Vinícius
é um filme de fórmula, seja em sua estrutura
depoimento-arquivo-declamação, seja na
abordagem de seu personagem: segue-se aqui a tradição
do documentário-biográfico laudatório,
o estereótipo do retrato de gênio, o clichê
da beleza perdida de tempos atrás. Casos pessoais,
frases de efeito e versos populares são costurados
no sentido de reiterar na figura do poeta o lugar desse
ser iluminado, alma encarnada de um Rio de Janeiro idealizado
no clichê da boa-vida à beira mar.
Cinema de balneário, o filme de Miguel Farias
Jr. é habilidoso em construir seu clima de velório
perene, e vem de encontro ao clima pós-apocalíptico
que uma certa elite intelectual carioca parece querer
cravar no seio da cidade: onde de um lado se localiza
o caos do presente e de outro a nostalgia dessa coisa
"tão Ipanema" que já fomos.
Ouvir Chico Buarque repetir a sentença conformista
de que "não seria possível alguém
como Vinícius viver nos dias de hoje" é
como sentir o cheiro de mofo que essa carioquice do
bem-estar parece carregar como elogio da impotência
dos dias atuais. Diante dos traumas da cidade, das fissuras,
do caos, Vinicius de Moraes é desenhado como
antídoto (auto-ajuda?) para o presente, como
mito de uma vida apaixonada mas perdida no tempo. Esse
enterro da juventude (em outras palavras: do presente),
comum a uma certa elite reacionária carioca (e
brasileira) é o discurso em que o filme embarca,
firulado por declamações acima do tom
e algumas execuções musicais sem brilho
especial, tramando em torno da imagem do poeta esse
manual-para-uma-vida-notável.
Um condomínio fechado para o espírito,
o lugar da poesia de Vinícius no filme é
defender, com sua imagem clichê do boêmio,
essa possibilidade individual da plenitude procurada
no comportamento, no estilo de vida. Em resposta negativa
ao mecanicismo de um cinema comunista de generalizações
ideológicas tão em voga no Brasil na época
em que viveu o poeta, Vinicius aparece aqui como
um exemplo crucial para os limites dessa contra-estética
da diversidade que tomou o discurso do cinema brasileiro
na última década. Um elogio da livre-iniciativa
assentada como única alternativa diante da massificação
e travestida de sinônimo para o autismo cultural.
Um sentimento nunca oceânico (de imersão),
mas "balneário" (de observação
agradável do mundo, tomando um uisquinho e vendo
a vida passar): um inconformismo de Domingo à
tarde.
É interessante neste caso lembrar o slogan do
filme espalhado em cartazes pelas salas de cinema e
jornais: "Esse filme vai mudar a sua vida".
Uma esforçada frase de marketing em que se expressa
sem desvios a prerrogativa seminal do filme: a de que
a vida do espectador do filme precisa ser mudada através
da poesia transposta como guia para o bom comportamento
cool, despojado e feliz. A tentativa de uma formulação
cinematográfica da maneira mais eficaz de se
atuar o papel da felicidade e do amor romântico
aprazível – tipificados como eixos da identidade
carioca (e da "alta cultura" brasileira) desde
os anos 60 – são ferramentas de um derrotismo
reacionário, habilidoso em acomodar a alegria
e a divergência, tentando fazer das mesmas meras
lembranças saudosas e oriundas de um tempo perdido
e só encontradas em simulações
individuais.
Vinícius, o filme, é, assim, um
convite ao velório inacabado de um amigo imaginário
(e o filme consegue comover nesse sentido), alcançando
intimidade com quem o vê através das poucas
imagens de arquivo e das canções famosas
– que soam como mantras aos ouvidos do público.
O sentimento ao final da sessão é o de
que presenciamos uma reunião semanal onde se
encontraram velhos poemas em torno de um álbum
de fotografias, reunidos para lembrar das histórias
de sua juventude, de sua energia já conformada
e dizer em coro, quase sem vida: "Tempo bom. Tempo
que não volta mais". Eu, de cá, respondo
baixinho: "ainda bem".
Felipe Bragança
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