A
projeção internacional de Tempo de Embebedar Cavalos,
premiado na Mostra de São Paulo 2001, ganhador da Câmera
D'or em Cannes 2000 e indicado para o Oscar de filme
estrangeiro, parece ter influenciado o diretor curdo-iraniano
Bahman Ghobadi. Neste seu segundo filme, aparentemente,
ele persegue duas metas: introduzir elementos de apelo
popular para flertar com um naco mais polpudo do mercado
– interno e externo – e manter-se no filão do circuito
de arte com a reprodução de características familiares.
A soma resulta esquizofrênica. Uma vela para dois santos
às vezes dá no escuro.
O primeiro objetivo é buscado por um humor histérico
e pelo ritmo dinâmico, na verdade apressado, que dão
um toque postiço de caos kusturiquiano à histriônica
narrativa. Ocupa pouco mais da metade inicial e emenda
situações anedóticas, mais umas tantas cenas de rituais
culturais, aparentemente inseridas para aguçar o gosto
estrangeiro por exotismos. O ritmo picotado, com planos
curtos, pode ser sintomático. Pois especulemos. Com
um mercado doméstico em contato com filmes americanos,
por meio de um progressivo número de cópias em vídeo
comercializadas clandestinamente no país, o olhar do
iraniano hoje exige maior agilidade narrativa. E na
tela há muito movimento, seja dentro das cenas, seja
o obtido pela montagem.
Essa nova característica – nova em relação ao que conhecemos
do cinema iraniano exportado – tem outra função: renovar
a imagem estereotipada dessa cinematografia mundo afora,
presa ao estigma de cinema lento, poético e alegórico.
Estaríamos diante de um novo paradigma, extra-autoral,
que transita dessa fórmula-clichê, já desgastada, para
uma outra a se construir, mais "ocidentalizada".
O cinema iraniano teria descoberto a "ação",
no sentido pejorativo, depois da experiência de Filhos
do Paraíso, centrado em cenas de correria.
O segundo objetivo do filme nos recoloca no território
do filme anterior do diretor, e de parte do cinema feito
sob as barbas dos aiatolás, ao acompanhar uma árdua
jornada de procura e resistência em meio à intempéries.
À frente da narrativa, estão três personagens, músicos
do Curdistão iraniano. Eles saem em busca de uma cantora
desaparecida e, ao longo do caminho arenoso e nevado,
testemunham o sofrimento dos curdos, em geral creditadas
aos maus bofes de Saddam Husseim.
Como já havia sido explicitado em O Voto é Secreto,
com sua didática visão política voltada tanto para a
conscientização do público local como para o aprendizado
do público estrangeiro, Exílio no Iraque escancara
excessivamente sua receita. Usa o percurso dos personagens
e a estrutura de road-movie para jogar na tela questões
políticas e as mazelas geradas pela natureza (a temperatura,
a geografia). É a chamada chave documental-sociológica.
A opção foi consagrada por Abbas Kiarostami (principalmente
em E a Vida Continua), mas dentro de um enfoque
amplo, que olha para o ser humano, para seu ambiente
e para a interação de um com outro. Falta aqui algo
além da mera fórmula.
Conforme o desfecho se aproxima, a comicidade cede espaço
a um registro dramático, que nos leva a lembrar, para
além do cenário, que estamos em um estereótipo de cinema
do Irã, aquele cultuadinho pelo público bem informado
no mundo das imagens. Realiza-se a esperada utilização
de uma jornada individual, enfrentando dificuldades
diversas, para na verdade se falar da saga de todo um
povo. Estamos em uma história de "busca".
Não apenas de alguém por outra pessoa, mas de um grupo
por um rumo em seu zanzar. Uma busca empreendida, sem
sucesso, pelo próprio filme.
Cléber Eduardo
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