O HERÓI FECHADO
(capítulo do livro inédito Noção de cinema moderno)

O filme moderno não procura explicar e definir o interior do personagem. Recusa os métodos artificiais do passado; a psicanálise, a psicologia, o intimismo esquemático; toda análise clínica. O protótipo do herói fechado continua sendo Cidadão Kane. Ele morre e ninguém sabe o sentido da palavra inexplicável – "rosebud". Um repórter tenta desvendar o mistério e alcança somente aspectos parciais da personalidade de Charles Foster Kane. A crise interior está ligada à palavra mas ambas são inacessíveis. O ser é impenetrável. Kane sofre crises profundas e insondáveis, que o filme não define: sabe-se de sua existência mas não de sua essência.

Segundo o cinema moderno, não é possível conhecer todo o interior do personagem. Diante do herói fechado, o máximo que se pode fazer é olhá-lo.

O que aparece são ligeiras erupções de facetas e temas. O autor não impõe, não diz nada, insinua. Em Acossado (À bout de souffle), destaca-se o tema do suicícdio de Michel mas as causas não são dadas. Samuel Fuller apenas sugere homossexualismo entre o chefe dos bandidos e o policial de Casa de Bambu (House of Bamboo). Por que Eva humilha tanto no filme de Joseph Losey?

O cinema moderno substitui o tratamento linear dos personagens por um estilo sintético, complexo, neo-barroco. Reproduzo as oposições mais evidentes entre um e outro:

Tratamento clássico
Tratamento moderno
linear complexo
unitário múltiplo
clareza absoluta clareza relativa
contínuo descontínuo
lógico ilógico

Este esquema resume, com simplicidade, as divergências entre cinema clássico e cinema atual, que repousam principalmente neste tratamento da forma abertra ou fechada.

A partir daí o cinema moderno impõe a predominância do desdconhecido sobre o conhecido; do irracional sobre o racional, do fatalista sobre o realista. Faltando qualquer explicação, os temas adquirem ares ilógicos e passam a representar o absurdo do mundo contemporâneo (Eva, A Marca da Maldade, Viridiana).

Rogério Sganzerla