O SOL DE CADA MANHÃ
Gore Verbinski, The Weather Man, EUA, 2005

O primeiro plano em que aparece em cena David Spritz (Nicolas Cage), protagonista de O Sol de Cada Manhã, indica que o personagem embarcará numa viagem de auto-ajuda. Assim como acontece nos rankings de vendas de livro, este filão parece se tornar cada vez mais recorrente no cinema americano - só entre os mais recentes filmes, podemos citar Palavras de Amor e Impulsividade como exemplos dos mais distintos espectros deste cinema (um, abraçando-o sem medo, o outro esboçando uma auto-crítica deste processo). Claro que esta necessidade contemporânea de achar satisfação pessoal num mundo que cada vez mais leva à alienação dos afetos, possui uma ressonância que mais do que o justifica como impulso recorrente.

Para o espectador atento, esta viagem de avaliação de sua própria trajetória, lembrará muito a do personagem de Jack Nicholson em As Confissões de Schmidt: um ponto de partida familiar (aqui, a iminente morte do pai, lá a morte da esposa), a mesma narração em off supostamente irônica (mas, de fato, diluidora), a mesma trilha sonora irritantemente hipersignificativa, o mesmo clima de observação cool e distanciada de uma estrutura pessoal, familiar e nacional decadente. Tudo isso desperta bem pouco interesse, a princípio. No entanto, na medida em que o filme se encaminha ao seu desfecho, Gore Verbinski começa a mostrar suas verdadeiras intenções – e embora isso não torne a fruição do seu filme mais agradável, inegavelmente a possibilidade de sua inserção numa determinada história da construção da auto-imagem americana através do cinema permite uma ou duas observações no mínimo curiosas.

O que fica claro, desde o começo, é que no trajeto deste homem está em jogo todo o ideal do sucesso norte-americano. Curiosa esta escolha de sua profissão, então: o homem do tempo da TV, que não é meteorologista, não tem nenhum grande talento específico, e por isso é reconhecido nas ruas, mas nada respeitado. Para traçar o retrato deste Homo Americanus da primeira década do século XXI, Verbinski infelizmente apela às mesmas generalizações de seu universo pessoal: o fracasso no casamento, a distância dos filhos, o desprezo dos colegas de trabalho. Trata-se do caminho mais fácil para construir a alienação, mas ao mesmo tempo ela dilui o seu verdadeiro drama: a impossibilidade de retirar do seu aparente sucesso alguma satisfação.

Enquanto se questiona como membro desta sociedade, seu caminho começa a se cruzar com o de uma série de personagens-símbolo da alienação no cinema americano (num trajeto onde, surpreendentemente, ele vai dialogar até com o Travis Bickle de Taxi Driver). Só que onde ele se posiciona mais claramente é logo depois do Lester Burnham de Beleza Americana: dentro da trajetória do pai de família americano ficcional, depois da idealização, da colocação em crise, do elogio da disfuncionalidade, e da ironia distanciada, David Spritz se revela no final a vingança do americano médio. A diferença do ponto de vista é clara: ao contrário do "refinado" olhar do respeitado diretor de teatro inglês (Sam Mendes), distante e irônico, temos aqui a visão do artesão americano mediano (Gore Verbinski – que estreou com O Ratinho Encrenqueiro, e foi encontrar o sucesso de público dirigindo filmes como O Chamado e Piratas do Caribe).

De fato, no final do filme fica claro que a necessidade de auto-afirmação de Spritz perante o pai é exatamente a mesma dos EUA perante a Inglaterra, a Europa e suas origens no Velho Mundo (não por acaso o pai, um intelectual vencedor do Prêmio Pulitzer, é interpretado pelo inglês Michael Caine). Neste sentido, David Spritz é a atualização da mesma velha questão retratada, por exemplo, no Vamos à América (Ruggles of Red Gap) de Leo McCarey, em 1935: se lá o mordomo inglês se rende ao espírito democrata da América e despreza seus rituais de classe, numa afirmação americana de sua auto-imagem pós-Primeira Guerra (o filme tem uma primeira versão em 1918), aqui temos a necessidade atual da nação constantemente vilanizada na sua "baixa cultura" de afirmar que sua premência mundial não precisa ser apenas bélica.

Entre a Brigada 47 e o Bob Esponja na parada onde o filme termina (entre o "heroísmo americano" e a cultura de massas), a trajetória deste homem comum, médio, medíocre mesmo, seria "quite an American accomplishment". Aceitar-se pelo que é, esta é a receita do livro de auto-ajuda versão Gore Verbinski. E aí percebemos o porquê da infantilização do personagem e dos seus dramas: porque aceitar a validade desta falta de complexidade é o que realmente está em jogo aqui. Interessante como filme? Não exatamente. Mas, como declaração de princípios, certamente. Esperemos somente que, feita a análise, venha logo o Piratas do Caribe 2 (próximo filme de Verbinski), para voltarmos ao que realmente os EUA nos dão de único.


Eduardo Valente