O EXORCISMO DE EMILY ROSE
Scott Derrickson, The Exorcism of Emily Rose, EUA, 2005

Durante uma apreciação inicial, O Exorcismo de Emily Rose parece insistir em uma imagem de sobriedade e frieza narrativa que frustra as expectativas de quem nele esperaria encontrar um filme de terror. Essa expectativas incluiriam, inclusive, a idéia de que o filme se espelhasse na forte referência criada pelas imagens tornadas clássicas no imaginário cinematográfico por William Friedkin em seu O Exorcista (1973). O que o diretor Derickson vai oferecer, em especial quando encena as seqüências nas quais apresenta a personagem título sofrendo sua suposta "possessão" ou sendo "exorcizada", é uma fuga da grandiloqüência e senso de espetáculo com a qual Friedkin retratava a ação demoníaca sobre a menina Regan (Linda Blair). Derickson, por outro lado, a princípio sugere pretender tratar a história de Emily com a frieza de quem apresenta um caso clínico. O Exorcismo de Emily Rose logo se firma como um drama de tribunal, onde se daria mais um round do eterno embate entre razão/ciência e fé. Causa a impressão que o modelo a ser imposto estaria igualmente no padrão definido pelos filmes judiciários de Sidney Lumet, em especial O Veredicto (1982), que, por sinal tem a Igreja Católica , vista ali numa imagem bem pouco simpática, como uma das partes interessadas no litígio.

Ao longo de sua projeção, no entanto, o que o filme vai fazendo, e sem a menor sutileza, é aos poucos quebrar uma ilusão inicial de frieza e tomar o partido de um dos lados no embate: a fé inabalável que moveria Emily e o padre (Tom Wilkinson), que é julgado por homicídio e omissão de socorro quando a moça vem a morrer como conseqüência do exorcismo mal sucedido. O filme veste-se de uma capa de suposta isenção e busca de justiça, aproveitando-se inclusive do nefasto rótulo "baseado em fatos reais", para acima de tudo se impor como uma peça de catequese e pregação. Passando, com isso, a retratar principalmente um processo de aceitação da religiosidade por parte da advogada, a princípio agnóstica e carreirista, interpretada pela talentosa Laura Linney. Os dispositivos usados pelo filme em sua gritante parcialidade também incluem uma vilanização gratuita do promotor (Campbell Scott), que tenta demonstrar a suposta "possessão" como um caso a ser explicado e tratado pela medicina convencional. Ao final das contas, mesmo com o veredicto que o júri impõe ao padre, que fica sendo nada mais que uma mera concessão a uma justiça "em cima do muro", sobra a imposição da visão de Emily Rose como uma mártir contemporânea.

É curiosa, mas nada surpreendente, a apreciação de O Exorcismo de Emily Rose como uma peça que, mesmo trabalhando em um universo correspondente ao catolicismo, mostra-se coerente com um ideário de valorização de uma religiosidade fundamentalista protestante caracterizada pela ascensão de uma direita cristã durante o governo George W. Bush. É acima de tudo uma obra de catequese. O que não seria por si só seu grande problema. Goste-se ou não de Paixão de Cristo de Mel Gibson, este, em momento nenhum esquece de deixar claras as intenções de seu filme como uma pregação. O maior pecado de Scott Derrickson e seu O Exorcismo de Emily Rose está justamente em tentar disfarçar, não assumir suas verdadeiras intenções, encobrindo o filme em uma falsa idéia de busca por justiça e imparcialidade.


Gilberto Silva Jr.