica, a priori, a imagem de uma sociedade dominada exclusivamente pelos homens. Este tratamento pré-concebido reflete-se no filme com naturalidade e fluidez, distanciando-se de choques e embates – sem, no entanto, deixar de fixar a idéia da sociedade tradicional e patriarcal. O não aprofundamento de certas questões presentes no filme, como uma análise comportamental das irmãs Bennet, ou ainda uma investigação mais intensa na questão política e de troca de poder alimentada pelas tradições inglesas, acaba traçando um panorama um tanto superficial de uma época, o que não elimina a possibilidade de um filme desmistificador e questionador.


Raphael Mesquita