VINÍCIUS
Miguel Farias Jr., Brasil, 2005

Vinícius é um filme de fórmula, seja em sua estrutura depoimento-arquivo-declamação, seja na abordagem de seu personagem: segue-se aqui a tradição do documentário-biográfico laudatório, o estereótipo do retrato de gênio, o clichê da beleza perdida de tempos atrás. Casos pessoais, frases de efeito e versos populares são costurados no sentido de reiterar na figura do poeta o lugar desse ser iluminado, alma encarnada de um Rio de Janeiro idealizado no clichê da boa-vida à beira mar.

Cinema de balneário, o filme de Miguel Farias Jr. é habilidoso em construir seu clima de velório perene, e vem de encontro ao clima pós-apocalíptico que uma certa elite intelectual carioca parece querer cravar no seio da cidade: onde de um lado se localiza o caos do presente e de outro a nostalgia dessa coisa "tão Ipanema" que já fomos. Ouvir Chico Buarque repetir a sentença conformista de que "não seria possível alguém como Vinícius viver nos dias de hoje" é como sentir o cheiro de mofo que essa carioquice do bem-estar parece carregar como elogio da impotência dos dias atuais. Diante dos traumas da cidade, das fissuras, do caos, Vinicius de Moraes é desenhado como antídoto (auto-ajuda?) para o presente, como mito de uma vida apaixonada mas perdida no tempo. Esse enterro da juventude (em outras palavras: do presente), comum a uma certa elite reacionária carioca (e brasileira) é o discurso em que o filme embarca, firulado por declamações acima do tom e algumas execuções musicais sem brilho especial, tramando em torno da imagem do poeta esse manual-para-uma-vida-notável.

Um condomínio fechado para o espírito, o lugar da poesia de Vinícius no filme é defender, com sua imagem clichê do boêmio, essa possibilidade individual da plenitude procurada no comportamento, no estilo de vida. Em resposta negativa ao mecanicismo de um cinema comunista de generalizações ideológicas tão em voga no Brasil na época em que viveu o poeta, Vinicius aparece aqui como um exemplo crucial para os limites dessa contra-estética da diversidade que tomou o discurso do cinema brasileiro na última década. Um elogio da livre-iniciativa assentada como única alternativa diante da massificação e travestida de sinônimo para o autismo cultural. Um sentimento nunca oceânico (de imersão), mas "balneário" (de observação agradável do mundo, tomando um uisquinho e vendo a vida passar): um inconformismo de Domingo à tarde.

É interessante neste caso lembrar o slogan do filme espalhado em cartazes pelas salas de cinema e jornais: "Esse filme vai mudar a sua vida". Uma esforçada frase de marketing em que se expressa sem desvios a prerrogativa seminal do filme: a de que a vida do espectador do filme precisa ser mudada através da poesia transposta como guia para o bom comportamento cool, despojado e feliz. A tentativa de uma formulação cinematográfica da maneira mais eficaz de se atuar o papel da felicidade e do amor romântico aprazível – tipificados como eixos da identidade carioca (e da "alta cultura" brasileira) desde os anos 60 – são ferramentas de um derrotismo reacionário, habilidoso em acomodar a alegria e a divergência, tentando fazer das mesmas meras lembranças saudosas e oriundas de um tempo perdido e só encontradas em simulações individuais.

Vinícius, o filme, é, assim, um convite ao velório inacabado de um amigo imaginário (e o filme consegue comover nesse sentido), alcançando intimidade com quem o vê através das poucas imagens de arquivo e das canções famosas – que soam como mantras aos ouvidos do público. O sentimento ao final da sessão é o de que presenciamos uma reunião semanal onde se encontraram velhos poemas em torno de um álbum de fotografias, reunidos para lembrar das histórias de sua juventude, de sua energia já conformada e dizer em coro, quase sem vida: "Tempo bom. Tempo que não volta mais". Eu, de cá, respondo baixinho: "ainda bem".


Felipe Bragança